Grupo ligado à SpaceX investe no motor de dobra

Quem não se lembra em Star Trek de Zefram Cochrane, o inventor do motor de dobra espacial? No universo da ficção isso se tornou possível, mas, no mundo real, cobrir distâncias interestelares rapidamente ainda pode ser um sonho distante, no entanto, agora está recebendo apoio financeiro sem precedentes.

Uma organização sem fins lucrativos chamada Limitless Space Institute, afiliada à SpaceX, vem trabalhando em vários conceitos para tornar realidade as viagens para outros sistemas planetários. A LSI quer encurtar o tempo dessas grandes distâncias espaciais e, para isso, tem oferecido bolsas para pesquisas teóricas e de pós-doutorado relacionadas ao tema.

O Instituto, cuja missão é “inspirar e educar a próxima geração a viajar além do nosso sistema solar e apoiar a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias capacitadoras”, tem recebido apoio cada vez mais popular. O Instituto fundado pelo ex-pesquisador da NASA Harold “Sonny” White e pelo astronauta aposentado Brian Kelly, recebeu uma adesão importante. Gwynne Shotwell, diretora de operações e segunda em comando da SpaceX, ingressou como consultora independente em abril, juntando-se a outros grandes nomes da indústria espacial, que compõem o Conselho de Administração da LSI.

De acordo com White, não há como realizar missões de longa distância em períodos razoáveis usando tecnologias atuais, como a propulsão química. Ele diz que, para isto, é necessário pensar além do domínio da física conhecida. A LSI tem trabalhando em três categorias de propulsão teórica.  Por mais de uma década, o Dr. White vem investigando essa teoria na esperança de aproximá-la da realidade.

Anteriormente, o Dr. White buscou o desenvolvimento do motor de dobra, baseado na teoria de Alcubierre, com seus colegas do Laboratório de Pesquisa em Física de Propulsão Avançada (NASA Eagleworks). Já em 2020, ele passou a trabalhar com engenheiros e cientistas no Limitless Space Institute.

White explicou o conceito ao Universe Today, via Zoom, usando uma metáfora cotidiana daquelas correias transportadoras horizontais nos principais aeroportos:

“Normalmente, você caminha a cerca de cinco quilômetros por hora indo de um portão para outro. Mas em alguns locais, você tem esses ‘viajantes’ horizontais e pisa em cima deles. Então você ainda está andando a cinco quilômetros por hora, mas a correia também está se movendo. Conceitualmente falando, a correia está contraindo o espaço à sua frente e expandindo o espaço atrás de você, de modo que aumenta sua velocidade aparente. Mas localmente, você ainda está indo na mesma velocidade.”

Com base em suas descobertas, que foram delineadas em seu artigo seminal (“Warp Field Mechanics 101”), Dr. White concluiu que um motor de dobra de Alcubierre não era apenas matematicamente possível, mas plausível. Quanto à viabilidade, isso ainda exige que os cientistas encontrem uma maneira de gerar energia negativa do vácuo, o que exigirá um avanço significativo na física.

Um projeto de três etapas

O objetivo de realizar o voo espacial interestelar, disse o Dr. White, é uma tarefa extremamente difícil e exigirá alguns avanços revolucionários:

“Quando as pessoas pensam em viagens espaciais hoje, podem pensar em enviar seres humanos de volta à superfície da Lua ou rovers elegantes na superfície de Marte fazendo coisas interessantes. E esses são exemplos incríveis de exploração espacial, mas todos são possíveis usando propulsão química. Se quisermos enviar seres humanos para o Sistema Solar exterior, se quisermos levar uma tripulação da Terra para Saturno em 200 dias, a quantidade de energia necessária para tornar possível algo assim é uma ordem de grandeza maior do que isso. 

