TNG 7×16: Thine Own Self

Data desmemoriado revive história que lembra desastre radioativo brasileiro

Sinopse

Data estelar: 47611.2.

 A Enterprise se encontra com a nave auxiliar que traz a conselheira Deanna Troi de volta à nave, após uma reunião de sua turma na Academia. Data, que normalmente comanda o turno da noite, está ausente, e em seu lugar está Beverly Crusher. O androide está em missão avançada a Barkon IV, planeta onde uma sonda não tripulada da Federação se acidentou, liberando dejetos radioativos. A missão de Data era recuperar o material sem entrar em contato com a civilização pré-industrial que vive lá.

As coisas saem dos trilhos depois que Data se acidenta e perde a memória. Após andar um longo caminho até um vilarejo próximo, ele entra em contato com dois barkonianos, Garvin e sua filha, Gia. Eles tentam dialogar com o androide, mas com pouco sucesso. Tudo de que ele se lembra é que veio das montanhas, carregando uma maleta marcada com o texto “radioativo”. Garvin e Gia não fazem ideia do que a palavra quer dizer.

Na Enterprise, Troi procura Riker e diz que quer fazer o teste para ser oficial da ponte, sendo promovida a comandante e entrando na cadeia de comando da nave. Ela diz que se motivou pelo encontro com sua turma e pela conversa com Beverly, além de experiências que viveu a bordo nos últimos dois anos.

No planeta, Garvin e Gia cuidam de Data, a quem dão o nome de Jayden. A médica e cientista do vilarejo, Talur, diz que ele provavelmente é um homem-do-gelo, criatura das montanhas de onde ele diz ter vindo. A fim de obter recursos, Data concorda com a proposta de Garvin de vender ao menos parte das peças metálicas que trouxe consigo na maleta ao ferreiro Skoran.

Mais tarde, Garvin começa a se sentir mal – uma misteriosa doença o acomete. Jayden, vulgo Data, decide criar um laboratório para estudar a questão. Para tornar tudo mais grave, não tarda e Gia também fica enferma, seguida por Skoran.

Enquanto isso, na Enterprise, Troi repete três vezes o teste de engenharia – o último que falta para sua promoção. Ela falha em todas, e a simulação do holodeck termina com a destruição da nave. Riker a procura e diz que não vai permitir que ela continue a realizar o teste, alegando que “seu dever maior é com a nave”. Isso inspira Troi a fazer uma nova tentativa por conta própria.

Ao se defrontar mais uma vez com uma crise na engenharia, ela pergunta a um Geordi simulado pelo holodeck se ele poderia efetuar os reparos entrando por um acesso interno aos sistemas, apesar do alto risco de morte. O engenheiro diz que sim, e Troi ordena que ele faça o conserto. Riker então aparece e diz que ela passou no teste – o desafio era ter a coragem e determinação de, sem outra saída, mandar um comandado para a morte.

No planeta, Skoran acha que Jayden é o culpado pela praga que os aflige e, junto com outros habitantes do vilarejo, o persegue e ataca. O golpe arranca parte do rosto dele, revelando seus circuitos positrônicos. O androide então se esconde, embora siga trabalhando para criar uma cura para a doença, depois de descobrir que ela é causada por partículas emitidas pelas peças metálicas que ele trouxe consigo.

Ao desenvolver um antídoto, ele medica Garvin e Gia. Para distribuir ao resto da população, que não confia nele, decide diluir o medicamento no poço de água do vilarejo. Quando está para fazê-lo, Skoran e seu grupo o encontram e o atacam, atravessando uma lança em seu peito. O androide cai, estático, logo após derramar o remédio na água.

Tempos depois, Crusher e Riker aparecem no planeta disfarçados como barkonianos e conversam com Gia, que diz ter visto o amigo deles de pele branca e olhos dourados. Data, como eles o chamam, estaria morto e enterrado. Riker então providencia para que tanto o corpo do androide quanto os artefatos radioativos sejam localizados e retirados pelo teletransporte.

Na Enterprise, Data é reparado e reativado. Ao despertar, não tem lembranças do que viveu no planeta e se surpreende ao descobrir que Troi foi promovida durante sua ausência e agora é sua oficial superior.

Comentários

Em 13 de setembro de 1987, em Goiânia, uma amostra de césio-137 foi retirada de um aparelho radiológico abandonado do antigo Instituto Goiano de Radiologia que havia sido vendido a um ferro-velho. Diversos moradores da cidade se encantaram com seu brilho azul, mas logo perceberam que aquilo fazia mal à saúde. Ainda assim, quatro pessoas morreram e outras centenas foram contaminadas, naquele que ficou conhecido como o maior acidente radiológico do mundo.

