DS9 3×17: Visionary

Segmento anual de tortura de O’Brien se sai com bela premissa temporal

Sinopse

Data estelar: Desconhecida

O’Brien sofre um acidente e acaba com um caso de leve de envenenamento radioativo. Ele tira uns dias de folga. Enquanto isso, uma delegação Romulana chega a DS9 para um encontro a fim de obter informações em primeira mão sobre o Dominion (como parte do tratado que permite a utilização de um dispositivo de camuflagem pela Defiant). O’Brien vai ao Quark’s jogar dardos quando tem uma estranha experiência, uma espécie de “salto para o futuro”, vendo uma duplicata de si próprio conversando com Quark no nível superior do Promenade, no lado oposto ao seu. Ele “volta” ao presente e desmaia.

Bashir diz que alucinações são normais em se tratando de envenenamento radioativo. Mas cinco horas mais tarde, O’Brien se vê falando com Quark no mesmo ponto da “visão” anterior e olha para o outro lado e vê a si próprio, como se concretizando tal “visão”. Dax acha que a radiação pode ter algo a ver com os “saltos” do chefe. Quando ela está explicando sua teoria, ele “salta” novamente, agora para o meio de uma briga entre Klingons e Romulanos no Quark’s.

Bashir examina o chefe de novo e conclui que os “saltos” possuem um efeito acumulativo que pode levar O’Brien à morte. Cinco horas (que permanece como o alcance dos demais “saltos”) mais tarde, O’Brien está no Quark’s esperando que a sua visão se concretize, o que de fato acontece, e ele vê novamente a sua duplicata no meio da confusão. Pouco depois ele “salta” de novo, só para observar a si próprio examinar um painel em um corredor deserto da estação e ser morto por uma espécie de feiser escondido no dispositivo.

De volta ao presente, O’Brien leva Odo e Sisko ao tal painel, que se mostra totalmente inofensivo. Dax detecta certas emissões na estação que parecem estar interagindo com a radiação residual no corpo do engenheiro e causando os “saltos”. Bashir planeja neutralizar tais efeitos no corpo do chefe. Kira informa a Sisko que moveu os Romulanos para outros aposentos, coincidentemente vizinhos ao painel que O’Brien os havia levado anteriormente.

Algum tempo depois, um dispositivo de vigilância é transportado para dentro do painel. Odo suspeita dos Klingons (três beberrões que chegaram recentemente à estação) e acaba provando que eles são da inteligência do Império espionando os Romulanos (e modificaram um replicador da estação para o transporte). A arma que O’Brien viu em ação era um mero dispositivo de segurança.

O’Brien acha que driblou a morte, mas logo em seguida dá outro salto e encontra o seu cadáver na enfermaria. Bashir lhe dá crucial informação para que o seu eu passado possa curar o chefe antes que o pior aconteça. O chefe é novamente salvo. Dax determina que a fonte das emissões é uma singularidade quântica orbitando a estação. O chefe sofre um novo “salto”, agora para um explorador pilotado por um outro O’Brien, em meio a uma evacuação de emergência da estação, e vislumbra a destruição da DS9 e o colapso da Fenda Espacial.

O’Brien se voluntaria para uma arriscada missão (um “salto” controlado para o futuro, com um dispositivo concebido por Bashir), pois a injeção de mais isótopos radioativos poderá mata-lo. Ele “salta” apenas três horas e meia para o futuro e recruta o seu outro eu. Os dois vão para o OPS, só para presenciar o ataque de uma Ave de Guerra Romulana que acabara de se descamuflar. A singularidade detectada por Dax é o núcleo de dobra de tal nave. O’Brien não irá sobreviver a um outro salto e o seu futuro eu toma o seu lugar e usando o dispositivo volta e avisa a Sisko e aos outros.

Sisko racionaliza então que devido aos Romulanos temerem tanto o Dominion, eles planejavam selar a Fenda Espacial e destruir DS9 sem deixar rastros, para que tudo parecesse um acidente. O comandante confronta os Romulanos, dizendo que tem a nave sob mira e com o dedo no gatilho. Os Romulanos recuam e partem. O “futuro” O’Brien assume definitivamente a posição do “presente” O’Brien.

