PIC 1×09: Et in Arcadia Ego, Parte 1

A tripulação chega ao planeta de Soji, mas ela se une aos sintéticos que querem exterminar todos os orgânicos

Sinopse

A La Sirena faz uma travessia turbulenta pelo conduíte de transdobra e finalmente emerge em órbita do quarto planeta do sistema Ghulion. Raffi não detecta nenhum tipo de nave no local. Agnes chega à ponte e pergunta se ainda será presa na Estação Espacial 12, mas Rios diz que houve uma mudança de planos. Picard informa que acabaram de viajar 25 anos-luz em apenas 15 minutos. Vendo o planeta com duas luas vermelhas, Soji o identifica como Coppelius.

Soa o alerta vermelho: a nave romulana cabeça de cobra os seguiu pelo conduíte e começa a atacá-los. A La Sirena se defende, aparentemente incapacitando a outra nave. Raffi capta um fraco sinal de vida, e Picard ordena que o tragam para a enfermaria. Porém, de repente a nave surge atrás deles: era um truque. A nave romulana tinha utilizado seu dispositivo de camuflagem como um projetor holográfico para enganá-los.

Enquanto Rios tenta se livrar dos disruptores da nave romulana, ele nota uma chegada inesperada: o Artefato, regenerado e com suas armas de volta. Raffi detecta cinco orquídeas gigantes se aproximando. Elas envelopam a La Sirena, a cabeça de cobra e o cubo borg. A La Sirena fica totalmente sem energia. Em seguida, as orquídeas atravessam a atmosfera do planeta, levando as três naves. Picard, de olhos fechados, diz: “Obrigado por terem vindo. Todos vocês”. A tripulação corre para acudi-lo.

Na enfermaria, Picard recobra a consciência. Jurati explica que Rios abriu as venezianas para deixar a luz natural entrar. Como não há energia, ela diz que utilizou um tricorder antigo para examinar Picard e detectou algo errado com ele. Embora Agnes fique em silêncio, Picard sabe que ela diagnosticou sua doença fatal.

Picard reúne a tripulação e anuncia que vai entregar Soji para seu povo e alertá-los sobre o ataque iminente dos romulanos. Ele também revela que tem uma anormalidade no cérebro há anos, e que, pouco antes de deixarem a Terra, soube que a doença estava em estágio terminal. Diz que não vai mais tocar nesse assunto e ficará irritado se o tratarem como um moribundo. Então pergunta sobre a situação. Rios diz que a estrutura da nave está intacta, mesmo após a queda, mas a orquídea os deixou sem energia. Raffi informa que o planeta é classe M e que, antes da “flor gigante” desligar a energia da nave, ela detectou um povoado. Soji o identifica como a Estação Coppelius, a uns cinco ou seis quilômetros dali, e ela diz que é o lugar onde foi criada, mas acredita que Maddox a levou embora dali – junto com Dahj – logo depois. Não tem certeza absoluta, pois suas lembranças são confusas. Agnes pergunta se os sintéticos os odeiam, mas Dahj acredita que não. Rios tem suas dúvidas, pois a orquídea derrubou a nave sem perguntar o nome dele antes. Picard pergunta a Raffi quando os romulanos vão chegar, e ela calcula que em um ou dois dias, mas não sabe quantas naves virão. Picard sugere que eles deem uma caminhada fora da nave.

Raffi entrega um feiser a Soji, caso encontrem algum reptloide agressivo, um fungo homicida ou um romulano babaca, ex-namorado de alguém. Saindo da La Sirena, eles avistam fumaça ao longe e acreditam ser o Artefato. Picard sabe que eles não têm muito tempo, mas quer verificar se Hugh e Elnor sobreviveram. A tripulação caminha, então, rumo à fumaça.

