REVIEW: “O Senhor dos Anéis – As Duas Torres”
Por Luiz Castanheira
Interessantes tempos estes em que uma formal mini-série de mais de nove horas é dividida em três partes e lançada como uma trilogia de filmes para o cinema (um a cada Natal). E o mais incrível, as partes II e III não trazem recapitulação dos filmes anteriores e pouco (ou nenhum) esforço é gasto em fazer dos filmes algo completos em si próprios. O primeiro não tem final, o segundo nem começo e nem fim e o terceiro não traz um claro início. E apesar de todas estas dificuldades a tal “mini-série” é um sucesso colossal de público. Algo que dito mesmo antes do tempo devido soa como uma irretocável certeza.
Mesmo considerando toda a complexidade da história da primeira parte (e do próprio universo de Tolkien), de um elaborado prólogo para dar partida a trilogia cinematográfica e da introdução de vários personagens e da missão de Frodo e cia., a segunda parte eleva o épico do “Um Anel” ao aparente absoluto extremo (apesar de restar a parte final à resposta definitiva a respeito disto). Perdido é o sentido de épico intimista e agora a história parte para um épico de pleno escopo que mostra toda a “Terra Média” lutando pela sua sobrevivência. Três histórias paralelas são utilizadas para descrever este quadro global, com extrema complexidade de detalhes e nuances em cada uma delas e dezenas de personagens, exigindo uma incrível atenção da audiência e apesar de todas estas dificuldades impostas de saída, “As Duas Torres” é um grande sucesso de público. Uma certeza do presente.
Interessantes tempos estes em que uma fortuna em moeda corrente (e paradoxalmente, total liberdade) é dada a um realizador para fazer um projeto tão ambicioso (impossível para alguns) e aparentemente fadado ao fracasso comercial. Em meio à tipicamente míope preocupação comercial dos estúdios e a timidez (ou mesmo comodismo) dos realizadores em atividade. Impossível não achar os resultados do produto acabado nada menos que inspiradores. Fazendo parte de um quadro e de uma história de produção ainda maior e mais interessante que o belo épico que vemos em tela.
Se a adaptação cinematográfica de “Senhor dos Anéis” fosse uma tarefa fácil, ela teria sido feita há muito tempo atrás, a obra é dos anos 50 e cineastas aficcionados existiram e existem. A verdade é que a dificuldade de tal adaptação está muito além de “falta de tecnologia” para dar vida as criações da mente de Tolkien. A estrutura dos três livros, especialmente a do segundo é um colossal desafio à linguagem cinematográfica (o mais curioso – dos tempos em que vivemos – é que por dois anos em seguida tivemos uma prévia de como NÃO adaptar um livro para o Cinema com os dois primeiros filmes da série literária de “Harry Potter” – pilotados pelo incrivelmente medíocre Chris Columbus). Como transpor a barreira das mídias e ainda assim preservar o espírito da obra original (que na realidade é a ÚNICA coisa que precisa ser realmente preservada em uma adaptação)? Tal pergunta só teve resposta agora, com Peter Jackson e cia.
Este pequeno interlúdio serve como um sincero “parabéns” a Jackson (cujos elogios como roteirista, diretor e produtor estão espalhados por todos os cantos deste artigo) e equipe pela visão (sem dúvida o maior triunfo do realizador e do seu pessoal) apresentada e pela fenomenal execução levada a cabo. Os valores de produção da segunda parte são pelo menos tão bons (senão melhores) quanto os da primeira: elenco (uniformemente sólido a menos quando dito o contrário no texto, Mortensen particularmente cresceu muito juntamente com o seu personagem e Andy Serkis foi de fato excepcional), fotografia, direção de arte, locações (a beleza natural da Nova Zelândia vai continuar viva mesmo quando toda a CGI usada no filme se tornar completamente ultrapassada), trilha sonora (parecendo querer imortalizar definitivamente os temas de Howard Shore), efeitos visuais e todo o restante são de uma qualidade a toda prova.
Fica-se a certeza que os dois primeiro filmes são definitivamente da mesma fazenda de tecido, resta saber (já entrando em um comentário específico de “As Duas Torres”) se os dois trajes são igualmente belos…
Em vista da grande antecipação do público em geral pela sua estréia e da aprovação de quase 100% da nata da crítica NORTE-AMERICANA, à parte II da trilogia de Jackson traz consigo três questões: Ele é bom? Ele é melhor que o primeiro? Ele poderia ser melhor?
Ele definitivamente é um grande filme, o tipo de filme que podemos especular que daqui a vinte anos será olhado (conjuntamente com o seu antecessor e – especulando sobre a especulação – o seu sucessor) como um clássico moderno do cinema e um divisor de águas em seu gênero (em diversos aspectos).
