ENT 2×14: Stigma

T'Pol em Stigma

Alegoria baseada na crise da aids tenta levar série às origens clássicas

Sinopse

Data: Desconhecida

Enquanto a Enterprise ruma para um planeta em que o Programa de Intercâmbio Interespécies está realizando uma conferência médica, Phlox diz a T’Pol que ela precisa de tratamento para uma condição médica conhecida como síndrome de Pa’nar, ou poderá sucumbir e morrer.

Phlox diz à primeiro oficial que ele poderia ir ao planeta e obter pesquisa médica recente com o grupo vulcano. T’Pol em princípio recusa, mas o doutor lhe garante que conseguiria os dados sem revelar sua condição. E é o que ele faz. Falando com três médicos vulcanos, ele requisita informações sobre a síndrome. Ele diz ao trio que há uma doença denobulana muito similar para a qual não há cura e um colega de seu planeta natal pediu as últimas novidades no front de pesquisa vulcano.

Conferência médica - Enterprise Stigma

Apesar da argumentação do médico da Enterprise, os vulcanos hesitam em ceder os dados de pesquisa, pois consideram a síndrome de Pa’nar uma doença ligada a ações não-toleradas em sua sociedade — o que acabou tornando o estudo pela busca da cura uma atividade de baixa prioridade entre os médicos vulcanos. Ainda assim, eles dizem que vão considerar o pedido de Phlox.

Enquanto isso, na Enterprise, a segunda esposa do denobulano, Feezal, vem a bordo para ajudar Trip a instalar um novo microscópio. Phlox e Feezal não se viam por quatro anos. Quando Archer sugere que eles devem querer passar algum tempo juntos antes de ir trabalhar, Phlox aponta que outra hora ou dia não farão muita diferença.

Phlox conversando com doutores vulcanos, Dr. Oratt, Dr. Strom e Dr. Yuris

Os vulcanos com quem Phlox falou anteriormente vão até a Enterprise para falar pessoalmente com o médico e com T’Pol sobre a síndrome de Pa’nar, embora não saibam que a vulcana está sofrendo da doença. Eles questionam os dois sobre seu conhecimento da enfermidade e deixam claro que não aprovam vulcanos que participam dos atos que a transmitem — elos mentais. Eles dão a T’Pol um padd para ver se ela reconhece algum dos nomes listados nele. Mas, quando saem, a real razão para esse padd é revelada: obter amostras de T’Pol para determinar se ela tem ou não a doença.

Na enfermaria, Trip e Feezal começam a montar o microscópio e a denobulana passa a flertar com o engenheiro. Trip fica embaraçado por levar cantadas tão diretas da esposa de seu médico.

Depois de ser contatado pelos médicos vulcanos, Archer chama Phlox e T’Pol para discutir a situação. Ele critica os dois por não terem revelado a ele a situação médica da vulcana, mas T’Pol explica que a doença é estigmatizada em sua sociedade, o que a obrigou a manter silêncio. Segundo T’Pol, ela contraiu a doença no ano anterior, depois que Tolaris e outros vulcanos rebeldes estiveram visitando a Enterprise. Inabalado, Archer decide ir à superfície pedir a ajuda dos médicos vulcanos, mas sem sucesso.

T'Pol, Phlox e Archer

Quando o capitão chama T’Pol para dizer que não conseguiu a ajuda, ela diz que o dr. Yuris, um dos três médicos que antes haviam estado a bordo da Enterprise, a contatou. A primeiro oficial vai até o planeta para se encontrar secretamente com ele e lá Yuris dá a ela as últimas pesquisas sobre a síndrome. Ao ser questionado sobre o porquê, o vulcano revela que faz parte da “minoria” que pode iniciar elos mentais. Ela, em contrapartida, diz que foi forçada a fazer um elo mental e, por isso, contraiu a doença. O médico, então, diz que ela deveria contar isso aos vulcanos, mas ela se recusa.

De volta à Enterprise, os avanços de Feezal estão se tornando mais óbvios. Trip conta a Malcolm sobre isso e decide revelar a Phlox o que sua mulher anda fazendo. Phlox, por sua vez, fica surpreso ao ver que Trip não quer corresponder aos apelos da denobulana. Ele lembra a Trip que ele se juntou à Frota Estelar para aprender sobre novas culturas e que essa era uma boa oportunidade, mas Trip não consegue conciliar o fato de Feezal ser casada com Phlox com essa noção de “exploração”.

