TOS 2×10: Journey to Babel

Episódio desenvolve Spock e apresenta elementos da política da Federação

Sinopse

Data estelar: 3842.3.

A USS Enterprise é incumbida de transportar vários embaixadores de diferentes raças alienígenas para uma conferência que iria determinar a admissão de Coridian, um sistema estelar, na Federação. Coridian possui um suprimento quase ilimitado de cristais de dilítio, mas a pequena população e a falta de governo permitiriam que operações ilegais de mineração por estrangeiros interessados apenas em explorar seus recursos naturais ocorressem.

Sarek é o embaixador de Vulcano, está acompanhado pela sua esposa Amanda – que é humana – e, para surpresa de Kirk e McCoy, são os pais de Spock. Também para surpresa de Kirk, Sarek mostra-se extremamente frio e distante de Spock, aparentemente porque Spock escolheu devotar sua vida à Frota Estelar em vez da Academia de Vulcano.

A conferência terá lugar num planeta neutro, com nome de código “Babel”. McCoy questiona Amanda sobre Spock e descobre que, quando criança, ele teve um animal de estimação, mas esse “bichinho” tinha quase 2 metros de altura e garras afiadas. Enquanto isso, Uhura detecta uma transmissão não identificada vinda de dentro da Enterprise e, subsequentemente, Chekov detecta uma pequena nave de origem desconhecida em curso paralelo, exatamente fora do alcance dos fêiseres da Enterprise e em velocidade de dobra 10.

O tenente Joseph relata que o embaixador telarita Gav foi encontrado assassinado. McCoy conclui que a morte foi instantânea, causada pela quebra do pescoço da vítima por algum expert na arte de matar. Spock explica que os vulcanos possuem método semelhante de terminar com a vida, chamado tal-shaya. Isso torna Sarek um suspeito da morte do telarita, já que havia se envolvido numa altercação com ele após acusar seu povo de serem contrabandistas de Coridian. No entanto, quando Kirk começa a questionar o embaixador vulcano, Sarek sofre um ataque cardíaco e explica que, no momento em que Gav foi morto, ele teve outro ataque que o impossibilitara de ter cometido qualquer crime.

Enquanto isso, Spock detecta emissões de trititânio do casco de uma nave alienígena depois de ela transmitir uma mensagem. Uhura determina que a mensagem foi recebida em algum lugar a bordo da Enterprise. No entanto, Spock não é capaz de decodificar o fragmento da mensagem que Uhura interceptou.

Sarek revela que teve três ataques cardíacos previamente e que vinha tomando bengacidrina para combater o problema. Ele necessita de uma cirurgia de coração aberto, mas a Enterprise não possui depósitos de sangue suficientes para a realização da cirurgia, principalmente por causa do tipo sanguíneo raro do embaixador, tipo T negativo. Apesar do fato de o sangue de Spock ser uma mistura de fatores humanos e vulcanos, ele se dispõe a doar seu sangue para uma transfusão para Sarek, após McCoy usar um estimulante experimental para aumentar a taxa de produção de sangue.

Thelev, um membro da equipe do embaixador andoriano luta com Kirk e acaba por esfaqueá-lo. O capitão requer cuidados médicos, então Spock tem que assumir o comando da Enterprise. Nessas circunstâncias, ele relata que não poderá mais realizar a transfusão para Sarek e não poderá passar o comando da nave para mais ninguém, porque ele é a pessoa mais qualificada para o comando sob aquelas circunstâncias. Amanda, sua mãe, implora para que ele mude de ideia, mas Spock se recusa.

Finalmente, Kirk finge estar totalmente curado de seus ferimentos – com a aprovação relutante de McCoy – e retoma o controle da Enterprise, ordenando que Spock se apresente à enfermaria. Uhura detecta outra transmissão originária da Enterprise, contudo, dessa vez, consegue triangular o sinal, descobrindo que este se originava da cela onde o andoriano está preso. Uma busca da segurança revela um transmissor escondido em uma de suas antenas, que se mostra falsa.

A Enterprise, então, é atacada pela nave alienígena que a rondava, enquanto Sarek e Spock estão na mesa de cirurgia, colocando suas vidas fiquem em perigo. A nave se move muito rápido, impedindo a Enterprise de conseguir atingi-la, enquanto o inimigo consegue atirar contra a nave de Kirk inúmeras vezes, fazendo com que ela perca um de seus escudos. O capitão, então, engana seus inimigos, desligando os escudos e boa parte da energia da Enterprise, fazendo seus atacantes acreditarem que a nave está à deriva e impotente. Quando a nave alienígena parte para o suposto ataque final, Kirk atinge-os com os fêiseres, desabilitando-os. No entanto, antes de propor sua rendição, os inimigos se autodestroem.