O segundo exemplar da trilogia é um filme mais difícil que o anterior (que convenhamos, também não era fácil, mas por diferentes razões), mas em um certo sentido mais satisfatório por ter oferecido um grande “payoff” com a derrota de Saruman (cuja queda formal se dará na conclusão da saga).
Como o anterior, ele poderia ter sido melhor. O maior problema se encontra na história envolvendo os Ents e algumas tentativas de humor (entre outros detalhes bem menores), mas francamente os pontos fortes do filme são tão apaixonantes (e tão numerosos) que os problemas são facilmente esquecidos. Mas de qualquer forma, as virtudes e defeitos do filme são descritos abaixo na forma de uma espécie de “sinopse comentada”.
O filme já começa em grande estilo. Jackson esnoba a todos (os poucos) que não viram a parte anterior (como não gostar de uma cara assim?) e abre o filme mostrando os detalhes da queda de Gandalf e do Balrog. Tal seqüência captura a audiência de uma forma absolutamente visceral (mostrando de forma absolutamente irrefutável que a visão de como usar efeitos visuais é mais importante que os efeitos visuais em si) e não a deixa escapar até o término da projeção. A partir daí Jackson empilha momentos e mais momentos inesquecíveis que dificilmente serão esquecidos por um bom tempo pelos fãs do cinema de Fantasia ou fãs de bom cinema em geral, simplesmente.
As três histórias podem ser escaladas igualmente em tempo de tela e (felizmente) em qualidade. Foi uma tarefa hercúlea de edição de colocar tais histórias correndo em paralelo de forma harmoniosa (o comentário segue com as histórias tratadas em seqüência, mas elas se realizam simultaneamente). A dificuldade é maior do que pode se imaginar, as histórias têm diferentes atmosferas e andamentos, apesar de ajudarem a descrever um mesmo estado global de guerra na “Terra Média”.
História de Merry (Dominic Monaghan), Pippin (Billy Boyd) e os Ents: Este é sem dúvida o “calcanhar de Aquiles” do filme (e felizmente é a parte que toma menos tempo da projeção). Este trecho claramente recebeu a menor atenção por parte de Jackson e cia. A concepção e execução visual de Treebeard (Barbárvore)(e dos Ents) não estão no nível da de Gollum (pior não estão no nível nem das criações dos Wargs – já meio decepcionantes -, Olifantes ou mesmo das pouco proporcionais montarias aladas dos Nazgul – sendo a pior “criatura” do filme). A voz usada de John Rhys-Davies (o ator do anão Gimli) é por demais característica, enfatizando o aspecto mal acabado de Treebeard. Isto sem falar na maior mancada de edição do filme, quase sempre cortando para Merry e Pippin nos ombros do velho Ent caminhando, dando um aspecto simplório à fita nestes momentos (o que claramente o filme não é em termos gerais).
Esta parte da história tem o objetivo de desenvolver Merry e Pippin e em certo sentido assim o consegue, mas a lógica envolvida e o seu andamento são largamente questionáveis. Se Gandalf (que esteve em Isengard) se encontrou com Treebeard, por que o mago não disse sobre o ocorrido com as árvores e pediu a ajuda dos Ents? (em uma nota acessória, Gandalf não diz a Aragorn e cia. que encontrou os dois Hobbits) Estranho também que um dito “pastor de árvores” não tivesse conhecimento por si só do desmatamento promovido por Saruman. E ao final (mesmo com tudo isto) devemos aceitar a solução simplista de Pippin, tal parte definitivamente destoa do restante do filme.
Felizmente o “payoff” desta parte da história foi largamente satisfatório (ainda que com um certo ar de “está na hora do pau” (TM)) com a “fúria da natureza” (dos Ents e do rio Isen) destruindo Isengard.
História de Frodo (Elijah Wood), Sam (Sean Astin) e Gollum/Sméagol (Andy Serkis): Aqui acompanhamos a continuação da Jornada dos outros dois Hobbits (da “Sociedade Do Anel”) para levar o anel a Mordor, na parte da história que é mais próxima do tom do filme anterior mantendo uma espécie de “análise psicológica” do poder do “Um Anel”. Eles conseguem capturar Gollum e se estabelece (para total desconfiança de Sam) uma estranha relação entre a criatura e Frodo. O portador do “Um Anel” parece ser incapaz de desistir de Sméagol (quem um dia Gollum foi, antes de ser pervertido pelo “Um Anel”) assim como nunca poderia desistir de si próprio. Guiados pela criatura eles seguem rumo a Mordor (eles estavam andando em círculos).