Comentários

Tivemos uma extremamente inteligente história de paradoxos temporais e universos alternativos (ou realidades alternativas) nesta semana. O episódio tem um passo extremamente acelerado, tendo sempre uma coisa interessante acontecendo, e os paradoxos temporais são utilizados tanto de uma forma cômica quanto séria, trazendo reflexões. Temos aqui, sem dúvida, mais trama do que personagem, mas o resultado final é irresistível. Para mais detalhes, sem precisar morrer três vezes e ser substituído por um eu alternativo do futuro no processo, leiam as linhas abaixo.

Uma temporada de DS9 nunca está completa sem um episódio do tipo “vamos torturar o chefe O’Brien” (TM). Esta semana ele é posto à prova novamente.

A história é bastante simples, apesar de uma certa abstração em seu conceito causar confusão em alguns fãs. Tomando por hipótese que existam infinitos universos paralelos que, devido a um sempre presente processo de “escolhas” (em todos os níveis e mesmo do que chamamos de “acaso”) no “interior” de cada um deles, dão origem individualmente a uma infinidade de outros universos paralelos. Em um processo contínuo.

(A história de “Visionary” não adere completamente a esta filosofia e nem a explicita, mas tal conceito explica bastante bem o que ocorre no episódio e por isso que ela é adotada aqui.)

Posto isto, O’Brien foi contaminado por radiação e tal acontecimento criou uma infinidade de universos alternativos, todos com o chefe contaminado. Todos estes chefes se tornaram “saltadores no tempo” para cinco horas no futuro devido à interação de tal radiação residual com as emanações do núcleo de dobra (na realidade uma singularidade quântica confinada) da nave Romulana. Isso explica por que as duas visões de um mesmo salto nunca são casadas, sempre existindo diferenças. O “nosso” O’Brien visitou e foi visitado por outros O’Brien. Tudo que ocorreu no episódio de fato ocorreu, mas ocorreu considerando também estes demais universos alternativos.

(O que terá acontecido com DS9 nos universos alternativos em que O’Brien não foi afetado pela radiação?)

A história não explicita, mas o deslocamento espacial durante os “saltos” pode ser explicado, considerando um possível “alinhamento” entre o chefe, o seu “destino” e o núcleo de dobra da nave Romulana (será que um dos “infinitos O’Brien” foi parar no espaço?). Cabe salientar que a escolha do plano de órbita (uma elipse é uma curva plana) da Ave de Guerra, também produz, por sua vez, mais uma “infinidade de universos alternativos”.

Parece que temos que agradecer ao “acaso” por este bizarro fenômeno ter ajudado Sisko e cia. a desvendar os estratagemas dos Klingons e dos Romulanos. A idéia de Julian de controlar o salto usando a “constante de decaimento” dos isótopos em vez de sua “concentração” foi bastante boa. A volta é que ficou sem explicação, especialmente a volta do “outro” O’Brien (sem falar que Bashir nem reparou que O’Brien voltou de pijama, e não de uniforme). O “outro” O’Brien não desmaia no último “salto”, pois a “concentração” de isótopos no seu corpo era muito baixa. Os desmaios de O’Brien eram causados pelos efeitos nocivos da radiação. Que eram aumentados a cada “salto” em um sentido ou no outro.

É justificável que os Romulanos queiram cuidar do tratado em primeira mão com Sisko (e sua equipe) e não em segunda mão com os almirantes do comando da Frota. Especialmente que o objeto de tal tratado está instalado em uma nave atracada em DS9. Faz ainda mais sentido que os Romulanos utilizassem tal encontro para esconder a sua verdadeira agenda (as manobras de inspecionar a Defiant e conduzir entrevistas dos oficiais seniores foram particularmente sensíveis e feitas sem levantar nenhuma suspeita). Eles consideram o Dominion uma terrível ameaça para todo o quadrante Alfa e nunca tiraram nenhum proveito da Fenda Espacial. Eles se livram de tal ameaça com o fechamento da Fenda Espacial (impedindo também qualquer ganho que outras potências do quadrante poderiam tirar dali no futuro, com ou sem Dominion) e tem que destruir a estação no processo também (sem dúvida uma atitude extrema, mas não impensável, dos Romulanos).

