Despedidas emocionantes e final inusitado marcam o último episódio da primeira temporada
Sinopse
Narek entra no Artefato às escondidas, enquanto Sete e Elnor conversam e xBs e pequenos drones realizam reparos. Ele encontra Narissa, que permaneceu no cubo após escapar da emboscada dos xBs. Ela o leva até seu esconderijo.
Na estação Coppelius, Picard segue preso nos antigos aposentos de Bruce Maddox. Agnes observa Soji entrar nos aposentos através da identificação de retina. Soji conversa com Picard e ele lhe suplica para que não se torne o monstro temido pelos romulanos e interrompa a construção do farol que irá chamar a aliança dos sintéticos, pois eles podem ser a salvação dos sintéticos, mas representam a aniquilação de todos os orgânicos. Enquanto isso, a construção da torre do farol continua.
Narek prepara granadas para utilizar contra as orquídeas e diz a Narissa que vai voltar ao ninho dos sintéticos, enquanto ela deve reativar as armas do cubo. Antes que Narissa possa protestar, Narek diz que foi ele, “a desgraça da família”, “o fracasso do Zhat Vash” quem encontrou Soji, a Seb-Cheneb. Narek sai e é seguido por Elnor.
Na La Sirena, ainda caída no deserto, Rios e Raffi tentam entender como funciona a ferramenta que Saga deu a Raffi antes de morrer. Ela lembra que Saga lhe disse para usar a imaginação. Rios então imagina que o reator intermix fundido está se consertando. A ferramenta emite raios azuis que reparam o dano, e a energia da nave retorna. Ambos ouvem um barulho vindo de fora na nave.
Na Estação Coppelius, a construção do farol continua. Soong mostra a Agnes uma máquina que contém todo o trabalho de Maddox sobre a transferência de uma mente orgânica para um corpo artificial.
Rios e Raffi vão até a ponte da La Sirena e veem que o barulho é Narek atirando pedras contra a nave. Raffi abre um canal de comunicação e Rios o ameaça com um torpedo fotônico, mas Narek diz que, se quisesse atacá-los, usaria as suas granadas que está carregando, e não pedras. Eles podem continuar brigando ou unir forças para deter o que os ameaça.
Dentro na nave, Raffi, Rios e Narek estão sentados em torno de uma mesa. Raffi tenta contato com Picard pelo comunicador, sem resposta. Narek informa que os sintéticos estão construindo um transmissor para chamar alguém. Diz que os romulanos acreditam que os sintéticos estão destinados a destruir toda a vida orgânica, evento conhecido como “Ganmadan”. A estação Coppelius bloqueou as comunicações para evitar que alguém interfira na construção do transmissor. De repente, surge Elnor, que encosta sua espada na garganta de Narek. Rios convence Elnor de que talvez precisem da ajuda de Narek, já que têm um inimigo em comum.
Em seu laboratório, Soong está tentando transferir as memórias do corpo de Saga para um módulo V, como lembrança a Arcana, mas o dano causado nos processadores ópticos corromperam o fluxo de dados. Agnes entra e diz que está trabalhando no laço neural do golem, mas alguns dos arquivos estão criptografados. Ele se prontifica a tentar abri-los. Assim que Soong sai da sala, Agnes arranca algum componente do corpo de Saga.
Rios, Raffi, Elnor e Narek conversam em volta de uma fogueira do lado de fora da La Sirena. Narek explica o que é o Ganmadan: o fim dos tempos, como o Ragnarok ou o Juízo Final, antigos mitos terráqueos. É um mito antigo, talvez anterior à chegada de seus ancestrais a Vulcano. Ele explica que o Ganmadan envolve duas irmãs gêmeas, khalagu, ou “demônios”, que irão abrir caminho para soltar os ch’khalagu, ou “demônios muito maus”. Uma irmã é Seb-Natan, a profetisa. A outra é Seb-Cheneb, a destruidora, que carrega um chifre de Ganmadan, a grande besta infernal. Quando ela soprar o chifre, libertará todos os ch’khalagu que aguardam desde o início dos tempos. O céu irá se abrir, e por essa abertura virão os vorazes ch’khalagu. Então haverá mil dias de dor, as ruas ficarão cheias de entranhas de cadáveres semidevorados, e mundos arderão. Quando Raffi pergunta se Narek realmente acredita que isso seja uma profecia, ele diz que acredita ser história, e que a história se repete.
