STS 2×04: The Girl Who Made the Stars

Bela animação fantasia antiga lenda com sabor trekker 

Sinopse

A bordo de uma estação espacial, a pequena Michael Burnham desperta de um pesadelo, com medo de um fenômeno que parece uma tempestade no espaço. Seu pai, Mike, em uniforme da Frota Estelar, vai acalmá-la. Ela pede para dormir com as luzes acesas, e ele até aceita, mas sugere como alternativa contar a ela a história da menina que fez as estrelas. Michael logo fica intrigada e ele começa.

Cem séculos atrás, na África, havia o primeiro povo. Eles eram caçadores-coletores apenas começando na agricultura, limitados a um pequeno pedaço de terra. Isso porque naquele tempo não havia ainda as estrelas, e a noite era dominada pela total escuridão, que deixava a todos temerosos. E eles deram ao medo um nome: a besta da noite.

O problema é que a terra deles já não está mais servindo à agricultura, e a sobrevivência da tribo está em perigo. Uma menina pergunta ao ancião se eles não poderiam simplesmente buscar outro lugar para morar, além da montanha, e é rechaçada de forma bruta: ninguém poderia fazer uma viagem que durasse mais que um dia, sob pena de serem devorados pela besta da noite.

Corajosa, ela decide desobedecer às leis da tribo e realiza uma viagem noturna, acompanhada apenas por um vagalume que prendeu numa lâmpada. Mas o medo a alcançou. Ela correu da besta da noite, mas deixou cair a lâmpada, que se partiu. O vagalume se foi e restou apenas a escuridão. A menina estava abalada pelo medo, mas então viu uma luz cruzando o céu, descendo ao solo adiante de si. Decidiu enfrentar o medo e ir até ela. E então encontrou uma estranha criatura.

Aquele ser viu nela não uma menina assustada, mas uma brava guerreira, cuja luz interior brilhava forte, e disse que ela precisaria mostrar isso à tribo. Ele deu a ela um presente, e então partiu de volta à escuridão da noite.

Ao retornar à tribo, a menina foi confrontada pelo ancião, mas disse que agora ninguém mais precisaria temer a noite. Ela abriu o presente e de lá saíram luzes que salpicaram o céu – as estrelas.

Ao crescer, a menina se tornaria uma grande líder, uma rainha, conduzindo seu povo guiada pelas luzes celestes e suas constelações.

Mike terminou a história, e Michael, satisfeita, decidiu que não precisaria das luzes para dormir. Ao adormecer, sonhou com aquela poderosa rainha, a menina que criou as estrelas.

Comentários

Voltada para o público infantil, “The Girl Who Made the Stars” é uma história apaixonante sobre o espírito de exploração e a conquista do medo do desconhecido – temas clássicos de Star Trek. Contudo, a narrativa usa a roupagem de uma lenda, o que pode parecer destoante para quem está acostumado a ver episódios trekkers como narrativas futuristas e científicas, ambientadas no espaço.

Para se manter dentro do universo ficcional, a história é contada a partir do artifício de ter o pai de Michael contando a lenda para ela. As raízes da história estão obviamente no monólogo com que Burnham abre a segunda temporada de Star Trek: Discovery, em Brother, mas ganha um outro tom e nível de detalhamento aqui. Por sinal, é uma experiência interessante assistir a este curta e, na sequência, embarcar em “Brother”, quase produzindo um diálogo entre a pequena Michael e sua contraparte mais madura, em torno da mesma lenda. E faz todo sentido que a comandante Burnham tenha total interesse em histórias desse tipo, com sua formação como xenoantropóloga.

Como roteiro, “The Girl Who Made the Stars” funciona muito bem. A narração da lenda africana mantém o tom certo, reconstituindo um mito de criação de forma fidedigna. É meio óbvio, mas não custa enfatizar que a ideia não é apresentar uma história real e científica sobre a formação das estrelas. A narrativa, como a mitologia de qualquer cultura, se presta a “explicar”, num mundo pré-ciência, como o “primeiro povo” (que possivelmente foi aquele que deixou a África para colonizar os demais continentes) se tornou um grupo de exploradores. É nesse sentido que a lenda retratada deve ser percebida e, embora ela seja largamente ficcional, as metáforas se encaixam lindamente.

Tanto a necessidade de enfrentar o medo e a importância da percepção do céu foram fundamentais para a expansão humana na Terra ao longo dos séculos, e ambos são bem retratados aqui, com a magia que uma lenda exige. (Navegação por marcos celestes foi fundamental para as grandes travessias oceânicas e era comum mapas incompletos registrarem em mares não navegados “aqui há monstros”, para citar apenas dois casos em que os temas tocados pelo curta correspondem a contextos reais e históricos.)

A única escorregada na narrativa é quando Mike diz que a criatura que encontrou a menina que fez as estrelas partiu em sua nave para a escuridão da noite. Ele está usando uma referência dele, Mike, habituado a um mundo de alienígenas e naves espaciais, mas a lenda certamente não falava em naves. (De novo, o contraste com mitologias mais conhecidas ajuda a entender a pequena falha: na Bíblia, ao descrever um veículo voador que leva Elias aos céus, fala-se em um “carro de fogo”. Os redatores bíblicos jamais escreveriam “foguete” há três milênios, da mesma forma que os autores da lenda africana do primeiro povo jamais falariam em “nave”.)