O prisioneiro andoriano,  que, junto com seus comparsas, aparentemente tentava semear a discórdia e a desconfiança entre os membros da Federação, acaba por se matar ao auto administrar uma dose de veneno, logo após seus colegas na nave alienígena terem se autodestruído. Spock, que estava se recuperando da cirurgia, conclui que os perpetradores eram de Órion, já que os órions eram conhecidos contrabandistas de dilítio de Coridian e, portanto, estavam ansiosos para prevenir a interferência em seus esquemas. McCoy confina os convalescentes Kirk e Spock na enfermaria, inclusive ordenando que ambos fiquem calados.

Comentários

Para uma série que, quase por acaso, se tornou atemporal como TOS, alguns episódios são extremante importantes, não só por nos contar uma história com seu começo, meio e fim, mas também por propor algo além disso. “Journey to Babel” é um desse episódios gigantes da série. Uma trama que consegue ser relativamente simples em sua concepção e incrivelmente complexa no que nos entrega.

Trama essa que envolve conspiração e assassinato, apresenta ao mundo a família de Spock e uma amostra que — embora pequena — é, ainda assim, importante para criar uma fotografia do que conheceríamos da Federação dos Planetas, sendo, portanto, umas das pedras fundamentais para a construção de mundo de Jornada nas Estrelas.

Começando pelo mais importante, ao longo da existência da Série Clássica, alguns episódios foram veículos importantes para que Leonard Nimoy pudesse adicionar tijolos à construção de Spock. Notadamente, “The Naked Time”, “The Menagerie”, “The Galileo Seven” e “Amok Time” podem ser considerados os pontos-chave para esse personagem, uma vez que cada um deles acrescenta elementos que nos ajudariam a entender a forma de pensar e agir de Spock.

Descobrimos, aqui, que a decisão de Spock em seguir carreira na Frota Estelar foi motivo de cisão no relacionamento com seu pai. Em “Amok Time”, descobrimos que Spock é membro de uma família de extrema importância em Vulcano, que possui uma sociedade notadamente tradicionalista. Sendo assim, o peso dessa decisão fica claro ao percebermos o estremecimento da relação entre os dois.

Essa tensão é explorada de forma magnifica no segmento, graças à competência do roteiro e ao extremo talento de Leonard Nimoy e Mark Lenard, ambos soberbos em seus papéis. É significativo que, mesmo com as limitações impostas pelo “jeito de ser” vulcano, ambos consigam passar sues sentimentos para a audiência. Podemos perceber a indiferença que Sarek pretende transparecer a Spock, mas também o sentimento de respeito (e, por que não, de orgulho) e de entendimento quando isso acontece, algo extremamente difícil.

Embora isso seja uma constante em todo episódio, existem dois momentos que podemos destacar. Um deles é quando Amanda e Sarek discutem a respeito de Spock, quando ele, apesar de não concordar com a escolha do filho, lembra que este deve ser respeitado pelo que ele é.  Segundo, quando Spock diz a Amanda que não se submeterá à cirurgia enquanto a Enterprise estiver em perigo, numa cena lindamente executada e atuada por ambos.

O que nos leva de volta a Amanda, mãe de Spock. A personagem de Jane Wyatt é o elemento que faz essa ligação com extrema competência dentro do episódio, colocando tanto Sarek quanto Spock em seus lugares quando necessário. Percebemos, aqui, que a sociedade vulcana é patriarcal e Amanda sabe disso, mas navega com destreza pelos atalhos que constrói para se fazer ouvir quando entende que é necessário. Jane Wyatt entrega uma caracterização carregada de sentimento e credibilidade, criando em poucos minutos uma das personagens mais relevantes do universo de Jornada nas Estrelas.

Se a escolha de Spock pela Frota Estelar representava para seu pai um ato de rebeldia, para o filho nada mais era do que buscar seu próprio caminho. Contudo, para muito além das relações familiares, uma fala de Amanda parece a cada dia se tornar muito maior e mais importante: “Não foi fácil para Spock. Nem humano nem vulcano. Nenhum lugar como lar, exceto a Frota Estelar”. Essa frase nos dias de hoje é uma importante lembrança da questão da inclusão e de respeito às diferenças. Spock deixa Vulcano muito provavelmente por ser discriminado no planeta de seu pai, algo que talvez o próprio Sarek não tenha percebido, sendo tão apegado às suas convicções.

É notável que um episódio com tanta carga dramática ainda tenha espaço para boas doses de humor. A referência de McCoy ao “ursinho” de seu amigo é, sem dúvida, umas das piadas mais deliciosas da franquia, bem como a “enquadrada” que o doutor aplica em Kirk e Spock. No entanto, o ponto alto do segmento é, sem dúvida, a conversa entre Spock e Sarek a respeito de Amanda, um dos momentos de leveza mais memoráveis da franquia.