Enquanto isso, a frota romulana está a caminho, a Oh diz: “finalmente nosso grande trabalho está quase no fim”.
Narek mostra à tripulação da La Sirena as granadas de solvente molecular, originalmente destinadas a destruir as orquídeas, mas que agora ele pretende usar no farol que os sintéticos estão construindo. Eles executam o plano de entrar na vila dos sintéticos pela porta da frente, com a tripulação levando Narek até lá como prisioneiro. Rios esconde as granadas dentro de sua bola de futebol.
Dentro da estação, Agnes Jurati usa o olho sintético que arrancou de Saga para passar pela identificação de retina e entrar nos aposentos onde Picard é mantido preso. Ela o liberta e o leva à La Sirena. O farol dos sintéticos está quase pronto.
No laboratório no golem, Soong vê que o corpo sintético está pronto para receber os engramas neurais. Ao mesmo tempo, a transferência das memórias de Saga também se completa, e a última memória é o momento de sua morte: Soong vê que, com a ajuda de Narek, é Sutra quem fura o olho de Saga. Soong fica horrorizado.
Narek, Raffi e Rios se aproximam da torre do farol. Soong aparece e se oferece para ajudar.
Na La Sirena, Agnes informa que os romulanos estão a sete minutos do planeta. Mesmo se o comando da Frota Estelar tenha recebido a mensagem de Picard, vão chegar depois dos romulanos. Picard quer ganhar tempo até a chegada da Frota, mas Agnes observa que, mesmo que a Federação chegue, não há como deter os sintéticos, pois eles estão gerações à frente. Picard diz que os sintéticos são como crianças, e ele pretende ensiná-las, pelo exemplo, que viver é um direito, mas também uma responsabilidade. Então ele se senta na cadeira do capitão, opera os controles holográficos e consegue decolar com a nave.
Na estação, na base do transmissor, Sutra diz aos sintéticos que um portal se abrirá assim que emitirem o sinal. Soong se aproxima dela, devolve o broche de beija-flor que ele usou para matar Saga e, com um pequeno controle remoto, a desativa, dizendo: “No fim das contas, vocês não são melhores que nós.” Com um sinal de Raffi, Narek e Elnor entram em ação, lutando contra os guardas sintéticos, enquanto Rios aguarda Soji sair de perto do transmissor para jogar a granada.
Enquanto Picard se concentra para pilotar a La Sirena, Agnes pergunta como vão fazer para deter 218 aves de rapina romulanas.
Soji continua a trabalhar no transmissor, enquanto Narek, detido por dois guardas, suplica para que ela pare. Rios joga a granada, mas Soji a pega com a mão e a joga para o céu, onde explode.
No Artefato, Narissa reativa as armas e tenta localizar a La Sirena, quando Sete chega com um feiser e a desarma. Narissa consegue desarmar Sete e as duas começam uma luta corpo a corpo. Sete vence a luta e atira Narissa no fosso do cubo borg.
Em órbita, a La Sirena vê a chegada da Frota romulana. A general Oh é informada de que os sintéticos estão concentrados em um povoado. Oh ordena que o planeta inteiro seja esterilizado. As orquídeas sobem para enfrentar as naves romulanas, mas, após uma batalha, são destruídas. Agnes sugere que o almirante use a Manobra Picard, que ele utilizou há muitos anos, na Stargazer, fazendo parecer que a nave estava em dois lugares ao mesmo tempo. Porém, ele diz que essa manobra seria inútil contra tantas naves inimigas. Seria preciso multiplicar as imagens do sensor e dispersá-las. Agnes então usa a ferramenta que Saga deu a Raffi – um replicador de campo fundamental com interface neuroatômica – para criar múltiplas projeções de seu rosto.