Gollum é o personagem mais complexo (com inúmeras facetas, algumas extremamente engraçadas, algumas dignas de pena, outras dignas de ódio) e interessante da história e é um marco na utilização de CGI em personagens de um filme de “Live Action”. Jackson não esconde em nenhum momento a natureza digital do personagem e abusa de closes extremos, explicitando uma robustez na criação da criatura absolutamente inédita no cinema até então. Em um dado momento enquanto os Hobbits dormiam as facetas “Gollum” e “Sméagol” da criatura lutam entre si (e curiosamente “Sméagol” assume o controle ao menos momentaneamente) em uma das melhores cenas do filme, em um triunfo de direção e da atuação do ator Andy Serkis, que ajuda a trazer a vida a primeira criatura digital genuinamente com coração da história do Cinema.
Por ironia, o maior perigo que o trio enfrenta (ao menos por enquanto) não é o poder de Sauron – apesar da visão dos portões de Mordor (manejados por gigantescos Trolls) ser particularmente majestosa, mas sim a conhecida fraqueza humana. Eles são capturados por Faramir (irmão do falecido Boromir também da “Sociedade Do anel”). Faramir (vivido por um claudicante David Wenham) desconfia desde o início do pitoresco trio viajando próximo a Mordor e quando descobre que Frodo carrega o “Um Anel” quer fazer deste um presente para o seu pai, o rei de Gondor. Entendam a nação dos homens está prestes a cair frente à fúria de Sauron e eis que aparece ao alcance das mãos do seu regente a arma definitiva. Seria não-humano se ele não fosse tentado a tomar o “Um Anel” para salvar o seu povo. Tal dinâmica é completamente justificada pelo lado de Faramir (sua desconfiança), atrapalha a missão de Frodo (já tão difícil), aumenta o conflito entre Sam e Frodo e faz ressurgir o lado perverso de Gollum. Grande drama. O trio é levado a uma cidade humana bem próxima a Mordor, a ponto de ser destruída pelas forças de Sauron. Com a chegada de um Nazgul, Frodo fraqueja e quase coloca o “Um Anel” se revelando a Sauron. Sam salva o amigo e depois é quase morto por Frodo já fora de si.
As cenas entre os amigos e um discurso inspirado de Sam (o formal clímax do filme) sensibilizam Faramir que deixa o trio partir, mesmo que tenha que enfrentar a morte por isto. Nisto, quando os três retomam a Jornada para Mordor, eis que Gollum tem mais um embate consigo próprio (mais uma vez brilhante) e o seu lado malvado ganha a discussão desta vez. Ele planeja guiar os dois Hobbits para uma armadilha em que “Ela” poderá ser servir dos dois e ele ficar com o seu “Precioso”. Um final perfeito para a história (ou melhor, o melhor “final sem ser final” para a história – uma espécie de “Cliff-Hanger Light” (TM)).
História de Aragorn (Viggo Mortensen), Gandalf (Ian McKellen), Legolas (Orlando Bloom) e Gimli (John Rhys-Davies) em Rohan: Esta é a mais importante e mais interessante parte da história. E se mostra um grande “setup” para o futuro reinado de Aragorn. Novamente reunidos, após a ressurreição de Gandalf (agora Gandalf, O Branco) após o seu combate com o Balrog (as imagens do final de tal confronto e da volta a vida de Gandalf são nada menos que sensacionais), “O Quarteto Parada Dura Da Sociedade Do Anel” (TM) vai para Edoras, capital de Rohan, um reino de humanos sofrendo ataque pesado de Saruman. Théoden (Bernard Hill), o rei local foi enfeitiçado por Saruman (Christopher Lee), via o tenebroso Grima (um sempre excelente Brad Dourif) e está em um estado catatônico. Nada melhor que Gandalf para “exorcizar” o rei em uma cena que tem um final interessante, em Isengard (!) com Saruman no chão com o nariz sangrando. Rapidamente o recuperado rei chuta (literalmente) o traseiro de Grima para fora do seu reino. Conhecemos também Éowyn (vivida pela bela e competente Miranda Otto), sobrinha de Théoden. Habilidosa com a espada e que começa a se apaixonar por Aragorn.
Théoden decide recuar para a fortaleza do seu povo no abismo de Helm, Gandalf não fica contente com a decisão do soberano e parte a procura de ajuda. Aragorn promete ao mago que a defesa da fortaleza vai agüentar até ele voltar. No translado do povo de Rohan a Helm, eles são atacados por Orcs montados em Wargs. Aragorn cai no rio e parece perdido para os seus companheiros, ele é achado pelo seu cavalo na margem (os cavalos de Rohan têm habilidades especiais), que o leva para Helm. Ele sonha com a Elfa Arwen (Liv Tyler) e descobrimos da importância dela para o fato dele ter aceitado participar da “Sociedade do anel” em primeiro lugar (lembranças dos seus últimos momentos em Rivendel antes dele partir) como parte do seu destino como futuro rei de Gondor. Jackson parece tratar com o máximo de sensibilidade e cuidado do amor entre o futuro rei e a Elfa.