Eles entram nos destroços do cubo e veem xBs sobreviventes. Um deles identifica Picard como Locutus. Elnor surge e abraça Picard, feliz por ele estar vivo. Sete de Nove aparece e pergunta se eles vieram ajudar a arrumar a bagunça. Conversando com Picard, ela diz que, enquanto foi rainha borg, viu a La Sirena no conduíte com a cabeça de cobra em perseguição. Então, ela abriu outro conduíte para vir ajudá-los. Picard lamenta a morte de Hugh. Ele vê xBs consertando sintetizadores e diz que precisa de sensores de longo alcance. Os sensores são ativados, e Raffi e Rios veem o tamanho da frota romulana: 218 aves de rapina. Enquanto isso, Soji vê as fotografias em seu antigo quarto destruído.

Elnor está abalado com a notícia de que Picard está morrendo e diz que ele precisa de proteção agora mais do que nunca. Mas Picard pede que ele fique no cubo para proteger os xBs e ajudar Sete a reativar as defesas do cubo. Picard se despede de Sete e Elnor e sai do cubo para se encontrar com a tripulação e seguir para a Estação Coppelius.

A tripulação da La Sirena chega à Estação Copellius e caminha entre os sintéticos, vários deles gêmeos. Uma delas, de olhos amarelos como os de Data, reconhece Soji e lhe á as boas-vindas. Soji sabe que o nome dela é Arcana. Arcana reconhece Picard como o capitão de Data. Arcana pergunta a Soji se ela cumpriu sua missão, e a expressão de Soji prenuncia más notícias: uma frota romulana está a caminho para aniquilar a todos. Picard pergunta quantas orquídeas eles possuem, e Arcana diz que tinham 15, mas agora só têm dez. Um homem muito parecido com Data aparece e se apresenta a Picard: Altan Inigo Soong, “cientista louco”, filho do criador de Data, Noonian Soong. Ele se diz orgânico, como Picard.

Soji relata sua história a Altan Soong e aos outros, culpando-se por ter revelado aos romulanos a localização do planeta. Soong diz que ela não poderia ter mantido um segredo que nem ela nem imaginava conhecer. Ele observa que a proibição dos sintéticos revelou um lado enganoso, até mesmo trapaceiro, de Maddox. Diz que foi contra o plano de Maddox, pois havia o risco de eles atraírem atenção indesejada. Picard é abordado por uma androide quase idêntica a Soji que o leva para junto do grupo de Soong. Rios pensa que ela é Jana, a sintética morta na ibn Majid, mas Altan Soong a identifica como Sutra, irmã de Jana. Sutra diz a Soji que ela e Maddox podem ter salvado a todos ali, pois trouxe informações importantes. Sutra pergunta a Agnes sobre a Advertência, e Agnes diz que a viu indiretamente. Sutra acredita que os romulanos têm enlouquecido há séculos sem necessidade, pois talvez a Advertência não tenha sido deixada para mentes orgânicas, e sim sintéticas.

Ela faz elo mental com Agnes. No elo, ela vê a evolução da vida orgânica e seu desejo pela perfeição. Nesse desejo, criam os sintéticos. Mas as vidas orgânicas veem os sintéticos como uma ameaça, pois não envelhecem nem adoecem, e procuram destruir a sua criação e, assim fazendo, destroem a si mesmos. Em algum lugar além do tempo e do espaço, uma aliança de vida sintética aguardava um sinal, e sua evolução será a extinção deles.

Agnes conversa com Soong em seu laboratório. Ele diz que Maddox, com quem trabalhava, sempre mencionava Agnes. Soong repreende Agnes por ter matado Maddox e oferece a ela uma chance de redenção: ela pode ajudar a criar uma vida. Soong construiu um “golem”, mas diz que ele apenas constrói corpos; Maddox era o especialista no trabalho de transferência de mentes. Porém, ele se interessou de novo por esse processo, em virtude de um “senso de urgência”.

Do lado de fora, Soji e Sutra discutem como agir contra a frota romulana. Soji tenta garantir a ela que Rios irá reparar a La Sirena para levá-los dali em segurança, mas Sutra insiste em seu plano, já que os sintéticos nunca estarão seguros, pois os romulanos os consideram “abominações”. Soji se horroriza com o alto custo em vidas e diz que deve haver outra opção. Neste momento, Soji vê, em choque, trazerem Narek ferido.

