TNG 5×17: The Outcast

Segmento critica preconceito contra homossexuais, mas não vai longe o suficiente

Sinopse

Data estelar: 45614.6

A Enterprise trabalha em cooperação com uma espécie andrógina chamada j’naii, em uma tentativa conjunta de encontrar e resgatar a tripulação de uma nave j’naii desaparecida. Eles rapidamente descobrem que a nave provavelmente foi parar em um “bolsão de espaço nulo”, onde sua energia eletromagnética está sendo drenada, impedindo sinais de comunicação de alcançarem o exterior.

Riker começa a trabalhar com um dos j’naii, Soren, para mapear o bolsão. Ambos ficam fascinados pelas diferenças entre suas culturas: o conceito de gênero é tão integrado em Riker e tão alienígena para os j’naii que torna o contato entre as duas espécies bastante exótico. Apesar disso, os dois rapidamente se tornam amigos.

A missão de mapeamento é bem-sucedida, e são iniciadas as preparações para modificar uma nave auxiliar de modo que possa funcionar dentro do bolsão por tempo suficiente para resgatar a tripulação. Entretanto, as surpresas já começam na noite anterior ao lançamento, quando Soren confessa ter tendência à feminilidade e estar atraída por Riker. Ela diz que não pode revelar essa informação publicamente, pois os j’naii consideram o conceito de gênero repugnante e equivocado, e aqueles que demonstram tendência a um gênero ou a outro são rotulados de transviados e “curados” por meio de lavagem cerebral. Soren, e seus iguais, vivem vidas secretas, cheias de fingimento e medo. Riker fica chocado.

Na manhã seguinte, os dois conseguem resgatar com sucesso a tripulação da nave j’naii (apesar de terem perdido a própria nave). Na recepção em J’naii promovida em homenagem a eles, naquela noite, Riker e Soren procuram um lugar a sós. A ausência de Soren é percebida por seu ex-professor, Krite.

A Enterprise permanece em órbita para mapear o bolsão mais detalhadamente. Entretanto, Riker fica chocado quando, ao entrar nos aposentos de Soren, encontra Krite, que diz saber o que ele e Soren têm feito, e que Soren está sob custódia para garantir que isso não volte a acontecer.

Riker imediatamente se transporta para a superfície e interrompe o julgamento de Soren. Ele diz que nada aconteceu, e que todas as tentativas feitas foram de sua própria iniciativa. Soren, entretanto, se recusa a adicionar outra mentira ao julgamento e audaciosamente anuncia que é de fato uma fêmea. Ela mostra o quão parecida ela é dos j’naii “normais”: eles riem, choram, reclamam e assim por diante. “O que faz vocês pensarem que podem ditar como devemos amar uns aos outros?”, ela alega.

Mesmo assim, o líder j’naii Noor não se sensibiliza com o discurso, aceitando-o como a confissão da “perversão” de Soren. Noor ordena que ela seja levada para tratamento, apesar dos protestos de Riker. O primeiro oficial volta à Enterprise e conta a Picard tudo o que aconteceu, mas Picard diz que, se Noor está decidida, nada pode ser feito – ele avisa Riker dos riscos de pegar a questão e decidir com suas próprias mãos, ao custo de sua vida e carreira na Frota.

Apesar disso, Riker desce ao planeta (junto com Worf, que se voluntaria para ajudar o amigo) e tenta resgatar Soren. Para seu horror, descobre ter chegado tarde demais. Soren agora acredita que suas ações anteriores eram doentias, e diz estar muito mais feliz como uma j’naii “normal”. De coração partido, Riker volta à Enterprise, que deixa o sistema em seguida.

Comentários

“The Outcast” é o primeiro esforço de A Nova Geração para criticar o preconceito contra homossexuais. A alegoria escolhida é a de uma espécie andrógina, os j’naii, que tem entre seus membros alguns que tendem à masculinidade ou à feminilidade, e só podem fazê-lo em segredo. Quando descobertos, são “curados” por uma técnica que inibe seu comportamento “aberrante”. Enredado nessa trama, vemos o comandante Riker, que se envolve romanticamente com Soren e precisa defender que cada um tenha o direito de amar como e quem quiser.