É de se supor que o grupo de Romulanos dentro de DS9 viesse a fazer algum serviço de sabotagem nas cinco horas que faltavam para o ataque. Para realmente não deixar provas sobre o que de fato aconteceu. A ausência de naves atracadas também seria importante. Entretanto uma bomba camuflada talvez fosse uma manobra muito mais inteligente por parte dos Romulanos. Deixando a Ave de Guerra para eliminar os eventuais casulos de fuga. (Obviamente, depois desta lambança dos Romulanos, o dispositivo de camuflagem fica definitivamente na Defiant.)

Devido ao estabelecimento (em “Face of the Enemy” e “Timescape”, de A Nova Geração) de que os Romulanos usam uma “singularidade quântica confinada” como base do seu sistema de propulsão, parte da audiência já havia “pescado” a Ave de Guerra antes do final do episódio. Fica sem explicação por que Sisko, sabendo disso e de que a singularidade orbitava a estação, não ordenou ao menos que os escudos fossem levantados até que eles tivessem certeza? (Seguindo o tema do episódio, talvez um dos “Siskos alternativos” tenha feito isso.)

Que melhor disfarce poderiam ter três oficiais da inteligência Klingon do que três estereótipos ambulantes, brigões e bêbados? A idéia de transformar o replicador em um transporte foi bastante interessante (dando mais uma vez uma amostra do quanto poderia dar certo uma série de Jornada sobre os serviços de inteligência da Frota e dos outros governos, aliados ou não).

O’Brien tem uma devastadora experiência quando vê a “sua” própria morte (frente ao disparo do dispositivo na parede) e a reflexão do “outro” O’Brien sobre ser esta ou não a sua própria vida também é interessante (ainda que não-explorada durante a série). Entretanto, a melhor cena do episódio é quando O’Brien encontra o próprio cadáver e reclama com Bashir sobre como o doutor o deixou morrer. A interação entre dois é primorosa e tira o melhor da insólita situação. Bravo!

Foi uma boa idéia dos produtores substituir o nosso O’Brien pelo “outro” O’Brien do futuro, apesar disso trazer pouca diferença prática à série (e de não ser explorado mais tarde). Sisko enfrentando os Romulanos ao final também foi um ponto forte e 100% no estilo do comandante. Todos os demais personagens tiveram bons momentos, como: o fogo de Kira, a habilidade de Odo, a inteligência de Dax e a ganância de Quark.

A direção de Reza Badiyi foi excelente. Alguns momentos: a “Tomada de ‘O tubarão'” do primeiro “salto” de O’Brien, a bonita tomada ampla da reunião inicial entre Sisko e Kira e os Romulanos, a reunião posterior entre Kira e os Romulanos (reparem no perfeito casamento das múltiplas vistas da cena) e a evacuação da estação. Todas as transições envolvidas nos “saltos” de O’Brien foram também excelentes. Por outro lado os efeitos da destruição da estação estão completamente ultrapassados (além de não mostrarem a Defiant) e os uniformes Romulanos continuam ridículos.

Meaney fica com o destaque da semana entre os regulares, frente às provações do seu personagem. Ele é particularmente excelente quando o seu personagem vê o “próprio” cadáver na enfermaria. El Fadil também foi muito bem, transitando com grande facilidade entre os momentos de humor e os mais sérios (a sua química com Meaney é simplesmente mágica). O resto do elenco também foi ótimo.

Apenas Jack Shearer se salvou entre os atores convidados (ainda assim, sem grande brilho), Helde foi muito fraca e os atores que fizeram os Klingons foram muito mal.

Outros bons momentos: Quark acertando Morn com os dardos (depois pedindo ajuda na briga do bar e fazendo um inventário em “tempo real” dos seus prejuízos e ao final sendo interrogado pelos Romulanos), Kira “jurando que vai ser” e depois “sendo” diplomática com os Romulanos, Odo chamando a atenção de Sisko para a sua habilidade como investigador (e dizendo que “sempre investiga o Quark”), ou até os Romulanos desconfiando de que Odo esteja interessado em Kira etc.