No laboratório, Agnes está acariciando o gato sintético de Soong, Spot II, quando Rios entra e diz que vai tentar religar a nave. Agnes diz que vai ficar e ajudar Soong a concluir um trabalho inacabado de Maddox. Rios diz a Agnes para ter cuidado, pois não sabe se ela pode confiar neles.

Arcana dá a Raffi uma estranha ferramenta para reparar a nave, dizendo para ela usar a imaginação. Raffi, ainda abalada pela notícia da doença de Picard, dá-lhe um abraço, diz que é grata por tudo e que o ama. De um modo desajeitado, Picard diz que a ama também.

Picard abre um canal seguro de comunicação com o Comando da Frota Estelar, explicando que tem um caso de primeiro contato e solicita prioridade para abrir negociações diplomáticas e proteger o planeta Ghulian IV contra um ataque romulano.

Em sua cela, Narek pede água para sua guarda, Saga. Quando ela vai desativar o campo de força, Soji chega e a impede, alertando-a para não acreditar nele. Narek declara seu amor por Soji e diz que atentou contra a vida dela por medo de que ela o matasse. Ele se arrepende de tê-la submetido ao Zhal Makh, pois isso abalou a mente dela. Soji o rejeita e diz que tem pena dele, uma coisa triste e pervertida. Ele diz que também tem pena dela, pois os romulanos irão destruir o planeta e todas as chamadas “vidas” que existem nele, incluindo Soji. Ela responde que eles não farão isso e vai embora. Arcana diz a Narek que vai mandar trazer água e comida para ele, e tratar seus ferimentos.

Picard continua tentando contato com a Frota Estelar, sem sucesso. Soji entra e reconhece aquele como o aposento de Maddox. Ela admite que não entendia por que Agnes tinha matado Maddox, mas agora ela entende a “lógica do sacrifício”. Picard não gosta da frase. Ela pergunta se ele não crê haver lógica ou cálculo da vida e na morte, e ele diz que depende da pessoa que está segurando a faca. Soji diz que Agnes pensava estar fazendo a coisa certa quando matou Maddox, mas agora está horrorizada com o que fez. Picard rebate: ela pensava estar fazendo a coisa certa ou apenas acreditou que não tinha escolha? Soji conclui que não deve haver lógica nenhuma nisso, apenas medo, o oposto da lógica. Mas, e se matar for a única maneira de sobreviver? Picard percebe que Soji está falando de outro assunto.

Enquanto isso, Narek fica surpreso quando Sutra rende Saga como guarda, desativa o campo de força e entra na cela. Ela diz que tem vontade de matá-lo, mas precisa dos préstimos dele antes. Ela pergunta se ele gostaria de fugir.

Picard e Soji ouvem um grito e Soji se apressa para saber o que houve. Encontra Saga com um olho furado no colo de Soong. Soji conclui que foi Narek e diz que deveria tê-lo matado. Narek está fugindo em direção ao Artefato.

Sutra discursa para o povo, alertando que a chegada dos orgânicos custou a vida de mais uma irmã, e que em um dia os romulanos irão chegar. É o tempo que eles têm. Quando Picard pergunta tempo para quê, ela diz que viu a Advertência na mente de Agnes. Para ela e para os romulanos, era um aviso, mas para os sintéticos, era uma promessa. Uma raça mais avançada de sintéticos aguarda um sinal, e as frequências subespaciais para chamá-los estavam codificadas na Advertência. Sutra e Altan criaram um sinal para chamá-los antes da chegada da frota romulana. Essa nova federação une vidas sintéticas numa aliança poderosa em várias galáxias. Seu propósito é procurar novas vidas sintéticas e removê-las da opressão dos orgânicos, eliminando a ameaça de extermínio representada por toda vida orgânica. Picard logo percebe o que isto significa: o extermínio de toda vida orgânica. Sutra diz que a Federação Unida de Planetas não é muito diferente dos romulanos. Banir os sintéticos foi apenas outro modo de exterminá-los de antemão.