Soji continua a trabalhar no transmissor, vê a La Sirena no monitor e abre um canal de comunicação com Picard. Ele suplica que ele desative o farol e diz que vai dar uma coisa a ela e ao seu povo: sua própria vida. Soji parece abalada.
Oh ordena que todas as naves mirem no “ninho das abominações”. Agnes ativa centenas de projeções da La Sirena, e Oh ordena que abram fogo contra todas essas naves. Porém, um dos disparos acerta a La Sirena, que gira antes de se estabilizar. A frota holográfica da La Sirena desaparece. Agnes percebe que há algo de errado com Picard. Soji ativa o farol, abrindo um portal circular no céu. Oh ordena novamente que esterilizem o planeta.
Neste momento, a frota de naves da Federação sai de dobra e aparece. O capitão Will Riker, na nave USS Zheng He, informa Oh que, segundo o Tratado de Algeron, Coppelius está sob proteção da Federação. Quando Oh protesta, alegando que os romulanos chegaram primeiro, Riker lhe mostra a transmissão que Picard tinha feito antes e que chegara até a Frota Estelar. Riker ameaça Oh com sua poderosa frota. Oh não se impressiona e ordena que as armas sejam direcionadas para a armada da Frota Estelar. Riker dá a ordem para preparar armas e escudos.
Na La Sirena, Picard sente uma dor súbita na cabeça. Ele pede a Agnes que ela lhe aplique 20 ml de polissinefrina. Ela protesta, mas ele diz que isso só irá apressar o inevitável, e ele precisa falar com Soji num canal aberto. Agnes injeta o medicamento e Picard, mais uma vez, suplica a Soji que desligue o farol e mostre aos romulanos que eles estão errados, que ela não é a Destruidora. Se a Federação quisesse destruir os sintéticos, teria se unido aos romulanos. Mas a Federação quer salvar os sintéticos para eles o salvem também. Tudo o que Picard fez foi para que eles salvassem uns aos outros. Oh escuta toda a conversa. Quando enormes tentáculos mecânicos começam a sair pelo portal no céu, Soji esmurra os controles do transmissor, destruindo o farol e fechando o portal. Agora tendo de enfrentar a Frota Estelar, Oh baixa as armas e bate em retirada.
Will Riker conversa rapidamente com Picard e parte com a Frota para escoltar a armada romulana para fora do espaço da Federação, deixando Picard para resolver a situação. Porém, assim que Riker se vai, Picard volta a sentir dores na cabeça, levanta-se da cadeira, mas cai logo em seguida. Ele vê flashes de seus sonhos com Data: “Não quero que o jogo termine…”. Agnes tenta socorrê-lo, mas sabe que não há mais nada a fazer. Soji teletransporta os dois para Coppelius. Picard, ainda caído no chão, se despede de Raffi, Elnor, Soji, Rios, Agnes. Em poucos segundos, está morto. Há choro e tristeza em todos à sua volta.
Ao pôr do sol, Rios e Sete de Nove bebem e conversam com tristeza sobre a morte de Picard. Rios lamenta ter de, mais uma vez, ver um capitão morrer na sua frente, sem poder fazer nada. Sete lamenta ter, mais uma vez, matado uma pessoa por achar que ela não merecia viver. Uma borboleta sintética passa por ali e voa até perto de Raffi, que chora e consola Elnor em seu choro convulso.
A borboleta sintética voa e sua imagem se funde com o rosto de Picard, que acorda num lugar parecido com seu escritório no Château Picard. Ele pensa ser mais um sonho, mas Data aparece, dizendo que eles estão numa complexa simulação quântica. Data confirma que Picard está morto e diz que ele próprio não se lembra de sua morte, mas sabe que cessou sua existência para salvar Picard. Sua consciência existe numa reconstrução quântica extremamente complexa feita a partir de uma cópia das memórias que baixou em B-4 pouco antes de morrer. Seus engramas de memórias foram extraídos de um só neurônio salvo por Bruce Maddox, e depois a sua consciência foi reconstituída por seu irmão Altan Soong.