A mensagem é clara, e a alegoria, potente o suficiente para produzir um bom episódio. Ademais, em meio à sensibilidade humana evoluída do século 24, essa é a única maneira de tratar a questão do preconceito com a sexualidade – atribuindo-o a alienígenas.

Contudo, é inevitável pensar que, mesmo para 1992, quando este episódio foi exibido, a atitude é excessivamente conservadora. Quando vemos Riker ou Beverly Crusher discutindo a sexualidade e os gêneros humanos, tudo isso é apresentado de forma bastante convencional, deixando implícito que o espaço de comportamentos é dominado exclusivamente por relações entre homens e mulheres. Em resumo: este é um ângulo do segmento que já nasceu antiquado.

Mais surpreendente – e à frente de seu tempo – é o tratamento dado aos próprios andróginos, que dizem ter um pronome neutro para se descrever. O problema da linguagem neutra entre humanos que se descrevem como não binários só viria a ser enfrentado pela sociedade mais de 20 anos depois, a partir da segunda década do século 21 (com desfecho ainda incerto para o português, mas mais bem encaminhado para o inglês, que adotou a forma gramatical previamente reconhecida they/them).

Também cria algum ruído o fato de que, na história, há algo como uma “cura gay” para os j’naii com comportamento sexuado. Nas entrelinhas, temos a sensação de que é apenas algo como lavagem cerebral ou castração química, mais do que uma cura propriamente dita, mas o episódio não explora isso. Saltando da metáfora para a realidade entre humanos, não há nada mais absurdo que falar em “cura gay”.

O melhor entendimento atual da homossexualidade é de que se trata de fenômeno natural e comum, visto em muitas espécies animais além da humana, e que é uma característica predominantemente não genética, mas definida durante a gestação, influenciada pelo ambiente hormonal no útero. Ou seja, embora não existam “genes gays”, por assim dizer, os que se inclinam à homossexualidade em geral já nascem assim. Não se trata de uma escolha, e não há forma conhecida de reorganizar o sistema nervoso para tornar heteronormativo quem não o é. O que resta para o campo da “cura gay”, ao menos em humanos, é pura repressão, com efeitos psicológicos nefastos. O episódio, na mais generosa das hipóteses, tangencia toda essa questão.

Tirando as limitações da alegoria, temos um drama razoavelmente bem executado, com um papel relevante para Riker e uma atuação convincente de Melinda Culea como Soren, embrulhada em uma história de ficção científica meio vazia sobre um bolsão de “espaço nulo” que, felizmente, faz o possível para não chamar atenção para si mesma.

Avaliação

Citações

“You see commander, on this world, everyone wants to be normal.”
“She is!”
(Percebe, comandante, neste mundo todo mundo quer ser normal.)
(Ela é!)
Noor e William Riker