Picard diz a Soji que ela vai cumprir a profecia, tornando-se a Destruidora, afinal. Picard se dirige à comunidade de sintéticos, entende que eles não confiem na Federação após o banimento e após o que houve na ibn Majid, mas ele tem uma nave com espaço para todos. E quando estiverem a salvo, ele irá defendê-los e falará por eles na Federação e exigirá o fim do banimento. Soong diz que a Federação não irá ouvi-lo, assim como não ouviram após os ataques a Marte. Soong manda colocar Picard em prisão domiciliar, pois ele não pode ficar solto, influenciando os sintéticos. Soji concorda com a medida. Sutra quer prender Agnes também, mas Agnes afirma que quer ajudar Soong a realizar seu trabalho e ajudar os sintéticos a sobreviverem. Soong confirma, e diz que Agnes será como uma mãe para eles. Sutra diz que uma mãe morreria pelos filhos e pergunta se Agnes faria isso. Agnes diz que sim. Picard é levado preso.

Em sua ave de rapina, a comodoro Oh recebe a informação de que o planeta Ghulion IV tem defesas mínimas e que chegarão lá em 24 horas.

Comentários

O episódio parece ser dividido em três partes: o teaser, com a entrada em órbita do planeta Coppelius, a batalha espacial e o pouso forçado pelas orquídeas; a reunião da tripulação e a caminhada até o Artefato; e a chegada à Estação Coppelius, a vila dos sintéticos. As duas primeiras partes são ótimas, mas a terceira perde bastante em ritmo e em originalidade, trazendo uma sensação de total déjà vu – embora tenha, também, seus bons momentos.

O teaser foi um dos melhores da temporada, o único sem flashback. Após atravessarem o conduíte de transdobra, entram em órbita do planeta Ghullion IV, que os sintéticos chamam de Coppelius. A imagem do planeta e suas duas luas vermelhas é muito bonita. Em seguida, há a batalha entre a La Sirena e a nave cabeça de cobra de Narek. Então, entra em cena o cubo borg. Quando todos esperavam mais cenas de batalha, eis que surgem cinco belas orquídeas espaciais que engolfam as três naves. A ideia é tão surreal, tão “psicodélica” – e original – que acaba se tornando divertida, e a reação da tripulação igualmente diverte o espectador. As orquídeas jogam as naves na superfície do planeta, e os efeitos visuais das flores gigantes queimando na atmosfera são muito bem feitos.

As orquídeas espaciais parecem menos absurdas quando nos lembramos do comentário de Dahj no primeiro episódio, Remembrance: seu pai era xenobotânico, a casa era cheia de orquídeas e ele batizou uma nova orquídea com o nome dela – Orchidaceae Dahj oncidium. Nos sonhos de Soji, em The Impossible Box, também havia muitas orquídeas na oficina do pai. Essas memórias, implantadas ou não, devem indicar um gosto de Maddox por orquídeas. Compreensível que construíssem um sistema de defesa com a forma dessas flores.

O teaser termina com Picard desacordado e a tripulação, preocupada, acorrendo. A partir daí, a ação da parte introdutória dá lugar à emoção, quando o assunto da doença terminal de Picard vem à tona. A mesma tripulação que se formou graças a ele agora se vê triste e perplexa diante de sua morte iminente. Após seu pedido para que não toquem mais no assunto e não o tratem como moribundo, todos se comportam como tripulantes sob o comando de seu capitão. Pela primeira vez, o grupo sai junto numa missão: verificar se há sobreviventes no Artefato, especialmente seus amigos Elnor e Hugh. Até Soji, cuja primeira reação é de alívio pela possível destruição do cubo, concorda em adiar o encontro com seu povo e se unir ao grupo.