“Visionary” é mais um excelente episódio de DS9, se movendo com grande velocidade e alto valor de entretenimento associado. A premissa dos “saltos temporais” de O’Brien é bastante interessante e posta para usos desconcertantes, tanto para o espectador quanto para o personagem. A ameaça, tanto para a estação quanto para o personagem, cresce de forma gradual e paciente, com inúmeros elementos, a princípio periféricos, que se juntam com bastante propriedade no final. Definitivamente não o estilo de episódio que DS9 deve produzir semanalmente, mas um belo esforço mesmo assim.

Avaliação

Citações

“I HATE temporal mechanics!”
(Eu ODEIO mecânica temporal!)
O’Brien

“If all you can hallucinate about is Quark’s maintenance problems, you have a sadly deficient fantasy life.”
(Se você só consegue alucinar sobre os problemas de manutenção de Quark, você tem uma triste deficiência em suas fantasias.)
Bashir

“I’m always diplomatic.”
(Eu sou sempre diplomática.)
Kira

“Well, it could’ve been worse. It could’ve been ME.”
(Bem, poderia ter sido pior. Poderia ter sido EU.)
Bashir

“Commander… there is no careful way to question a Klingon.”
(Comandante… não há um modo cuidadoso de se questionar um Klingon.)
Odo

“Who am I to argue with me?”
(Quem sou eu para discutir comigo mesmo?)
Bashir

Trivia

  • A história de “Visionary” veio do professor texano Ethan Calk, que depois venderia outra história sobre paradoxos temporais que levaria ao clássico “Children of Time” da quinta temporada. Ira Behr encomendou um roteiro compatível para o seu amigo e escritor de ficção científica John Shirley (e que nunca havia trabalhado com TV) e disse na época que o processo foi tão difícil para Shirley que eles quase terminaram a amizade. Ira Behr (o mentor de DS9) não ficou muito satisfeito com o resultado final (de um “mistério high-tech“) que ele considerou mais adequado ao estilo de A Nova Geração.
  • Ira Behr não é muito fã de histórias que tenham premissas muito técnicas ou que envolvam “tecnobaboseira”, sendo este talvez o maior motivo de suas discussões com Michael Piller enquanto este último esteve à frente da série. É notório que tal estilo de histórias foi menos utilizado após Behr assumir o controle criativo de DS9, o que se deu durante a produção do legendário episódio duplo “Improbable Cause” e “The Die is Cast”, desta terceira temporada.
  • O alvo do jogo de dardos toma o seu lugar definitvo no Quark’s. Cabe observar que o jogo foi utilizado para mostrar que os saltos de O’Brien não levavam tempo algum no presente. Hironalina para tratamento de envenenamento radioativo é uma referência ao episódio da segunda temporada da Série Clássica “The Deadly Years”. Dois modelos de DS9 foram filmados para a sua destruição em tela, mas infelizmente os produtores usaram muito pouco do que foi filmado no produto final.
  • As outras participações de Jack Shearer em Jornada são as seguintes: como Vadosia em “The Forsaken” (da primeira temporada de DS9), como o almirante Strickler em “Non Sequitur” (da segunda temporada de Voyager) e como o almirante Hayes em “Hope and Fear” (da quarta temporada de Voyager), “Life Line” (da sexta temporada de Voyager) e no filme “Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato”.

Ficha Técnica

História de Ethan H. Calk
Roteiro de John Shirley
Dirigido por Reza Badiyi

Exibido em 27 de fevereiro de 1995

Título em português: “Visionário”

Elenco

Avery Brooks como Benjamin Lafayette Sisko
René Auberjonois como Odo
Nana Visitor como Kira Nerys
Colm Meaney como Miles Edward O’Brien
Siddig El Fadil como Julian Subatoi Bashir
Armin Shimerman como Quark
Terry Farrell como Jadzia Dax
Cirroc Lofton como Jake Sisko

Elenco convidado

Jack Shearer como Ruwon
Annette Helde como Karina
Ray Young como Morka
Bob Minor como Bo’rak
Dennis Madalone como Atul

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Edição de Mariana Gamberger

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