As coincidências entre essa triste tragédia da vida real e “Thine Own Self”, produzido no final de 1993, são grandes demais para se ignorar. Nunca tivemos uma confirmação de que Christopher Hatton ou Ronald D. Moore, responsáveis respectivamente pelo argumento e pelo roteiro, se inspiraram especificamente no desastre brasileiro para conceber esta trama, mas não é de todo improvável, já que o acidente virou notícia no mundo todo e também potencialmente inspirou, em 1990, uma história similar, como um dos episódios da animação Capitão Planeta (“The Deadly Glow”).

Exatamente o que aconteceu em Goiânia também afligiu Barkon IV, quando peças radioativas chegaram às mãos de uma população que nada sabia sobre radioatividade. A diferença entre as duas é a presença de Data, que torna o drama mais pessoal e envolvente para a audiência. A ideia de ver o androide solto num vilarejo primitivo e por fim perseguido por populares ignorantes lembra muito o filme Frankenstein, de 1931. OK, é uma mistura de um evento extremamente crível e dramático com outro totalmente fantástico e improvável. Mas é disso que a ficção científica é feita, e aqui os dois elementos se combinam bem para produzir um episódio que, se não é espetacular, também não entra para a lista dos descartáveis.

Brent Spiner tem um desafio especial aqui: interpretar Data, exatamente como ele é, mas sem ele saber quem é. O ator, como sempre, entrega de forma efetiva o que o roteiro pede dele, embora seja uma questão de conveniência quão seletiva é sua perda de memória. Ele sabe ler a palavra radioativa, mas não sabe o que significa. Mais adiante, ele lembra que madeira é feita de compostos orgânicos, e não dos elementos fundamentais citados por Talur. E rapidamente desenvolve metodologia científica para estudar a crise de saúde afetando os barkonianos. Afinal, quanto ele se lembra e quanto não se lembra?

Em paralelo, meio que para encher linguiça, temos uma trama B que aborda a busca de Deanna Troi por uma promoção. É um elemento interessante de crescimento da personagem e uma demonstração de que, em sua reta final, A Nova Geração perdeu completamente o medo de fazer referência a episódios anteriores. Só aqui, Troi cita para Crusher os eventos de “Lower Decks”, da semana anterior, e de “Disaster”, duas temporadas atrás!

E dá para dizer o mesmo sobre o medo de instigar conflito entre tripulantes, algo que o criador Gene Roddenberry, falecido em 1991, queria manter longe da série. Deanna e Will têm um bate-boca intenso e francamente escandaloso, um tom acima de quase tudo que já vimos a bordo da Enterprise-D. E tudo bem.

Por falar nisso, a sacadinha de Riker guiar Troi a achar seu caminho sem entregar a resposta ao teste de engenharia também é legal, ainda que torne o personagem um pouco desalmado num primeiro momento. Parece que virou moda na Enterprise induzir alguém a ir pelo caminho certo com broncas e falando por entrelinhas – algo que vimos com Worf e Picard lidando com Sito Jaxa em “Lower Decks”, e agora com Troi e Riker. Nessas circunstâncias, causa uma certa estranheza quando o verdadeiro intuito é revelado. Não dava para os oficiais comandantes terem feito de outra maneira, menos bruta? Precisava tanto subterfúgio? Difícil responder. É mais um recurso de manipulação da audiência do que de verossimilhança, mas está valendo.

O episódio, claro, sofre com as deficiências de um orçamento televisivo limitado. Mas o pouco que vemos do vilarejo barkoniano, apesar de pequeno, é bonito e bem acabado, dando um ar de século 17 para o ambiente. O diretor Winrich Kolbe encontra bons ângulos para contar a história, mesmo com as limitações cenográficas, e as atuações a carregam de maneira satisfatória. Além de Spiner, o elenco de apoio também faz um bom trabalho, em particular Ronnie Claire Edwards como Talur e a jovem Kimberly Cullum como Gia.

No fim, o que falta mesmo é algo que dê sentido ao episódio. O que aprendemos sobre Data, ao vê-lo desmemoriado em Goiânia lidando com césio-137? E o que aprendemos com ele? Nos dois casos, não muito mais do que já sabíamos.

Avaliação

Citações

“Where is your mother?”
“She died about a year ago. Father said she went to a beautiful place, where everything is peaceful and everyone loves each other and no one ever gets sick. Do you think there’s really a place like that?”
“Yes. I do.”
(Onde está sua mãe?)
(Ela morreu há cerca de um ano. Papai diz que ela foi para um lugar bonito, cheio de paz, onde todo mundo se ama e ninguém nunca fica doente. Você acha que realmente existe um lugar como esse?)
(Sim. Eu acho.)
Data e Gia