A caminhada de Picard, Raffi, Rios, Agnes e Soji pelo planeta quente e deserto lembrou os bons tempos de A Nova Geração, mas com novo sabor, pois nunca tínhamos visto um cubo borg derrubado antes. É uma imagem inédita. Picard está visivelmente mais ativo e sua voz, mais firme, agora que ele sente que tem uma tripulação engajada na missão (e depois de tudo o que passou em sua jornada desde que abandonou a aposentadoria). No cubo, mais emoção: a alegria e o alívio de Elnor ao rever Picard, e a surpresa de Picard ao rever Sete de Nove. Raffi e Rios ligando um sensor de longo alcance acrescenta mais um ingrediente a essa sensação de trabalho em grupo, típico em Star Trek.

Um dos momentos mais emocionantes é a despedida de Elnor e Picard. O almirante pede que Elnor fique e ajude Sete com os xBs e com a reativação das defesas do cubo. Elnor teme não vê-lo mais, e Picard observa que isso é verdade em todas as despedidas. Sete diz para Picard continuar salvando a galáxia, e ele diz que isso agora é com eles – e sai em direção à luz. As imagens e as palavras desta cena parecem realmente representar um momento de despedida do personagem.

E então se inicia a terceira e última parte, no povoado dos sintéticos. A atmosfera, o visual e a narrativa da segunda metade do episódio lembram muito segmentos passados de Star Trek, mas não como um leve sabor antigo num prato novo – como na primeira metade do episódio –, e sim como comida requentada. É um déjà vu um tanto decepcionante, em vista da qualidade da série até este momento.

Embora, por exemplo, tenha sido gratificante ver Brent Spiner de volta, o personagem Altan Inago Soong é muito semelhante a Arik Soong (também interpretado por Brent Spiner) na trilogia dos aumentados, em Enterprise (“Borderland”, “Cold Station 12” e “The Augments”, da quarta temporada). Sutra como a vilã androide também soa como um eco bastante audível de Lore, o irmão mau de Data (“Datalore”, “Brothers” e “Descent”, de A Nova Geração). Até aqui, Picard vinha utilizando elementos do universo da franquia de um modo original e criativo. No arco de Coppelius, no entanto, o uso parece ter passado do ponto, dando a impressão de material reciclado. O visual da vila sintética também tem aspecto datado, lembrando episódios antigos – e não muito bons – de A Nova Geração (“Justice”, por exemplo) e até da Série Clássica (“The Way to Eden”). Até mesmo a direção e a edição desta parte do episódio parecem burocráticas, sem imaginação – quase teatral, até, no uso exaustivo de diálogos –, contrastando bastante com a ousadia da primeira parte.

Outro ponto negativo, já verificado em outros episódios, é a insistência em contar o que pode ser mostrado. No discurso de Sutra aos sintéticos há muita informação, e pelo menos uma delas poderia ter sido mostrada, não contada. Sutra conta, por exemplo, que ela e Soong criaram um sinal para chamar a federação dos sintéticos, utilizando as frequências codificadas na Advertência. Isto poderia ter sido mostrado em uma cena de poucos segundos. Sem entregar muito, a cena seria um setup para a grande revelação do discurso: a existência de uma suposta aliança sintética que pode chegar a tempo de salvá-los do ataque dos romulanos. Muita informação contada por personagens tende sempre a ser chato e cansativo para o espectador. Drama é dramatização, não narração dos eventos.

Coppelius, no entanto, teve vários aspectos positivos, a começar pela atuação dos atores. Isa Briones está ótima como Sutra, revelando o mesmo talento dos colegas Brent Spiner e Santiago Cabrera em representar papéis diferentes dentro de um mesmo episódio. Sutra é uma vilã sexy muito similar a Narissa, mas talvez isso tenha sido proposital, para mostrar como vilões de duas facções opostas (Zhat Vash e sintéticos) podem ser tão parecidos.