Picard fica feliz por ter a oportunidade de ver Data de novo e dizer o quanto ele lamentava o fato de Data ter morrido por ele. Mas Data diz que não se arrepende, assim como Picard não se arrepende de ter se sacrificado por Soji e seu povo. Picard também diz lamentar nunca ter dito a Data que o amava, mas Data já sabia disso. Data explica que Picard terá de sair dali, pois, antes de sua morte cerebral, Soong e Agnes, com a ajuda de Soji, conseguiram esquadrinhar, mapear e transferir uma imagem neural completa de seus substratos cerebrais. Uma porta se abre atrás de Picard, deixando uma intensa luz branca entrar. Ele deve sair por aquela porta. Mas, antes, Data lhe pede um favor: que sua consciência seja desligada – ou seja, Data quer morrer. Ele quer viver, mesmo que brevemente, sabendo que sua vida é finita. “A mortalidade dá sentido à vida humana”, ele diz, e solta uma borboleta: “Uma borboleta que vive para sempre não é realmente uma borboleta.” Data e Picard se despedem, e Picard sai pela porta.
Picard, agora com sua consciência dentro do golem, acorda no laboratório de Soong vendo os rostos de Soji, Agnes e Soong. Picard ergue as mãos e pergunta se ele é real Soji diz que sim. Mais tarde, à mesa, ele toma chá e pergunta sobre seu novo corpo. Agnes explica que o corpo não tem nenhum melhoramento ou superpoderes. Soong diz que fizeram um corpo igual ao que ele tinha, pois sabiam que devia estar acostumado com ele, após 94 anos. Mas o corpo é novo e tudo funciona. Soji acrescenta que a anormalidade cerebral que o matou desapareceu para sempre. Picard pergunta se eles o fizeram imortal, mas Jurati explica que ele viverá os anos que viveria sem a doença. Picard brinca que não se importaria em ter dez ou vinte anos a mais de vida, agradece a Soong, que lhe cedeu o corpo, e diz que agora precisa cumprir uma promessa.
Dentro da simulação, Data bebe uma taça de vinho, ouvindo “Blue Skies” numa vitrola. No laboratório, Picard diz algumas palavras sobre Data, como num funeral. “Ele queria, mais do que tudo, fazer parte da família humana”. Enquanto diz as palavras, desliga a simulação. Data “morre” tranquilamente, ao lado do seu capitão Picard, enquanto a simulação desaparece.
Na La Sirena, Picard diz à sua tripulação – que agora conta com Sete e Soji – que está na hora de partir. Soji diz que prefere uma vida errante, e agora, com o fim da proibição dos sintéticos, ela pode viajar. Picard diz que ele também. Rios pergunta se o almirante está pronto e Picard dá a ordem para a partida da nave: “Engage!”
Comentários
O showrunner de Picard e roteirista Michael Chabon e o produtor executivo Akiva Goldsman, que dirigiu os dois segmentos finais da temporada, decidiram alinhavar a história deste episódio usando as pontas soltas deixadas por Nêmesis (2002), último filme com o elenco de A Nova Geração. No filme, Data se sacrifica para salvar Picard e a tripulação, mas o capitão e o androide não têm a chance de se despedirem. Isto é corrigido pela bela cena entre Picard e Data neste final de temporada, que certamente entrará para o rol das mais memoráveis de Star Trek. E isto inclui, claro, a sequência que vem logo depois, quando Data “morre” ao som de “Blue Skies” – numa versão gravada especialmente para o episódio por Isa Briones (Soji), acompanhada pela orquestra regida por Jeff Russo. A cena da despedida foi tão emocionante que Patrick Stewart teve de refazê-la algumas vezes – emocionado, não conseguia dizer as palavras.
