Nêmesis: a jornada final de Jerry Goldsmith

Patrono musical de Star Trek, o maestro, uma lenda do cinema, definiu padrões que são adotados até hoje pelos compositores.

Nêmesis traz Jerry Goldsmith já no final de sua extensa carreira, iniciada nos anos 1950. Quando foi convidado pelo estúdio a criar mais uma trilha sonora para Jornada nas Estrelas, sua quinta na cinessérie, encontrava-se doente, na batalha contra um câncer. Indicado 17 vezes ao Oscar, com uma vitória em 1977 por A Profecia (The Omen), e com cinco prêmios Emmy na prateleira, o veterano compositor aceitou mais este trabalho, que seria um de seus últimos.

Em Nêmesis, ele voltaria a trabalhar com Stuart Baird, um respeitado e experiente montador em Hollywood que assumiria a cadeira de diretor pela terceira vez na vida. Nas duas primeiras, em Momento Crítico (Executive Decision, 1996) e U.S. Marshals (U.S. Marshals: Os Federais, 1998), Goldsmith foi o autor das músicas desses filmes. Em A Profecia, pelo qual foi oscarizado, Baird era o montador.

Jerry costumava dizer que não entendia bem Jornada, o que era uma bela mentira. Ele a compreendia muito bem, a ponto de sublinhar os personagens e a Enterprise em grandes melodias, incorporando o espírito heróico e além da vida da criação de Gene Roddenberry. No último longa dos tripulantes de A Nova Geração fez isso novamente. Nêmesis não é sua trilha sonora mais celebrada, porém não deixa de ser outra criação inspirada do eterno maestro.

Juntando temas já bem conhecidos dos fãs, como a fanfarra da Série Clássica, de Alexander Courage, o da Enterprise do primeiro filme, assim como o de Jornada nas Estrelas desde 1979, e peças que relembram momentos de Jornada nas Estrelas V: A Última Fronteira (1989), Jerry inseriu na fórmula um tema soturno para o vilão Shinzon, e passagens militares em sequências de Romulus. 

O uso de sintetizadores eletrônicos, uma marca de Goldsmith, voltou a ter destaque em Nêmesis, que não deixou de lado o uso de um xilofone na faixa “The Mirror”, trazendo de volta memórias ​​de trilhas de suspense do passado.

Vibrante, mas também soturna, a trilha de Nêmesis foi a primeira e única de Jornada nas Estrelas a ter edição durante os créditos finais. Geralmente, a música que acompanha todos os nomes que participaram da produção é uma coletânea bem costurada dos temas ouvidos no longa, o chamado medley.

Em Nêmesis ocorre isso, mas ela não abrange toda a duração dos créditos, sendo repetida, numa edição bem sem vergonha, a poucos minutos do final. A culpa não foi de Goldsmith. Foi dito a ele que os créditos teriam tantos minutos de duração, mas a enormidade de nomes que participaram da confecção dos efeitos digitais do filme acabou estendendo a duração, causando a necessidade de edição.

LEGADO

Jerry Goldsmith, que nos deixou em 2004, é o patrono musical de Star Trek. Nos anos 1960, foi convidado por Gene Roddenberry para criar o tema da Série Clássica, não pôde aceitar e indicou Alexander Courage. Tempos depois, quando a série enfim foi para as telas do cinema, ele assumiu o comando das partituras e transformou o primeiro filme, de 1979, em uma ópera espacial. Jerry retornaria para outros quatro longas, além de emprestar seu novo tema de Jornada para A Nova Geração e criar um inédito, e premiado, para Voyager.

Seu estilo foi seguido por quase todos os compositores da cinessérie e pelos que trabalhariam nos novos seriados de Jornada nas Estrelas a partir de 2017. É possível ouvir notas “goldsmithianas” em Discovery, Lower Decks, Prodigy, um pouco menos em Strange New Worlds, e muito em Picard, que não se contentou apenas em referenciar o maestro, literalmente copiando muitos de seus temas durante suas temporadas (mais notadamente na terceira).