Brent Spiner também se sai muito bem como mais um cientista louco da família Soong. O desejo de Altan de transferir sua mente para o “golem” (o corpo sintético) é uma discussão interessante e polêmica, que remete ao movimento (alguns diriam seita) do transhumanismo, que almeja a imortalidade através da transferência da consciência para um corpo artificial. Para Altan, tornar-se um androide também pode ter razões que vão além do desejo de viver eternamente – talvez tenha a ver com o desejo de se parecer com o “irmão” Data, a quem o pai pode ter dado mais atenção.

Um tema bastante óbvio deste segmento de Picard é o medo – principalmente o medo da morte –, e aparece de modo mais evidente nas sequências dos sintéticos. O título em latim, Et in Arcadia Ego, surgiu como o nome de um quadro do pintor italiano Guercino (1623). Significa “E na Arcádia estou” e é uma alegoria da morte. Posteriormente, a partir do francês Poussin, que também pintou dois quadros com o mesmo título (o mais famoso em 1638), a frase ganhou outra tradução e outra conotação: “Eu, também, vivi na Arcádia”, frase atribuída aos mortos que um dia desfrutaram os prazeres da Arcádia.

A Arcádia era uma província da antiga Grécia, que, com o tempo, virou o nome de um país imaginário e idílico onde reina a felicidade, a simplicidade e a paz. Claramente, Coppelius é a Arcádia do título – mas uma Arcádia onde paira o medo da morte, da aniquilação. Como disse Michael Chabon, coautor deste episódio, “há a intenção de memento mori [expressão em latim que significa “lembre-se de que você é mortal], aplicada onde for apropriada, assim como a noção de que, no fim, qualquer Arcádia (ou utopia) vive sob a sombra universal da mortalidade e nossa consciência dela”. Este parece ser, no final das contas, o tema central da primeira temporada de Picard – num resumo feito por Rios do livro “Do Sentimento Trágico da Vida”: a dor existencial de viver com a consciência da morte e como isso nos define como humanos.

Em “Et in Arcadia Ego”, Soong tem medo de morrer e por isso criou um golem, a fim de transferir sua mente para ele; Narek diz a Soji que tentou matá-la por medo de ser morto por ela; o Zhat Vash está a caminho para destruir os sintéticos por medo de que eles os destruam; e agora, os sintéticos, liderados por Sutra, querem exterminar os orgânicos por medo de que eles os aniquilem no futuro.

Num diálogo revelador entre Picard e Soji, ela diz que não entendia por que Agnes tinha matado Maddox, mas agora conseguia ver a “lógica do sacrifício”: matar um para salvar muitos. Ou talvez toda lógica em matar seja o medo, que é o oposto da lógica. Essa linha de raciocínio preocupa Picard, pois indica que Soji está pronta para embarcar no plano genocida de Sutra. E é o que de fato acontece. O medo acabou transformando as vítimas (os sintéticos) em potenciais vilões.

Essa inesperada inversão de expectativa (numa clara rejeição ao maniqueísmo por parte dos escritores de Picard) foi um dos pontos mais interessantes desta segunda metade do episódio. Mostrou como o oprimido pode rapidamente se comportar de maneira tão reprovável quanto seu opressor. Sentindo-se ameaçados, Sutra e seus seguidores decidem chamar a federação dos sintéticos para exterminar todos os orgânicos, numa reação francamente desproporcional à ameaça sofrida. As duas diferentes interpretações da Advertência – ambas alimentadas pelo medo – são sinais claros de que a mensagem pode ter sido distorcida pelos receptores. Talvez venhamos a descobrir que a verdadeira intenção da Advertência seja algo bem distinto do que foi interpretado tanto pelo Zhat Vash quanto por Sutra.

Como disse Picard no episódio anterior, o medo é o verdadeiro destruidor. Picard é a voz da moderação, a voz do bom senso, da razão, do diálogo, da paz, abafada pelo radicalismo de ambas as partes. São os extremos em luta – Zhat Vash e sintéticos –, calando a voz de um moderado. Não à toa, Picard é o único que parece não ter medo de morrer. Ele está enfrentando a certeza da morte iminente com extrema dignidade. E aqui vai uma menção especial à interpretação de Patrick Stewart, que, como sempre, empresta a Picard a dignidade e a altivez que tornaram esse personagem tão marcante no universo de Star Trek. Qualquer que seja o desfecho no próximo e último episódio da temporada, fica a torcida para que prevaleçam os princípios, os valores e a dignidade de Picard.