A morte de Data acabou sendo mais emocional do que a do próprio Picard, pois ele “ressuscita” em seguida, com sua consciência transferida para o golem. Paradoxalmente, os produtores decidiram trapacear a morte de Picard, contrariando o discurso de Data, em que ele diz que é a mortalidade que dá sentido à vida humana. O tema central da primeira temporada – a dor existencial pela consciência da morte e como ela nos define como humanos – é, curiosamente, concretizado na morte de um androide que queria experimentar, ainda que brevemente, a finitude da vida, enquanto o humano e protagonista da série, Picard, que personificou o tema com sua doença terminal, morre, mas revive num corpo sintético. Além disso, não vimos um funeral para o corpo biológico de Picard, mas houve um “funeral” após a morte de Data. A cerimônia de desligamento da consciência de Data, aliás, foi uma clara homenagem à cena do filme 2001: Uma Odisseia no Espaço em que o astronauta Dave desliga Hal, o computador na nave, desconectando barras translúcidas.
O que não se pode negar é que Chabon é fiel ao personagem Data quando mostra sua vontade de morrer para ter a extrema experiência humana. No episódio “Time’s Arrow”, quando conversa com Geordi LaForge no bar panorâmico, o androide expressa certa satisfação ao saber que um dia deixará de existir, pois essa certeza o deixa mais próximo de ser humano. Brent Spiner, que interpreta Data, já declarou que esse foi realmente o fim do personagem, pois ele não tornará a interpretá-lo. Nada impede, porém, que o ator retorne como Altan Soong na segunda temporada de Picard.
É claro que já tivemos transferência de consciência para corpos sintéticos em Star Trek antes, mas em praticamente todos os casos o procedimento foi considerado sob um prisma negativo – e nunca ocorreu com o protagonista de uma série da franquia. Para ficarmos somente num exemplo humano (houve casos envolvendo alienígenas, como em “Return to Tomorrow”), em “What Are Little Girls Made Of?”, da Série Clássica, o Dr. Roger Korby, ex-noivo da enfermeira Chapel, transferiu a própria consciência para um corpo androide e fez uma cópia sintética do capitão Kirk para demonstrar seu plano absurdo: transformar todos os cidadãos da Federação em seres sintéticos! Korby tinha descoberto a tecnologia deixada por uma civilização muito antiga que tinha sido destruída pelos próprios androides criados por eles. Embora Korby alegasse ser o mesmo de antes, seu desprezo pela vida humana logo provou que isso não era verdade.
Assim, resta aguardar a segunda temporada de Picard para verificar qual será a abordagem desse tema polêmico, que remete à controversa proposta do movimento trans-humanista (que muitos consideram uma perigosa seita pós-moderna) de “upload mental” numa máquina como meio de alcançar a imortalidade. Este é um dos três pilares desse movimento que pretende “melhorar” os seres humanos física e mentalmente, e que inclui também o desenvolvimento da inteligência artificial e manipulações genéticas.
Ainda que tenham revivido Picard num novo corpo, as cenas de tristeza e luto dos demais personagens foram realmente emocionantes e bem realizadas. A borboleta sintética que passa por Rios e Sete e depois voa até Raffi e Elnor pode ser a metáfora da consciência de Picard sendo transferida para o golem (o “golem”, na tradição mística judaica, é um ser artificial que pode ser trazido à vida através de um processo divino).
As cenas mais carregadas de emoção foram deixadas para a segunda parte, a partir da morte de Picard, mas antes disso o episódio teve uma boa dose de ação e efeitos especiais. Harry Treadaway teve um de seus melhores momentos como Narek, tanto nas cenas de ação quanto na sua iniciativa de se aliar a Rios e à tripulação contra os sintéticos, e especialmente quando conta a história do Ganmadan, o Juízo Final romulano, em torno de uma fogueira (onde todos os mitos humanos devem ter sido contados, de geração em geração, através dos tempos). Narek, apesar de ser um personagem controverso, teve inegável importância na trama como o romulano que descobriu a “Destruidora” (Soji), bem como a localização do planeta Coppelius, permitindo que a frota romulana partisse para lá. Causa estranheza, assim, não terem mostrado em tela o destino do personagem. Chabon, em sua costumeira interação com os fãs no Instagram, disse que Narek está sob custódia da Federação. A cena teria sido filmada, mas cortada na edição.