Mas nem só de relações familiares vive esse episódio. A trama que envolve a conspiração a bordo da Enterprise é igualmente interessante por vários aspectos. Primeiro, esse é um raro momento em que temos um vislumbre da política da Federação, que parece bastante instável nesse século: não bastasse a constante ameaça de klingons e, eventualmente, de romulanos, o conceito da Federação, aqui, ainda é apresentado como uma frágil aliança sob constante ameaça, mas que, pelo menos, tenta resolver seus problemas com diálogo.

Pela primeira vez, também vemos o papel da Frota Estelar como elemento vital para manutenção dessa instituição democrática formada por vários mundos com culturas e interesses diferentes. Embora aqui possamos especular que, devido à presença dos humanos como seus membros majoritários, a Frota Estelar pareça mais com uma organização essencialmente terrestre, ainda que a serviço da Federação, pelo menos na Série Clássica.

A escolha da Enterprise para conduzir os representantes da Federação até Babel imputa à nave e a seu capitão uma responsabilidade e uma importância que sem duvida alguma credenciam a sua tripulação como uma das mais capazes da Frota Estelar. É fato que a nave é praticamente uma personagem da série, mas essa adição ao seu currículo acrescenta elementos importantes para que a História jamais esqueça do nome “Enterprise”.

Mas, sendo ainda uma aliança frágil, existe uma desconfiança entre as partes que é explorada de forma sagaz pelo segmento, criando um ar de mistério digno dos contos de Agatha Christie (por que não ?) enquanto nos apresenta, além dos já conhecidos vulcanos, andorianos e telaritas, algo raro na série, que, na maioria das vezes, trata de questões relativas a culturas de fora da Federação.

A trama envolvendo o assassinato e o eminente ataque à Enterprise funciona de forma soberba, criando suspense e um sentimento de urgência na resolução do caso. E cabe a Kirk essa resolução em grande estilo. Existe um “modo Kirk” em que Shatner é absolutamente insuperável e é nesse tipo de episódio, no qual ele encarna o capitão maior que a vida que a cadeira de comando parece ter sido construída para ele.

O trabalho de Shatner é exemplar aqui desde o início em todas as suas interações, sejam elas com seus habituais colegas, sejam com Sarek e Amanda. Aqui, ele entrega uma de suas melhores atuações, sem reparos. Independentemente do que o texto lhe peça, seja drama, humor, empatia, sacrifício, diplomacia ou competência como comandante, esta é uma das ocasiões em que, de fato, acreditamos que Kirk é, sim, maior que a vida.

Sarek e Amanda seriam eternizados na memória afetiva dos fãs, com o pai de Spock voltando a ser crucial quando Star Trek foi ao cinema. Amanda (mesmo em suas outras versões) também voltaria a Star Trek nas telas de cinema.  Ao mesmo tempo, os andorianos voltariam a ter destaque em Enterprise, pelas mãos do talentoso Jefrey Combs, assim como os órions seriam peça-chave em Star Trek, com destaque em Discovery. Tais elementos nos mostram o quão significativo esse segmento é, tanto para seus personagens como para a história da própria franquia, se tornando muito maior do que a soma de suas partes.

Poderia ser feito algum reparo aqui e ali no roteiro, como a questão da nave inimiga parecer tão superior à Enterprise e, ao mesmo tempo, como foi facilmente sobrepujada por um artifício relativamente simples, assim como certo exagero de McCoy quanto ao seu desconhecimento da fisiologia  vulcana. Nada disso, porém, é capaz de ofuscar o brilho deste segmento, que se tornaria tão querido e importante para a franquia.

“Journey to Babel” nos entrega mistério, suspense, conspiração, política, nobreza, sacrifício, mistério, heroísmo e ação num episódio fundamental para construção da mitologia de Jornada. Elementos movidos por um roteiro de grande inspiração e realizado à perfeição pelos atores regulares, somados ao incrível talento de Jane Wyatt e Mark Lenard e à já consagrada química de Shatner, Nimoy e Kelley. Tudo isso resulta em mais um episódio indispensável de Jornada nas Estrelas.

