Guia de episódios

STAR TREK II:
THE WRATH OF KHAN

1982



 









 


       Sinopse comentada
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       Trilha Sonora
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       Ficha Técnica
       O DVD

       O Melhor dos Tempos

 



O seu segundo filme para o cinema é um capítulo muito especial e querido na história de Jornada nas Estrelas. Ele é tão respeitado pela comunidade trekker que figura normalmente no topo das mais diversas enquetes e votações realizadas pelos fãs, tais como: melhor filme, melhor vilão (Khan), melhor batalha espacial (aquela na nebulosa Mutara), cena mais emocionante (a da morte de Spock) etc. Seu impacto na marca é inegável, tornando-se o modelo e o padrão de qualidade para todos os filmes que vieram depois. Saibam por que nas linhas abaixo e o melhor, sem precisar receber no córtex cerebral as larvas de Ceti Alfa V no processo.

O maior mérito do filme é humanizar Kirk, como nunca antes em Jornada. Isto é feito utilizando uma situação com a qual todos podem se identificar: a avaliação pessoal da vida de alguém na data do seu próprio aniversário. E tal tema universal e infinitamente humano é mantido em foco e levado as últimas conseqüências durante o filme. Tão simples assim, tão verdadeiro assim.

O conceito de "Genesis" traz um grande senso de deslumbramento ao segmento, a vingança de Khan (trazer um elemento conhecido do passado de um personagem é normalmente um bom caminho a ser trilhado -- normalmente melhor que "tirar alguma coisa do bolso" do roteirista) é largamente divertida e urgente e a descoberta de uma "quase família" de Kirk (algo introduzido neste filme, mas justificado pela natureza de Kirk mostrada na série) é uma verdadeira e humana surpresa. A maneira com que todos estes elementos se integram ao tema principal do roteiro e refletem no personagem de Kirk é o que encerra a beleza da história. Ao invés de se tornarem distrações ao tema principal, tais idéias se integram, tornando o filme mais que a mera (e proverbial) "soma das suas partes". 

A importância de Nicholas Meyer é inequívoca para o filme e para a história de Jornada. Pegou um roteiro frouxo, mal acabado e mal focado e o transformou em algo muito bem amarrado, cheio de "setups", "payoffs" e "ecos", sem nunca se desviar do tema central da história. Longe de estruturar a sua narrativa em torno de alguma tortuosa "lição de moral", ele coloca os personagens em situações extremas e (honrando um sagrado conceito de escrita) os faz reagir de forma fiel às suas caracterizações a tais situações. Dignos de nota são o esforço e a clara visão de Meyer para apresentar da melhor forma possível cada uma das situações do filme. 

É largamente apreciada a habilidade gerencial de Bennett em conseguir fazer filmes tão baratos, mas somente os seus dotes criativos seriam insuficientes para produzir algo da qualidade dos filmes II, IV e VI (este último já sem ele na produção). Meyer tomou Jornada para si, colocando livremente as suas próprias idéias e se preocupando apenas em preservar o espírito da série (algo que só se entende por imersão na mesma -- o que ele fez). De forma alguma tomando o patético caminho de fazer "engenharia reversa" no que havia funcionado antes. 

Meyer trouxe à tona plenamente a metáfora naval de Jornada (que sempre existiu na série e parece levar ao melhor cenário para a sua interpretação), trouxe um pouco de realidade ao universo por vezes demais idealizado de Roddenberry, modernizou os já gastos elementos de ação e tensão de Jornada para uma audiência de Cinema dos anos 80 e além já exposta ao fenômeno dos "blockbusters", trouxe melhores atuações de todos os atores do elenco regular da série (notadamente Shatner) nos filmes que dirigiu, levou os personagens em diferentes e inesperadas direções, preocupando-se sempre em humanizá-los no caminho, e mostrou além de qualquer dúvida que os únicos requisitos necessários para trabalhar em Jornada são: competência, humildade e coragem. Não é necessário conhecimento prévio da marca. 

É curioso que alguns fãs elogiem "A Ira de Khan" (ou qualquer filme posterior de Jornada para o cinema), e justifiquem tal elogio com o fato daquele dado filme em particular representar o melhor da "visão Rodenberryana". O que não corresponde de forma alguma à verdade (tal fato ocorre devido à visão superficial e mesmo reducionista quanto aos seus realizadores que muitos fãs têm de Jornada). Após a ridiculamente complicada produção do primeiro filme, Roddenberry foi colocado pela Paramount na posição de mero consultor (para benefício de Jornada, dos seus realizadores e dos seus fãs). 

Roddenberry, é claro, inundou Bennett e Meyer com uma pilha de memorandos sobre o que ele achava errado com a produção do filme. Talvez o exemplo mais claro (e mais conhecido e que será o único mencionado aqui para evitar uma perda de foco) disso seja de que Roddenberry via a Frota Estelar como a uma organização primariamente científica com somente um fundo paramilitar. Ele acreditava que Meyer a transformou em uma organização formalmente militar. 