Esposa do Phlox, Feezal, dando em cima do Tucker

Os médicos, então, comunicam que T’Pol está sendo destituída de seu cargo na Enterprise e chamada de volta a Vulcano. Mais uma vez furioso, Archer vai ao planeta e exige uma audiência de apelação. Contrariados, mas pressionados pela lei, os médicos aceitam. Durante a reunião, T’Pol se recusa a revelar que foi contaminada por um elo mental forçado, mas Yuris se sente obrigado a salvá-la e revela o que ocorreu, também revelando que ele faz parte da “minoria”.

T’Pol se recusa a confirmar o relato de Yuris, para evitar apoiar o duplo padrão usado pelos vulcanos para tratar as vítimas voluntárias e involuntárias da contaminação. Mas os médicos acabam acreditando na versão do doutor e T’Pol é autorizada a seguir a bordo da Enterprise. Yuris, entretanto, não tem a mesma sorte e perde sua posição no conselho médico.

Comentários

“Stigma” foi aventado como um retorno às origens para Jornada nas Estrelas, mas o que o episódio faz de melhor é demonstrar exatamente o distanciamento hoje vigente entre as raízes da franquia e seu estado atual.

Durante a Série Clássica, Gene Roddenberry decidiu camuflar histórias com relevância social contemporânea em conceitos e enredos ficcionais ambientados no futuro, a fim de poder se expressar e, ao mesmo tempo, fugir dos censores da rígida rede de TV NBC. Na ocasião, as ideias propagadas pela série estavam à frente de seu tempo.

Trinta e seis anos depois, Enterprise se propõe novamente a estabelecer um elo com o mundo contemporâneo, produzindo um episódio alegórico de um problema atual. Em vez de fugir dos censores, os produtores da série foram instados pelos executivos a fazer um episódio desse tipo. E o resultado final acabou não sendo particularmente novo ou revolucionário.

Ironicamente, “Stigma” funciona melhor como uma história ambientada no universo fictício de Enterprise do que como uma metáfora para a crise da aids/HIV, pertencente aos tempos atuais. No episódio, os produtores acabaram se voltando para um aspecto ultrapassado, para dizer o mínimo, ligado à epidemia da aids: seu elo com a homossexualidade.

Title Card Enterprise Stigma

Não é preciso ser nenhum gênio para ver que a “minoria vulcana” é um paralelo da “minoria homossexual” que é vitimada pela síndrome de Pa’nar, a “aids vulcana”. Embora trabalhada com razoável boa-fé por parte dos produtores, ainda que de forma não inspirada, a alegoria está totalmente desatualizada com o atual estado da doença.

Dez ou quinze anos antes da produção do episódio, havia uma forte associação entre aids e homossexualidade — quase uma relação de causa e efeito era estabelecida na época. Naquele período, esse episódio acertaria em cheio o problema e faria muito para esclarecer o público a respeito da questão. Hoje, a aids já não é mais uma doença ligada aos homossexuais e até o conceito de “grupos de risco” está em crescente desuso. O vírus HIV já se espalhou o suficiente para que a homossexualidade se tornasse fator secundário na questão.

Dr Yuris e T'Pol

A título de curiosidade, durante a primeira temporada de A Nova Geração, David Gerrold propôs um episódio chamado “Blood and Fire”, que serviria justamente como uma alegoria para a aids e seu elo com a homossexualidade. Na ocasião, o episódio acabou descartado, principalmente em razão de pressões do estúdio (embora há quem diga que o roteiro de Gerrold era só ruim mesmo). Se “Stigma” tivesse nascido ali, seria especialmente relevante. Hoje, ele tem pouco a acrescentar.

Pior: ele transmite a noção errada, desatualizada, das questões sociais que envolvem a epidemia da aids. Ou seja, enquanto campanha de conscientização promovida pela Viacom, empresa-mãe da Paramount Pictures, “Stigma” é um desastre.

Felizmente, não é esse o parâmetro de julgamento que nos interessa. A questão que os fãs se fazem a cada episódio é: “Esse episódio foi bom, no contexto da série e do universo de Jornada nas Estrelas?” E, para essa pergunta, a resposta é bem mais agradável.

T'Pol e Dr. Yuris

Em “Fusion”, Enterprise nos apresentou o estranho conceito de que as uniões de mentes são um tabu na sociedade vulcana — algo que parece totalmente incoerente com as séries seguintes. “Stigma” parece apresentar uma explicação razoável para esse tabu, demonstrando o porquê do repúdio à prática, tanto em termos culturais como em termos médicos.