Fora essa pequena escorregada, toda a lenda é contada com palavras que poderiam retratar fielmente uma narrativa mitológica antiga. A roupagem moderna fica por conta da animação, que representa a imaginação da Michael ao ouvir a história. Não por acaso, a menina que fez as estrelas é igual a ela, e temos uma aparência alienígena e espacial para a criatura que ela encontra (na verdade sua luz interior para enfrentar o medo, como sugere a própria Michael, reagindo à história do pai).

Por falar em animação, bonitas as escolhas para o visual do curta. Trata-se da primeira aventura de Star Trek com visual típico de animação 3D em CGI, e tanto personagens, como cenários e sequências foram belamente constituídos. Esteticamente muito agradável. O único porém é a animação da articulação das falas dos personagens, que tem algo de falso nela – algo que possivelmente teria sido aprimorado se houvesse mais tempo para trabalhar nessa pequena produção. De resto, excelente.

Usando a ambientação de Star Trek apenas como moldura, “The Girl Who Made the Stars” é mais um ousado experimento dos Short Treks, mostrando que é possível ir além do que já foi feito até hoje na franquia em termos de ousadia narrativa, atingindo todas as idades com as mensagens positivas que marcaram desde sempre a criação de Gene Roddenberry.

Avaliação

Citações

Michael Burnham – It was the light inside that guided her. (“Foi a luz interior que a guiou.”)

Trivia

  • Ao lado do curta “Ephraim and Dot”, exibido pela primeira vez nos EUA em 12 de dezembro de 2019, “The Girl Who Made the Stars” marca o primeiro retorno de Star Trek à animação desde o cancelamento da Série Animada, em 1974. Também se trata da primeira produção com visual de animação em 3D com CGI.
  • Com pouco menos de 8 minutos, este é o mais curto dos Short Treks produzido até o momento.
  • O roteirista Brandon Schultz começou como assistente em Star Trek: Discovery e teve a chance de coescrever o episódio Perpetual Infinity, da segunda temporada. Depois de escrever este curta, ele foi integrado à sala de roteiristas para a temporada 3.
  • Originalmente, Schultz havia sugerido fazer essa história como um flashback no episódio final da temporada 2 de Discovery, remetendo à primeira menção da lenda, no episódio de abertura. Acabou não se encaixando, mas o produtor executivo Alex Kurtzman solicitou que ela fosse desenvolvida como um dos Short Treks.
  • O roteirista pesquisou diversos mitos africanos para construir a história, mas, afora inspirações aqui e ali, a narrativa é inteiramente fictícia e principalmente baseada no texto de “Brother”, da segunda temporada de Discovery. “Não é antropologicamente exata, mas quisemos que tudo isso informasse essa ideia de tradição oral que o sr. Michael Burnham está passando adiante para sua filha”, disse.
  • Olatunde Osunsanmi, diretor frequente de Discovery, pela primeira vez fez o salto da live-action para a animação. “Sabíamos que tinha de ser animação, porque tem uma qualidade mágica que é muito difícil de obter com live-action. Ir de live-action para animação, não vou mentir, foi duro. Foi difícil. Em live-action você pode ir para set, pode interagir com o ambiente e aí você filma. Em animação, você vai para uma cabine, vai para um computador, e alguma mágica acontece, e aparece. Então essa foi uma das coisas mais desafiadoras que fiz em muito tempo.”

  • A animação foi produzida pela Pixomondo, principal empresa fornecedora de efeitos visuais para Discovery. “Trabalhar com a Pixomondo foi ótimo, porque há um atalho graças a Disco”, disse Osunsanmi. “Então, já falávamos a língua um do outro. Eles fizeram algumas imagens conceituais e literalmente acertaram logo de saída.”
  • O diretor comentou sobre o que ele mais gostou ao fazer este curta. “Minha parte favorita foi, quando eu tinha quase acabado, mostrar à minha filha e ver ela assistindo a alguém que se parecia com ela. Ver a expressão no rosto dela não tem preço. Pensei, uau. É realmente incrível que possamos espalhar esse tipo de alegria ao redor do mundo.”
  • Segundo Asad Manzoor, diretor de arte da Pixomondo, o visual foi bastante inspirado pela série Discovery. “Quando estávamos estabelecendo o visual e a pegada do curta, muito disso foi dar uma olhada na série, Discovery, e traçar tantos paralelos com ela quanto possível. Por exemplo, a personagem da Burnham, capturar sua aparência”, disse. De acordo com Osunsanmi, as paisagens e os personagens da lenda foram muito inspirados por imagens e fotografias de todas as partes da África.
  • A jovem Michael tem um tardígrado de pelúcia, bem parecido com o visto no outro curto animado, “Ephraim and Dot”, e naturalmente inspirado no tardígrado visto na primeira temporada de Discovery.
  • Kenric Green faz a voz do pai de Michael. Marido de Sonequa Martin-Green, ele já havia interpretado Mike em live-action para o episódio “Perpetual Infinity”, da segunda temporada de Discovery.

Ficha técnica

Escrito por Brandon Schultz
Dirigido por Olatunde Osunsanmi
Exibido em 12/12/2019
Produção: 204

Elenco

Kenric Green como Mike Burnham
Kyrie McAlpin como jovem Michael Burnham

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