CÉUS AZUIS

Irving Berlim pode não ser o compositor preferido do klingon Worf (Michael Dorn), mas isso não impediu que sua obra mais conhecida, a música “Blue Skies”, de 1926, passasse a fazer parte da mitologia de Jornada nas Estrelas a partir de Nêmesis, quando Data (Brent Spiner) a canta na cena do casamento de Riker (Jonathan Frakes) e Deanna Troi (Marina Sirtis).

Interpretada por dezenas de cantores norte-americanos ao longo de décadas, conta também com uma versão em inglês de Caetano Veloso, gravada em 2004 para o álbum do artista A Foreign Sound. Blue Skies seria relembrada em vários episódios da série Picard, a partir de 2020, que retoma situações de Nêmesis como a morte de Data e a existência do androide B-4. No episódio final da primeira temporada da série, “Et in Arcadia Ego, Part 2”, a canção é interpretada por Isa Briones, que em Picard faz três personagens androides como Data: as irmãs Soji e Dahj Asha, e Sutra.

Trechos de “Blue Skies” também foram incorporados na trilha sonora instrumental de Nêmesis por Goldsmith.

PRA OUVIR EM CASA

Desta vez, coube à gravadora norte-americana Varèse Sarabande, então uma das maiores do mercado, produzir o CD com a trilha sonora de Nêmesis. O nome incomum da empresa é uma homenagem ao compositor francês Edgard Varèse, somado a um estilo de dança lenta espanhola, a sarabande.

Em 2002, ela colocou nas lojas dos Estados Unidos e Europa um CD com 48 minutos musicais em 14 faixas. O produto apresentava um encarte com algumas fotos promocionais do filme; um pequeno texto introdutório de Robert Townson, produtor musical e executivo que comandou a Varèse por décadas; e uma ficha técnica da orquestra, com os nomes dos músicos de cada instrumento.

Além da versão em CD, a gravadora lançou a trilha de Nêmesis em Super Audio CD (SACD), um formato criado pela Sony e Philips para disponibilizar maior fidelidade na reprodução de áudio digital, superando a reprodução do tradicional CD. O SACD, como o semelhante DVD-Áudio, nunca vingou no mercado, ficando restrito a colecionadores e sendo descontinuado posteriormente.

Assim como a trilha sonora de seu antecessor, Insurreição, o álbum de Nêmesis deixou de fora muitas músicas ouvidas no filme. Anos depois, em 2014, a mesma Varèse Sarabande lançou uma edição estendida, intitulada Star Trek Nemesis: The Deluxe Edition, e limitada a 5 mil cópias.

Com dois discos, tratava-se de um álbum duplo em CD, com 24 músicas no disco 1, e 22 no disco 2, totalizando 36 faixas. Mas nem todas eram musicais, pois a última delas continha um curto diálogo entre o diretor Stuart Baird e o compositor Jerry Goldsmith. Esse CD duplo apresentou 115 minutos; uma versão em LP também foi disponibilizada, mas com apenas 85 minutos de duração.

Duas versões de “Blue Skies” se fizeram presente nesta “Deluxe Edition”, uma delas era a vista em parte no longa, com Brent Spiner como intérprete. Já a outra é somente a parte instrumental. Nove faixas alternativas, com versões levemente diferentes das ouvidas em Nêmesis, fizeram parte desse lançamento estendido. Um livreto com comentários sobre as faixas, escrito por Jeff Bond, autor do livro The Music of Star Trek, acompanhou o CD duplo.

Texto publicado originalmente no volume 40 da Coleção Trek Brasilis, de março de 2025. Se você se interessa por conteúdos como este, conheça e assine a Coleção Trek Brasilis em tbshop.org!

Leia sobre as trilhas sonoras de outros filmes de Star Trek clicando aqui.


Descubra mais sobre Trek Brasilis

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.