Simplificando, não há como missões de longa distância serem feitas em um período de tempo razoável usando propulsão química. Para que isso aconteça, diz o Dr. White, precisamos pensar além do domínio da física conhecida. Com isso em mente, ele e seus colegas adotaram um plano de pesquisa baseado em três grandes categorias de propulsão teórica, cada uma mais avançada que a outra. O primeiro (Fissão) é dedicado ao avanço da tecnologia de Propulsão Elétrica Nuclear (NEP), que a NASA e outras agências espaciais estão investigando para seus futuros objetivos de exploração.

Este conceito consagrado pelo tempo usa reatores nucleares para alimentar propulsores de efeito Hall (também conhecidos como motores de íons) que ionizam gases inertes (como xenônio) para criar um plasma carregado usado para gerar propulsão. Os benefícios desse método incluem o fato de estar dentro do domínio da física conhecida e ter sido validado por experimentos anteriores da NASA e dos programas espaciais soviéticos.

Especificamente, o Dr. White e sua equipe estão trabalhando em um motor NEP que poderia gerar 2-50 MW de energia que permitiria o trânsito rápido para Saturno e outros locais no Sistema Solar externo – cerca de ~ 1.000 UA (149,6 bilhões de km) do nosso Sol. No entanto, essas espaçonaves NEP ainda levariam alguns milhares de anos para chegar a Próxima Centauri. Ir mais rápido, disse o Dr. White, requer ir além da fissão e mover-se “um pouco para o desconhecido”.

É aí que entra o próximo passo da LSI (Fusão), que prevê o desenvolvimento da propulsão elétrica de fusão (FEP) – que está na faixa de 50 a 500 MW. A ressalva é que não temos reatores de fusão funcionado plenamente ainda. Mas isso pode realmente estar um pouco mais perto do que a maioria das pessoas pensa. Mesmo este avanço tecnológico não seria suficiente para uma viagem interestelar a curto prazo, como diz White:

“A propulsão de fusão nos permitiria enviar grandes cargas para Proxima Centauri em 100 anos. Talvez menos, se você quiser ser agressivo com o delta-v (aceleração). Mas se queremos fazer uma missão interestelar para Proxima Centauri, e queremos chegar lá em 20 anos ou menos, é aí que temos que olhar para as fronteiras da física – avançar firmemente para o desconhecido.”

Então, temos o terceiro passo (Breakthrough), onde um progresso significativo precisa ser feito em nossa compreensão da física. Este passo requer que encontremos uma resposta sobre como as quatro forças fundamentais que governam o Universo se encaixam. Isso inclui a Relatividade, que descreve como a gravidade governa as interações em grande escala, e a mecânica quântica, que descreve como a matéria se comporta nas menores escalas (os níveis atômico e subatômico).

Basicamente, precisamos de uma Teoria de Tudo (ou uma teoria da “gravidade quântica”), que iludiu os cientistas por cerca de um século. É por isso que o Dr. White e a LSI estão adotando uma abordagem incremental que inclui inovações e descobertas futuras. Isso pode acontecer mais cedo do que o esperado, disse o Dr. White, devido à introdução de inteligência artificial, aprendizado de máquina e computação avançada. Enquanto isso, há muita pesquisa a ser feita dentro do domínio da física conhecida.

A Limitless Space está, atualmente, tentando projetar uma bolha de dobra em nanoescala. Embora isso esteja muito longe de uma espaçonave capaz de viajar FTL, é um precedente significativo e um passo nessa direção. Segundo o Dr. White, o próximo passo é criar um experimento para medir quaisquer propriedades ópticas que esse aparelho possa manifestar.

Além de levar a humanidade para outras estrelas, a tecnologia permitiria a exploração do Sistema Solar, segundo White. “Ter um Sistema Solar inteiro de materiais e recursos mudaria o próprio conceito de escassez. Diamantes são raros, mas se você tem um sistema solar inteiro à sua disposição, talvez possa repensar essa definição”.

Claro que uma tecnologia tão avançada como esta ainda tem um longo caminho de desafios teóricos e práticos a percorrer, mas os primeiros passos estão sendo dados.

Fonte: Universetoday