Outra falta sentida foi o destino dos xBs, que tiveram destaque no projeto de recuperação dos ex-borgs, liderado por Hugh. De novo, Chabon remenda o que deveria estar em tela, dizendo no Instagram que os xBs foram viver com os sintéticos na Estação Coppelius, sob a supervisão de Soong (sabe-se lá o que Soong, o cientista louco, como ele próprio se definiu, poderá fazer com eles!). O Artefato, um ex-cubo borg desativado sob domínio romulano, depois momentaneamente ativado por Sete como rainha borg e, finalmente, derrubado na superfície de Coppelius foi uma das ideias mais originais de Picard, dando um tratamento totalmente novo aos antigos vilões de Star Trek. Mais um motivo para lamentar a ausência de um desfecho em tela para os xBs.
Além da transferência da consciência de Picard para o golem, num processo quase tão fictício e divino quanto o do ser místico judaico, outro item com poderes quase mágicos foi introduzido em “Et in Arcadia Ego”, Part 2″: a ferramenta multiuso dos sintéticos que funciona à base do poder da imaginação (lembremos, porém, o que reza a terceira lei de Clarke: qualquer tecnologia suficientemente avançada é indistinguível da magia).
Seu uso trouxe momentos engraçados – como na cena em que Rios a utiliza pela primeira vez e, vendo os resultados, solta um reconhecível “caramba!” – e visualmente interessantes, como a multiplicação dos rostos de Agnes e, em seguida, a criação da frota holográfica da La Sirena. O truque é uma versão 2.0 da famosa Manobra Picard – que consiste em enganar os sensores do inimigo numa batalha, fazendo-os detectar a mesma nave em dois lugares ao mesmo tempo. Essa manobra foi mencionada no episódio “The Battle”, de A Nova Geração, em que Picard a usou contra os ferengis na batalha de Maxia, quando comandava a Stargazer.
E por falar em frota holográfica, o momento tão aguardado do aparecimento da Frota Estelar para salvar o dia veio com um sentimento de decepção, pois a frota parecia um “copia e cola” da mesma nave (assim como a armada romulana). Esse deslize dos efeitos visuais, no entanto, não chegou a atrapalhar a emoção de ver surgirem aquelas naves sob comando de William Riker, ao som dos conhecidos acordes do tema clássico de Star Trek. Em “Nepenthe”, Riker disse que estava na reserva ativa e só voltaria ao espaço por um bom motivo. Atender ao pedido de socorro de Picard certamente se encaixa nessa classificação. O confronto entre Riker e Oh e a retirada das naves romulanas lembraram o embate entre o capitão Picard e o comandante romulano Tomalak, ao final do episódio “The Defector” de A Nova Geração. Mostrar mais dos romulanos, inclusive dando-lhes uma língua criada por um linguista (a exemplo do que foi feito com klingons e vulcanos), foi um dos pontos altos desta temporada.
A cena também ficará marcada como o último diálogo entre o Picard que conhecemos e Riker – últimas palavras trocadas entre esses dois queridos personagens. “Adieu” (Adeus), diz Picard a Riker quando ele parte, sabendo que nunca mais o veria. Mais uma despedida emocionante do episódio.
“Et in Arcadia Ego – Part 2” foi um bom season finale, concluindo a trama com uma mensagem de paz e diálogo, na melhor tradição de Star Trek, trazendo um equilíbrio acertado entre ação e emoção – e dando um passo ousado quando, ao final, decidiu apresentar um novo Picard num corpo sintético. Talvez não seja o caminho que os fãs ansiavam ver no universo inexplorado do final do século 24, deixando as tradicionais discussões humanistas para enveredar por discussões trans-humanistas (ou pós-humanas). Mas, se existe um campo ideal para discutir tais ideias, é na ficção científica. “Ele não tem ideia de onde está”, disse Patrick Stewart sobre Picard, no podcast Deadline, “porque ele não tem ideia do que o futuro lhe reserva”. A audiência está na mesma situação. Aguardemos, pois, o que nos reserva a tripulação da La Sirena após o primeiro “Engage!” do Picard sintético.