Avaliação

Citações

“Anyone who treats me like a dying man will run the risk of pissing me off. Is that clear?”
(Qualquer um que me tratar como um moribundo corre o risco de me deixar puto. Fui claro?)
Picard para a tripulação, sobre a sua doença terminal.

“There’s a difference between killing an attacking enemy and watching a wounded one die.”
(Há uma diferença entre matar um inimigo que ataca e ver um ferido morrer.)
Picard

“Hope and the odds make poor bedfellows.”
(Esperança e probabilidade raramente andam juntas.)
Picard

“But I may never see you again.”
 “Well, that’s true of any tow people Who are saying goodbye.”
(Mas talvez eu nunca mais o veja.)
(Bem, isso é verdade para todos que se despedem.)
Elnor e Picard.

Trivia

  • O título em latim do episódio, Et in Arcadia Ego, surgiu como o nome de um quadro do pintor italiano Guercino (1623). Significa “E na Arcádia estou” e é uma alegoria da morte. Posteriormente, a partir do francês Poussin, que também pintou um quadro com o mesmo título (em 1638), a frase ganhou outra tradução e outra conotação: “Eu, também, vivi na Arcádia”, frase atribuída aos mortos que um dia desfrutaram os prazeres da Arcádia. (Arcádia era uma província da antiga Grécia, mas, com o tempo, virou o nome de um país imaginário e idílico onde reina a felicidade, a simplicidade e a paz.)
  • O nome do planeta Coppelius é uma homenagem ao Dr. Coppelius, personagem do conto fantástico do alemão E. T. A. Hoffman, “O Homem da Areia” (1815).
  • No laboratório de Soong, Agnes observa um corpo artificial que ela chama de “golem”. O golem é um ser artificial místico do Judaísmo que pode ser trazido à vida através de um processo divino.
  • O episódio marca a sexta participação de Brent Spiner relacionada a um personagem Soong em Star Trek: três androides (Data, Lore e B-4), Noonian Soong, Arik Soong, e agora Altan Inago Soong.
  • Altan Soong quer transferir sua mente para um corpo androide. Já vimos esse tema em Star Trek antes, em episódios da Série Clássica, como “What Are Little Girls Made of?”, e da Nova Geração, como “The Schizoid Man”, em que Ira Graves transfere sua mente para o corpo de Data, e “Inheritance”, em que a “mãe” androide de Data possui a mente da humana Juliana, ex-esposa de Noonian Soong. Neste caso, ela não sabia que era androide e foi programada para envelhecer e morrer.
  • O xadrez tridimensional, jogado por sintéticos em Coppelius, apareceu pela primeira vez em Where No Man Has Gone Before, segundo piloto da Série Clássica.

Ficha Técnica

Escrito por Michael Chabon & Ayelete Waldman & Akiva Goldsman
Roteiro de Michael Chabon & Ayelete Waldman
Dirigido por Akiva Goldsman

Exibido em 19 de março de 2020

Título em português: “Et in Arcadia Ego, Parte 1”

Elenco

Patrick Stewart como Jean-Luc Picard
Alison Pill como Dra. Agnes Jurati
Isa Briones como Soji Asha/Sutra
Evan Evagora como Elnor
Michelle Hurd como Raffi Musiker
Santiago Cabrera como Cristobal “Chris” Rios
Harry Treadaway como Narek

Elenco convidado

Jeri Ryan como Sete de Nove
Brent Spiner como Dr. Altan Inigo Soong
Tamlyn Tomita como comodoro Oh
Matt Perfetuo como Rune
Mike Perfetuo como Codex
Jade Ramsey como Arcana
Nikita Ramsey como Saga
Zachary James Rukavina como xB sem nome

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