Trivia

  • O roteiro final do episódio ficou pronto em 30 de novembro. Em suas versões iniciais, ele tinha o título de “Jayden”. O título final sai de uma citação de Hamlet, de Shakespeare: “This above all: to thine own self be true” (isso acima de tudo: ser fiel a si mesmo).
  • A proposta original veio de Christopher Hatton, que havia escrito o roteiro especulativo que se tornaria “Gambit, Part I”. Hatton vendeu sua história como “Data como Frankenstein”, um conceito que Jeri Taylor descreveu como “irresistível”. O roteirista Ronald D. Moore brincou: “Ele vaga por uma vila medieval, fica amigo de uma garotinha, e os moradores saem e o perseguem com tochas!”
  • Para se manter no orçamento, o episódio exigia uma trama B ambientada na Enterprise. Moore decidiu evitar o previsível “perdemos Data e temos de encontrá-lo” para focar na promoção de Troi, que havia originalmente sido concebida para aparecer no episódio “Liaisons”. “Achei que era uma ideia legal e um bom movimento para o personagem. A coisa toda era algo que eu queria fazer desde que li a romantização de Jeri Taylor de ‘Unification’, onde se fala que Troi estava refletindo sobre suas experiências no episódio ‘Disaster’, em que ela ficou temporariamente no comando. Jeri tinha uma descrição lá sobre ter experimentado sangue e querer fazer de novo, e isso ficou comigo. Achei que era uma direção interessante para levar a Troi.”
  • Patrick Stewart só aparece na cena final do episódio, com uma única fala. Isso por uma gentileza com o ator, que estava fazendo sua versão solo de A Christmas Carol, em Londres, durante as filmagens do episódio, em dezembro de 1993.
  • O uso de Riker do termo Imzadi no episódio foi um pedido do ator Jonathan Frakes.
  • Os cenários de Barkon IV voltariam a ser usados em “Journey’s End”, “Firstborn” e “Preemptive Strike”, além de “Shadowplay”, de Deep Space Nine.
  • Esta é a última vez que vemos Riker tocando trombone na série.
  • Sobre a promoção de Troi, Jeri Taylor comentou: “Eu achei que era realmente forte, embora tenhamos recebido algumas críticas de pessoas que diziam, ‘como vocês podem promovê-la acima de Data e Geordi?’ Mas não teria sido uma história muito interessante ver Geordi ou Data sendo promovidos. Os obstáculos que ela tinha que superar eram formidáveis e de onde a gente tira drama interessante é de conflito!”
  • Ronald D. Moore não ficou tão satisfeito com seu trabalho. “Como escritor, nunca descobri sobre o que era o episódio. Eu não sei o que eu estava tentando dizer com o episódio. Foi provavelmente a experiência de escrita mais difícil que tive na série porque estava muito frustrado. Era um momento ruim na temporada. Eu estava cansado e não estava me divertindo, e acho que isso apareceu na escrita… o que eu gostei de escrever foi Data como Sr. Bruxo no planeta de pessoas que não são muito espertas. Foi meio que divertido. Curti ter o Data como o cara no fundo da sala levantando a mão, inventando mecânica quântica com pedra lascada e barro fofo.”
  • Brannon Braga, em contraposição, gostou bastante. “Foi ótimo ter um episódio tão fundamental quanto Data sendo obrigado a confrontar sua natureza interior. O fator ‘uau’ também era muito alto. Ver Data empalado por uma lança de metal foi demais. Eu gostei do episódio. Algumas performances do pessoal da vila eram meio grogues para o meu gosto, mas Data como Frankenstein – que ideia legal. Achei, no fim, que foi um bom trabalho. Na verdade, achei que foi provavelmente um dos melhores desta temporada.”
  • O diretor Winrich Kolbe também gostou. “Foi interessante porque eu havia feito ‘Pen Pals’, um episódio que meio que não achou a direção certa. Data parece ter uma predileção por menininhas, não num mau sentido. Aqui acabamos de novo com uma menininha. Parece haver algo sobre Data que dá aos roteiristas a ideia para a relação. Ele tem uma vulnerabilidade ou uma inocência, especialmente no começo. É Brent em seu melhor. Gostei do episódio. Tivemos alguns bons atores e foi quase como um episódio de época. Foi como voltar à Renascença.”

Ficha Técnica

História de Christopher Hatton
Roteiro de Ronald D. Moore
Dirigido por Winrich Kolbe

Exibido em 14 de fevereiro de 1994

Título em português: “Conhece-te a Ti Mesmo”

Elenco

Patrick Stewart como Jean-Luc Picard
Jonathan Frakes como William Thomas Riker
Brent Spiner como Data
LeVar Burton como Geordi La Forge
Michael Dorn como Worf
Marina Sirtis como Deanna Troi
Gates McFadden como Beverly Crusher

Elenco convidado

Ronnie Claire Edwards como Talur
Michael Rothhaar como Garvin
Kimberly Cullum como Gia
Michael G. Hagerty como Skoran
Andy Kossin como aprendiz
Richard Ortega-Miro como Rainer
Majel Barrett como voz do computador

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Edição de Maria Lucia Rácz
Revisão de Susana Alexandria

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