Em Rivendel, no presente, seu governante Elrond (Hugo Weaving) convence sua filha Arwen a partir para Valinor, descrevendo o futuro dela com Aragorn, que mais cedo ou mais tarde irá morrer e ela irá morrer de desgosto depois. As imagens que acompanham esta conversa são belíssimas e a narrativa é absolutamente poética, alem de oferecer mais “setup” para a história de Aragorn. Arwen aparentemente aceita. A Elfa Galadriel (Cate Blanchet), governante de Lothlorien entra em uma espécie de contato telepático com Elrond e o convence a ajudar os humanos (a voz de Blanchet é incrivelmente efetiva e o texto é maravilhoso).
Aragorn finalmente chega a Helm e avisa que um exército de mais de dez mil dos Uruk-Hai (“Orcs Turbinados”) de Saruman se aproxima e chegará a fortaleza ao anoitecer. A defesa do povo de Rohan se prepara, mas a moral dos seus pouco mais de 300 combatentes está muito baixa. Eis que por um milagre uma legião de Elfos chega a fortaleza, enviada por Elrond e comandada por Haldir (Craig Parker), em outro grande momento no filme. A marcialidade dos Elfos é um tesão de assistir e a esperança que eles trazem é tangível.
Em meio a uma noite chuvosa, as forças de Saruman atacam. As forças de Rohan resistem bem até que os Orcs explodem a muralha (em uma manobra envolvendo uma espécie de “Tocha Olímpica Orc” ™, do tipo quanto menos se falar, melhor). Os atacantes são numerosos demais e os leais a Théoden recuam para o interior da torre. Em uma manobra desesperada, para dar algum tempo as mulheres e crianças fugirem pelos túneis sob a fortaleza, Aragorn pede que o rei cavalgue com ele uma vez mais. Gimli toca a trompa da fortaleza e em um momento quase que surreal e absolutamente brilhante, um punhado de humanos cavalga pela ponte pegando a multidão dos Orcs de surpresa e ganhando algum tempo. Gandalf surge no horizonte com as forças leais a Éomer (Karl Urban, sobrinho de Théoden e exilado por ordem de Grima), as forças de Saruman são pegas no fogo cruzado e forçadas a recuar com severas baixas.
Toda a seqüência do abismo de Helm é um grande triunfo cinematográfico (mesmo com algum humor meio mal colocado, quebrando a tensão e a necessidade de alternar com cenas envolvendo os Ents anteriores ao ataque final deles a Isengard), a chegada de Gandalf (mesmo esperada e mesmo sendo um clichê clássico) foi de uma beleza que fica difícil colocar em palavras, estonteante. A audiência parece “mergulhar” por sobre os Orcs, junto com Gandalf e cia.
Aragorn definitivamente não é um humano comum, suas habilidades de luta e mesmo de liderança são completamente fora da realidade humana. Théoden era bastante capaz, mas Aragorn ocupa definitivamente um patamar muito mais elevado (esta foi uma clara preocupação de Jackson no desenvolvimento do personagem, preparando-o para a conclusão da história). Gandalf apareceu pouco desta vez, mas foi absolutamente crucial para a história. Legolas como herói de ação parece imbatível, um verdadeiro espetáculo (apesar da cena do “Surfe Com Escudo Escada Abaixo” ter sido “um pouco” demais). Gimli se mostrou também um belo matador de Orcs e como alívio cômico da vez (um elemento trazido do filme anterior e expandido aqui) ele teve altos e baixos. Mas felizmente o fato dele próprio rir das sus peculiaridades físicas minimizou tais problemas advindos deste tal “Humor Anão” (TM).
Outros grandes momentos do filme: a chegada do cavalo Scadufax, os exércitos de Saruman perfilados em Isengard e a lágrima solitária de Grima frente a tal espetáculo, Théoden no túmulo do filho Théodred (Paris Howe Strewe), Théoden recitando um belo poema antes da batalha em Helm, a morte de Haldir (incrivelmente visceral) etc.
A “Parte Média” da saga da “Terra Média” de Jackson é uma ponte sólida para o “payoff” definitivo que virá no próximo natal. Novos personagens e linhas de história são introduzidos, velhos favoritos são desenvolvidos e Saruman é derrotado. Restam poucas dúvidas que a saga irá se encerrar com chave de ouro, mas é enorme a curiosidade pelo potencial escopo épico e a emoção a serem conjuradas pela sua conclusão. Interessantes tempos, sem dúvida.
Recomendação: 



Luiz Castanheira é editor do Trek Brasilis
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