Tal ponto cresceu de tal maneira para o criador de Jornada que na época da divulgação do lançamento de Jornada nas Estrelas: A Nova Geração (idos de 1986), Roddenberry falava em alto e bom som para quem quisesse ouvir que a nova série não traria o "tratamento militarístico" dos filmes para o cinema, sendo uma formal reação a tais filmes neste sentido. 

Considerando o sucesso artístico e comercial dos filmes de Jornada para o cinema com o envolvimento de Meyer e a baixa qualidade das duas primeiras temporadas de A Nova Geração (série que somente decolou com chegada de Michael Piller na produção da terceira temporada, relegando a posição criativa de Roddenberry a um papel meramente simbólico) fica difícil levar Roddenberry neste ponto (ou em tantos outros) muito a sério. 

(O mais curioso que está noção "paramilitar" de Roddenberry não parece fazer muito sentido em primeiro lugar. Roddenberry parecia descrever uma série como "Space: 1999" em que tal situação era clara. Não Jornada, de forma alguma.) 

Nenhum review de "A Ira de Khan" seria completo é claro sem um comentário sobre o seu personagem titular. O Khan deste filme é uma versão simplificada daquele de "Space Seed". Aqui ele é um personagem (não se enganem quanto a isto) essencialmente unidimensional, motivado única e exclusivamente pelo desejo de se vingar de Kirk (ainda assim absolutamente efetivo dentro da proposta do filme). Ele é o Ahab (formalmente e literalmente se levarmos as suas falas em consideração) para a formal "baleia", representada por Kirk. 

Por duas vezes o seu braço direito Joachim lhe oferece um óbvio e sólido conselho para que desista de sua vingança e por duas vezes ele responde da forma mais absolutamente doentia possível. De toda forma a "Ira" de Khan é o motor que move o filme, que ironicamente (apesar do seu título) não é (felizmente) sobre o tirano e nem sobre o seu último objetivo. O fato de Kirk e Khan nunca se encontrarem cara a cara amplia ainda mais esta noção de mera "força motriz" para a história e curiosamente em benefício do filme. 

Os méritos de Meyer enquanto diretor e roteirista se encontram pulverizados em diversos pontos deste documento. As diferenças entre esta versão definitiva do filme e aquela já conhecida pelo público há anos são mínimas. A maioria dos "bloopers" de continuidade e edição foi removida e algumas cenas foram mais bem acabadas. Notadamente algumas cenas originalmente quebradas em múltiplos closes ficaram em definitivo no formato "wide". Os efeitos visuais foram mantidos integralmente, sendo testemunho do belo trabalho da ILM na época. 

A trilha de James Horner é excelente, se integrando de forma mais do que adequada a cada cena (a menos quando apontado o contrário, na Sinopse). O tema principal do filme é o definitivo tema da Série Clássica e captura a sua essência como nenhum outro (o tema original de Alexander Courage não está nem na mesma categoria deste). Ouvindo-o não é difícil "embarcar" na sua óbvia inspiração náutica. Ainda que a trilha do filme anterior seja tecnicamente superior, esta é "A Trilha" de Jornada no cinema. 

Shatner tem aqui a sua melhor atuação em um segmento de Jornada e muito deve a Nicholas Meyer por isto. Foi muito bem como Kirk nas cenas chaves com McCoy, Spock, Carol Marcus e David Marcus. É claro que não faltaram as suas clássicas "espanadas de cenário": "KHAAAAAAAAAAAAANNNNNNNN!!!" Ele também não teve a mesma concentração que Montalban para fazer as cenas "falando com as paredes". De toda forma, ele se apresentou em média de uma forma muito mais contida e convincente do que de costume. Nimoy foi excelente e o melhor da turma, como sempre. Kelley não teve muito que fazer, mas também não comprometeu. Do "pequeno quarteto", Doohan e Koenig tiveram maior tempo de tela, mas não foram nada memoráveis. Nichols e Takei fizeram número, como sempre. 

Montalban foi o grande destaque dentre os atores convidados e a sua atuação literalmente "maior que a vida" se tornou célebre, equilibrando carisma, obsessão e "espanação de cenário" com perfeição. O ator construiu um personagem de terna lembrança para os fãs. Alley foi uma grata surpresa, mostrando que uma "Vulcana Light" pode ser agradável e não ofensiva para a raça. Butrick foi particularmente lamentável e Besch foi adequada. É uma pena que um ator da qualidade de Winfield tenha recebido um papel tão limitado. Vê-lo como um zumbi na ponte da Reliant foi particularmente ridículo. 

Rever este filme mais de 20 anos após o seu lançamento é uma experiência extraordinária. Tal segmento é um dos mais influentes da história de Jornada e os detalhes de sua realização (e do produto final) ajudam a explicar o sucesso da marca como nenhum outro. A curiosa trindade: baixo custo, qualidade e sucesso. Parecem constituir um paradoxo. O amor e o comprometimento nesta produção de todos os envolvidos é uma coisa realmente palpável, física mesmo. Duas décadas passadas, com o tempo levando consigo mesmo o outrora belo trabalho da ILM, o filme continua tocante e significativo, como ficará para sempre, como todas as histórias que realmente merecem ser contadas. Bravo!