Avaliação

Citações

“Vulcans believe peace should not depend on force.”
(“Vulcanos acreditam que a paz não deve depender da força”.)
Amanda

“Vulcans do not approve of violence.”
(“Vulcanos não aprovam a violência”.)
Spock

“It [being a Vulcan] means to adopt a philosophy, a way of life which is logical and beneficial. We cannot disregard that philosophy merely for personal gain, no matter how important that gain might be.””
(“Ser vulcano significa adotar uma filosofia, um modo de via o qual é lógico e benéfico. Nós não podemos negligenciar essa filosofia meramente para o ganho pessoal, não importa o quão importante este possa ser.”)
Spock

“It would be illogical to kill without reason.”
(“Seria ilógico matar sem uma razão.”)
Spock

“Offense is a human emotion.”
(“Ofensa é uma emoção humana.”)
Sarek

“Perhaps you shuld forget logic and devote yourself to motivations of passion or gain. Those are reasons for murder.”
(“Talvez você deva esquecer a lógica e devotar-se a motivações de paixão ou ganho. Essas são razões para assassinato.”)
Shras

“Doctor,  On Vulcan the ‘teddy bears’ are alive and they have six-inch fangs.””
(Doutor. Em Vulcano, “ursinhos” são vivos e tem garras de quinze centímetros.”)
Spock

Trivia

  • Primeira aparição dos telaritas, que voltariam à Série Clássica em “Whom Gods Destroy”, da terceira temporada. A raça retornaria, ainda, a Jornada nas Estrelas em Enterprise, nos episódios “Dead Stop”, “Bounty”, “Babel One” e “United”.
  • Podemos encontrar um andoriano, visto de passagem, em “The Gamesters of Triskelion”. Eles voltariam à Série Clássica em “Whom Gods Destroy”, da terceira temporada, mas a raça viraria figurinha carimbada apenas em Enterprise, marcando presença em 10 episódios da série.
  • Os órions voltariam à Jornada nas Estrelas no episódio da Série Animada, “The Pirates of Orion”. Depois, em DS9, nos episódios “The Begotten”, “A Simple Investigation”, “Honor Among Thieves” “Prodigal Daughter”, e, em Enterprise, nos episódios “Borderland” e “Bound” e com grande destaque na terceira temporada de Star  Trek – Discovery.
  • O planeta Coridan, alvo da disputa, voltaria a ser citado em “Shadows of P’Jem”, de Enterprise, “Sarek”, de TNG e “One Little Ship”, de DS9.
  • Sarek e Amanda, que haviam sido apenas citados em “This Side of Paradise”, são apresentados. O saudoso Mark Lenard retornaria ao encarnar o pai de Spock nos filmes III, IV, V e VI e nos episódios “Sarek” e “Unification – Part I”, de TNG.
  • Mark Lenard é o único ator de Jornada nas Estrelas a representar as três principais raças da Série Clássica: em “Balance of Terror” fez o comandante romulano; em “Journey to Babel”, “Sarek”, “Unification – Part I”, Star Trek III, Star Trek IV Star Trek VI como Sarek de Vulcano; e em Star Trek I interpretou o capitão klingon.
  • Jane Wyatt retornaria nos filmes III e IV como Amanda.
  • Jane Wyatt ganhou três prêmios Emmy nos anos de 1958, 59 e 60 pela sua participação na serie Father Knows Best (Papai Sabe Tudo).
  • No episodio de DS9 “Favor the Bold”, ficamos sabendo da existência da USS Sarek.
  • Um quadro de Sarek pode ser visto no refeitório da USS Enterprise em Jornada nas Estrelas VI.
  • O “ursinho” de Spock, I-Chaya, na verdade um animal conhecido como sehlat, é visto em “Yesteryear”, da Série Animada.
  • No roteiro original, Sarek e sua comitiva eram tele transportados a bordo da Enterprise. Devido ao estouro do orçamento, principalmente por causa do alto custo das maquiagens dos andorianos e telaritas, faltou dinheiro para o feito do transporte e o roteiro foi alterado, permitindo o uso do material da Galileo Seven.
  • O dispositivo  campo de Tantalus usado no episodio “Mirror, Mirror”, pode ser visto na enfermaria da Enterprise.
  • A Serie Enterprise usaria este episódio como fonte de inspiração de um de seus melhores segmentos, “Babel One”. No episódio, a NX 01 leva telaritas para uma conferência de paz no planeta Babel, em uma tentativa de estabelecer um tratado de paz entre este povo e o andorianos. Infelizmente, foi logo após a exibição de “Babel One” que seria feito o anúncio oficial do cancelamento da série.

Ficha Técnica

Escrito por D.C. Fontana

Dirigido por Joseph Pevney

Exibido em  17 de novembro de 1967

Título em português: “A Caminho de Babel” (AIC-SP), “A Caminho de Babel” (VTI-Rio)

Elenco

William Shatner como James T. Kirk
Leonard Nimoy como Spock
DeForest Kelley como Leonard H. McCoy
Nichelle Nichols como Nyota Uhura
Walter Koenig como Pavel Chekov
Majel Barrett como Christine Chapel

Elenco convidado

Jane Wyatt  como Amanda
Mark Lenard  como Sarek

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Edição de Carlos H B Santos
Revisão de Nívea Doria

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