Trivia

  • Embora a Série Clássica e A Nova Geração em vários momentos tenham abordado o tema do preconceito, até este ponto a homossexualidade não havia sido objeto de um episódio, nem mesmo por alegoria. Já havia pressão dos fãs, com campanhas de cartas, para que relações não heterossexuais fossem vistas em tela. David Gerrold chegou a escrever um roteiro para a série em sua primeira temporada, chamado “Blood and Fire”, que mostraria uma relação homossexual, mas acabou engavetado.
  • Michael Piller relembra: “Roddenberry estava sendo emparedado por cartas e havia discutido conosco antes de morrer a possibilidade de ter dois homens de mãos dadas em alguma cena”. Mas tanto Piller quanto Rick Berman acharam que seria um modo inapropriado de abortar a questão. Disse Berman: “Passamos muito tempo lutando com todos os elementos dos pedidos da comunidade gay para nós de envolver um personagem gay na série. Isso rendeu muita publicidade, boa e ruim. Lutamos com muitas histórias diferentes e bolamos uma metáfora muito óbvia para a comunidade gay e a intolerância que ela recebe neste planeta.”
  • Jeri Taylor se voluntariou entusiasticamente para escrever o roteiro. Ela relembrou assim: “Eu realmente queria fazer, porque, parcialmente, seria controverso e eu gosto disso. A ideia de qualquer drama é tocar os sentimentos das pessoas e engajá-las, seja fazendo-as rir, chorar, sentir raiva. Contanto que você cause algo a elas, você é bem-sucedida, e eu sabia que isso ia apertar um monte de botões em um monte de gente.” Ela completou: “Não sou gay, mas como mulher eu me considero em uma minoria particular; eu sei o que é se sentir deslocada – não exatamente daquele jeito – e senti que tinha um toque com alguns dos sentimentos que devem estar envolvidos.”
  • Piller notou que, diferentemente do que ocorreu em “The Masterpiece Society” e “Ethics”, nessa mesma quinta temporada, os roteiristas não se preocuparam demais em apresentar pontos de vista alternativos em “The Outcast”. Disse ele: “Não acho que haja um outro lado que seja facilmente apoiável. Acho que intolerância é intolerância, preconceito é preconceito, e pode ser dito com todo o fervor e convicção, mas ainda soa como preconceito. Não sei como fazer uma pessoa intolerante atraente.”
  • Duas falas foram cortadas do episódio final: Noor explicando a Riker que os j’naii eram por todos os ângulos uma espécie iluminada, e Riker perguntando: “Então por que Soren não tem escolha sobre sua orientação sexual?”
  • “The Outcast” foi filmado entre 6 e 14 de janeiro nos galpões 8, 9 e 16 da Paramount.
  • Na escalação do papel de Soren, Rick Berman diz ter tentado não se influenciar demais por percepções do que o público consideraria aceitável, “mas ter Riker envolvido em beijos apaixonados com um ator homem poderia ter sido um pouco não palatável para a audiência”.
  • Jonathan Frakes não poderia discordar mais da escalação. “Eu não acho que eles foram corajosos o suficiente para levar aonde deveriam ter levado. Soren deveria ter sido mais obviamente masculino. Nós recebemos muitas cartas sobre este episódio, mas não estou certo de que foi tão bom quanto poderia ter sido – se eles estavam tentando fazer o que chamam de um episódio gay.” Ao saber dos comentários de Frakes, Brannon Braga se perguntou: “Se fosse um homem interpretando o papel, ele o teria beijado? Acho que Jonathan teria, porque ele é um cara corajoso.”
  • LeVar Burton queria que Geordi La Forge tivesse uma barba. O primeiro experimento foi feito neste episódio, mas não foi aprovado. O ator voltaria a aparecer de barba durante as filmagens de “A Fistful of Datas” e “The Quality of Life”, para seu casamento. Geordi voltaria a aparecer barbado nos filmes Insurreição e Nêmesis.
  • O diretor Robert Scheerer aprovou o episódio. “Foi muito bom. Era um episódio único no sentido de que era quase um de duas pessoas; todo mundo está em pequenos pedaços, mas basicamente é cena após cena de dois atores, e é bem tocante.”
  • Jeri Taylor também gostou. “É o episódio dos dois primeiros anos [em que trabalhei na série] de que mais me orgulhei e o que me deixou mais feliz.”
  • Michael Piller ficou satisfeito também. “Achei que Jeri fez um trabalho maravilhoso com o roteiro e para mim esse foi o ponto de virada da temporada, foi aqui que pensei que começamos a fazer televisão excelente de novo.”
  • Após a exibição, os produtores receberam muitas cartas com críticas ao segmento. Algumas vieram de conservadores. Mas mais objeções vieram da comunidade gay, que acharam que o episódio era oblíquo demais e não ia longe o suficiente. Eles apontaram que a homossexualidade não foi sequer mencionada.
  • Rick Berman comentou: “Achei que fizemos uma afirmação muito positiva sobre preconceito sexual de um modo distintamente Star Trek, mas ainda assim recebemos cartas daqueles que pensavam que era apenas o nosso modo de ‘lavar as mãos’ com relação à situação dos homossexuais.”
  • Este episódio canoniza o ano de fundação da Federação: 2161.

Ficha Técnica

Escrito por Jeri Taylor
Dirigido por Robert Scheerer

Exibido em 16 de março de 1992

Título em português: “O Excluído”

Elenco

Patrick Stewart como Jean-Luc Picard
Jonathan Frakes como William Thomas Riker
Brent Spiner como Data
LeVar Burton como Geordi La Forge
Michael Dorn como Worf
Marina Sirtis como Deanna Troi
Gates McFadden como Beverly Crusher

Elenco convidado

Melinda Culea como Soren
Callan White como Krite
Megan Cole como Noor

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Edição de Maria Lucia Rácz
Revisão de Susana Alexandria

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