Avaliação
Citações
“You want to die?”
“Not exactly, sir. I want to live, however briefly, knowing that my life is finite. Mortality gives meaning to human life, captain. Peace, love, friendship, these are precious because we know they cannot endure. A butterfly that lives forever is really not a butterfly at all.”
(Você quer morrer?)
(Não exatamente, senhor. Quero viver, mesmo que brevemente, sabendo que minha vida é finita. A mortalidade dá sentido à vida humana, capitão. Paz, amor, amizade são preciosos porque sabemos que não podem durar. Uma borboleta que vive para sempre não é realmente uma borboleta.)
Picard e Data
“Tell me about this body, this golem.”
“Well, it has no augmentations, no superpowers.”
“You-you haven’t made me immortal?”
“We designed a cellular hemeostasis algorithm that should give you more or less the same number of years you would have expected without the brain condition.”
(Contem-me sobre este corpo, este golem.)
(Ele não tem melhorias, nenhum superpoder.)
(Vocês… Não me tornaram imortal?)
(Criamos um algoritmo de homeostase celular que lhe dará mais ou menos o mesmo número de anos que teria sem o problema cerebral.)
Picard e Agnes
Trivia
- Patrick Stewart não sabia que Picard iria morrer até meados da primeira temporada.
- Stewart comprou a cadeira em que se sentou na cena de despedida de Data. A peça está agora em sua casa de 200 anos em Oxfordshire, na Inglaterra.
- Para que o ator Brent Spiner se parecesse com o Data de Nêmesis, foram usados, além da maquiagem, efeitos visuais (VFX).
- A música “Blue Skies”, que Data ouve quando está morrendo, é uma versão interpretada pela atriz Isa Briones (Dahj/Soji/Sutra). É a mesma música do sonho de Picard com Data, no primeiro episódio, “Remembrance”, e também a que Data canta em Nêmesis, no casamento de Riker e Troi, e que B-4 cantarola no fim do filme.
- A nave de Riker, Zheng He, tem esse nome em homenagem a um almirante e explorador chinês do século 15.
- A ponte da Zheng He é a ponte da Discovery remodelada. Jonathan Frakes estava dirigindo um episódio da terceira temporada de Discovery quando gravou a cena, no Pinewood Studios, em Toronto, no Canadá.
- O Tratado de Algeron, citado por Riker, é um tratado entre a Federação e os romulanos, mencionado pela primeira vez no episódio “The Pegasus” de A Nova Geração.
- Seguindo a tradição de Star Trek, especialmente por parte de Jean-Luc Picard em A Nova Geração, William Shakespeare aparece neste episódio. Durante a cerimônia de despedida de Data, Picard diz: “Somos da mesma essência que o sonho, e nossa breve vida culmina com um sono.” São trechos de “A Tempestade”, de Shakespeare. A sugestão de incluir esses versos foi do próprio Patrick Stewart, que já atuou nessa peça tanto em Londres quanto na Broadway, em Nova York.
Ficha Técnica
Escrito por Michael Chabon & Akiva Goldsman
Roteiro de Michael Chabon
Dirigido por Akiva Goldsman
Exibido em 26 de março de 2020
Título em português: “Et in Arcadia Ego, Parte 2”
Elenco
Patrick Stewart como Jean-Luc Picard
Alison Pill como Dra. Agnes Jurati
Isa Briones como Soji Asha/Sutra
Evan Evagora como Elnor
Michelle Hurd como Raffi Musiker
Santiago Cabrera como Cristobal “Chris” Rios
Harry Treadaway como Narek
Elenco convidado
Jonathan Frakes como William T. Riker
Jeri Ryan como Sete de Nove
Brent Spiner como Dr. Altan Inigo Soong e Data
Peyton List como Narissa
Tamlyn Tomita como comodoro Oh
Kay Bess como computador da La Sirena
Brian DeRozan como oficial romulano
Matt Perfetuo como Rune
Mike Perfetuo como Codex
Jade Ramsey como Arcana
Nikita Ramsey como Saga