Com a descoberta de uma cura para a síndrome de Pa’nar, não é difícil imaginar um futuro em que os elos de mentes se tornem comuns e aceitos na sociedade vulcana. O universo fictício de Jornada recupera o sentido perdido em “Fusion” de uma forma crível, o que é muito bom.

A exposição da cultura vulcana como um todo pode também parecer exagerada aqui, mas é totalmente coerente com o que vimos desses alienígenas até agora em Enterprise. Há decididamente a ideia de mudar a aparência cultural dessa espécie — uma mudança que encaro com particular interesse e que, ao menos, parece ser conciliável (via mais episódios como esse) com o que os vulcanos dos século 23 e 24 acabarão se tornando.

Doutores vulcanos na Enterprise com Archer, T'pol e Phlox

Saindo do quesito enredo, o episódio oferece material interessante para alguns de nossos personagens regulares. Archer mostra a cada dia mais confiança e capacidade no comando da Enterprise e Phlox tem a chance de apresentar suas duas facetas no mesmo segmento — a de médico sério e a de alívio cômico.

Aliás, a escolha da trama secundária do episódio — o jogo de sedução de Feezal, uma das esposas de Phlox, com o acanhado engenheiro Trip — é interessante em vários aspectos. Além de funcionar por si mesma, graças especialmente ao talento infindável de Connor Trinneer, ela serve como um eco bem-humorado da trama principal — ambos lidam, em maior ou menor grau metafórico, com tabus sociais, especialmente vinculados à sexualidade.

Trinneer como sempre está no controle absoluto de seu personagem. Mesmo que Trip aqui tenha voltado a ser um acanhado engenheiro do sul dos EUA, em vez de o “lady’s man” de outras jornadas, o ator faz do engenheiro alguém com quem a audiência pode realmente se identificar e apreciar.

Tucker com Phlox e sua esposa Feezal

Mas, claro, o grande destaque fica mesmo por conta de T’Pol. Jolene Blalock mais uma vez traz uma bela interpretação da personagem — que parece brilhar justamente em momentos como esse, em que está prestes a explodir (de um modo todo vulcano, é claro).

Os personagens convidados não me parecem especialmente tocantes. São apenas peças necessárias à trama, que pecou mais uma vez pela falta de ousadia. Embora T’Pol termine o episódio ainda doente e a síndrome continue sendo incurável, o tratamento já fará com que a doença seja “esquecível” pelos produtores durante o restante da série.

T'Pol em Stigma

Além disso, pela terceira vez T’Pol ameaça deixar a Enterprise e acaba permanecendo, também pela conveniência de manter o status quo (as ocasiões anteriores foram em “Breaking the Ice” e “Shadows of P’Jem”). O recurso, que, de cara, já tinha pouco apelo dramático (principalmente em razão do já conhecido conservadorismo dos produtores), a essa altura já não tem mais nenhum.

Os valores de produção são, como de costume, excelentes. As tomadas panorâmicas em CGI do congresso do Programa de Intercâmbio Interespécies são, ainda que um pouco falsas, esteticamente agradáveis, e algumas tomadas da Enterprise em órbita conseguem realmente trazer novas cores para a mais tradicional cena recorrente de efeitos especiais feita em Jornada nas Estrelas.

Avaliação

Citações

“You can’t dismiss someone just because you don’t like the way they conduct their personal life.”

(Você não pode desconsiderar alguém só porque não gosta de como ela conduz sua vida pessoal.)
Archer
“Where I come from, everything is open for debate.”
(De onde eu venho, tudo está aberto para debate.)
Archer

“Any man would be a fool to ignore the romantic overtures of healthy Denobulan woman. Don’t you find her attractive?”
“Aw sure… I mean, no… she’s your wife.”
“What does that have to do with it?”
“She’s your wife?!”
“Oh nonsense. Nonsense! You’re too concerned with human morality. I thought you wanted to learn about new cultures, isn’t that why you joined Starfleet?”
“I was taught you never fool around with another man’s wife. Don’t think I’m ever going to change my mind about that.”
“As you wish. Your loss.”
(Qualquer homem seria um tolo de ignorar o interesse romântico de uma mulher denobulana saudável. Você não a acha atraente?)
(Aw claro… quer dizer, não… ela é sua mulher.)
(E o que isso tem a ver?)
(Ela é sua mulher?!)
(Oh, bobagem. Bobagem! Você está muito preocupado com moralidade humana. Pensei que queria aprender sobre novas culturas, não é por isso que você se juntou à Frota Estelar?)
(Eu aprendi que você nunca deve mexer com a mulher de outro. Não acho que eu vá mudar de ideia quanto a isso..)
(Como preferir. Azar o seu.)
Phlox e Tucker

Trivia

  • O episódio foi escrito por Rick Berman e Brannon Braga, como parte da contribuição de Enterprise para a campanha de conscientização do HIV/aids promovida pela Viacom, empresa-mãe da Paramount. “À moda da ficção científica e, mais especificamente, na tradição de Jornada nas Estrelas, decidimos criar a premissa com metáforas”, disse Berman. “Lidamos com uma situação alienígena, algo que iria transformar a ideia toda, a iniciativa toda, em uma visão de um outro ponto de vista.”
  • Michael Ensign já havia interpretado o ministro Krola em “First Contact”, de A Nova Geração, o embaixador Lojal em “The Forsaken”, de Deep Space Nine e o bardo em “False Profits”, de Voyager. Jeffrey Hayenga interpretou Orta em “Ensign Ro” (A Nova Geração).
  • O episódio destaca a primeira aparição de uma das três esposas do dr. Phlox, Feezal. Ela é a segunda personagem denobulana a aparecer em Enterprise.
  • A filmagem do episódio tomou sete dias, de 12 a 20 de novembro de 2002.
  • “Eu acho que é muito apropriadamente chamado “Stigma”, porque a doença tem um estigma”, disse Jolene Blalock. “Você sabe, muitas pessoas boas e amáveis e solícitas e bem-intencionadas — elas querem olhar para isso.”
  • “Achamos que seria uma ideia interessante se os vulcanos que fossem capazes de fazer elos de mentes fossem uma minoria e uma minoria estigmatizada”, disse o produtor-executivo Brannon Braga. “Porque é considerado um ato estranho e íntimo que a sociedade vulcana não aceita e tem essa doença terrível que pode ser transferida por elos de mentes.”
  • “Meu personagem fica chocado que: a) isso existe na cultura deles e; b) que esses médicos não querem divulgar informações sobre isso porque eles querem que desapareça, eles querem ignorar”, disse Scott Bakula.
  • Blalock está feliz de como a série está tratando a luta de T’Pol como vítima de uma doença como a aids. “Basicamente falamos de como lidar com isso. Como lidamos ao viver com isso, como lidamos ao tratar disso e como lidamos com pessoas lá fora que preferem ignorar isso? Eu acho que é muito sábio, eu acho que é um ângulo pelo qual não muitas pessoas olham.”
  • Para Scott Bakula, outro fator interessante é o uso do famoso ‘elo de mentes vulcano’ como propulsor para a história. “O que é ótimo sobre esse episódio é que ele vira do avesso a coisa toda do elo de mentes vulcano”, ele disse. “Vai deixar as pessoas doidas. A coisa favorita sobre os vulcanos, sempre, foi essa habilidade de elo de mentes e o fato é que, em sua origem, não era uma coisa percebida positivamente em Vulcano. É uma grande história a adicionar à coleção.”
  • Rick Berman explica mais. “Isso é algo que seria diferente na época de Kirk ou Picard, mas em nosso século há definitivamente um estigma contra as pessoas que vão contra os costumes e políticas normais e tentam esse ato emocional e íntimo de elo de mentes.”
  • Para John Billingsley, episódios como “Stigma” são o melhor que há — alegorias, no melhor estilo da Série Clássica. “É o que fez da primeira série um sucesso. Eles falavam de questões contemporâneas.”
  • Billingsley diz que Enterprise normalmente não tem um foco social. “Essa série é mais preocupada com ação-aventura. Eles estão tentando atingir a audiência masculina dos 18 aos 35 anos. É uma pena, de certo modo, jogar com um alvo demográfico.”

Ficha Técnica

Escrito por Rick Berman & Brannon Braga
Dirigido por David Livingston

Exibido em 5 de fevereiro de 2003

Títulos em português: “Estigma”

Elenco

Scott Bakula como Jonathan Archer
Jolene Blalock como T’Pol
John Billingsley como Phlox
Anthony Montgomery como Travis Mayweather
Connor Trinneer como Charlie ‘Trip’ Tucker III
Dominic Keating como Malcolm Reed
Linda Park como Hoshi Sato

Elenco convidado

Melinda Page Hamilton como Feezal
Michael Ensign como dr. Oratt
Bob Morrisey como dr. Strom
Jeffrey Hayenga como dr. Yuris
Lee Spencer como médico vulcano

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Edição de Mariana Gamberger
Revisão de Nívea Doria

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