TNG 5×02: Darmok

Peça imprime mais realismo à ficção de Jornada ao mostrar linguagem alienígena

Sinopse

Data estelar: 45047.2

A Enterprise recebe um sinal das “Crianças de Tama”, uma raça alienígena que não é conhecida por ter um passado violento, mas cuja linguagem é considerada “incompreensível”. Encontrando os tamarianos em órbita de um planeta desabitado, Picard e sua tripulação tentam estabelecer relações diplomáticas. Mas, mesmo após várias tentativas de diálogo entre o capitão da Enterprise e Dathon (sua contraparte tamariana), nenhum dos dois consegue entender o outro. De repente, Dathon se vira para ele, armado com duas adagas, e os dois capitães são transportados à superfície do planeta.

Riker e o resto da tripulação descobrem que é impossível teleportar Picard de volta à nave, graças a um campo gerado pela nave tamariana. Na superfície, Dathon continua a oferecer uma de suas adagas a Picard, que recusa a oferta, alegando não ter intenção de lutar com o alienígena.

Dathon na verdade não quer lutar. Suas boas intenções são comprovadas quando, ao cair da noite, ele oferece a Picard fogo para combater o frio noturno, ajudando o humano a conseguir dormir. Ao acordar, na manhã seguinte, Picard não encontra Dathon. Ele começa a examinar os objetos pessoais do alienígena, na tentativa de entender suas intenções. Subitamente, sua investigação é interrompida pela voz de Dathon seguida pelo rugido de um animal.

Perseguido por um bicho grande e feroz, Dathon volta a oferecer uma adaga a Picard, que desta vez é aceita. Ao tentarem se comunicar para estabelecer uma luta mais eficiente contra o animal, Picard descobre que os tamarianos se comunicam por exemplos, e os nomes próprios e lugares que eles citam são referências a situações de sua história e mitologia. Iluminado por esse princípio, Picard é capaz de iniciar uma comunicação com Dathon, que responde entusiasticamente.

Enquanto isso, Riker envia Worf e um grupo avançado à superfície, por meio de uma nave auxiliar, para resgatar o capitão. A nave, entretanto, é bloqueada por um tiro perfeito da nave tamariana, que danifica o veículo, impedindo que ele possa chegar à superfície. No planeta, Picard e Dathon se coordenam para combater a criatura, mas seus esforços são interrompidos por uma tentativa de teleportar o capitão da Enterprise de volta à nave. Ele é desmaterializado momentaneamente, e Dathon, sozinho, fica vulnerável ao ataque do animal.

Enquanto o capitão tamariano encontra morte lenta, Picard descobre que a situação de dois líderes se unindo para combater um inimigo comum é parte da mitologia alienígena, e subitamente percebe que Dathon o levou ao planeta especificamente para lutar contra a besta junto dele e iniciar relações diplomáticas entre as duas culturas.

Após inúmeras tentativas, a tripulação finalmente consegue teleportar Picard. De volta à nave, ele consegue se comunicar com os tamarianos e evitar um combate entre as duas naves. Usando o método alienígena de comunicação, ele conta como Dathon morreu e expressa sua admiração pelo capitão alienígena. O conflito é evitado e Picard fica apenas questionando, caso os papéis fossem invertidos, se ele seria capaz de dar a vida para tentar estabelecer comunicação com outra espécie.

Comentários

“Darmok” é um episódio maravilhoso porque consegue combinar os elementos mais fantasiosos de Star Trek com uma história que reflete um contexto mais realista do ponto de vista da ficção científica. Afinal de contas, seria mesmo muito surpreendente se a maior parte dos alienígenas da galáxia pensasse de forma tão similar aos humanos, como geralmente acontece em Jornada.

Embora o tipo de raciocínio desenvolvido pelos tamarianos ofereça alguns empecilhos ao surgimento de ideias mais abstratas, necessárias ao aprimoramento tecnológico que os levaria eventualmente ao espaço, ainda assim o valor do conceito aplicado ao episódio (o reconhecimento de que o modo de pensar de um alienígena deve ser, por definição, “alienígena”) é inestimável.

Não fosse só pelo belo conteúdo de ficção científica, o episódio também seria um vencedor pela própria estrutura da narrativa. O envolvimento que a audiência estabelece com os personagens, principalmente a empatia emanada do capitão Dathon (crédito para Paul Winfield, que interpreta seu personagem com força e emoção incríveis), é admirável.

O roteiro é construído para que soframos com as mesmas dificuldades de Picard para entender aqueles diálogos amalucados das “Crianças de Tama”, de modo a nos transmitir o mesmo senso de pioneirismo, exploração e mistério vivido pelos tripulantes da Enterprise.

O final da história é tocante. Depois de todo o esforço para estabelecer comunicação, a morte de Dathon é mais um lembrete do custo que há em cada grande descoberta – por vezes envolvendo de fato a morte de muitas pessoas. O esforço do capitão, entretanto, não foi em vão, como Picard pôde demonstrar na cena final do episódio.

Aliás, o senso de camaradagem que se estabelece entre os dois líderes é mais um dos aspectos notáveis desse roteiro. É interessante ver um pouco mais do lado “explorador e intelectual” do capitão Picard, ao ser introduzido em uma situação de “intercâmbio cultural forçado”. E nem é preciso elogiar mais o lado nobre de Dathon, sacrificando-se pelo entendimento entre sua cultura e a da Federação.

Do ponto de vista técnico, o episódio é muito bem executado. Além de uma direção competente de Winrich Kolbe, temos belos efeitos especiais, como o da criatura na superfície – sutil o suficiente para que não a vejamos em detalhes, mas forte o bastante para que saibamos que ela está por lá e pronta para fazer picadinho dos dois capitães.

Fica também um destaque para a bela maquiagem dos tamarianos, que apesar do uso extenso de próteses de látex permite que Winfield expresse todo o seu talento interpretativo. O figurino (que mostra, inclusive, a estreia de um uniforme “alternativo” de Picard, blusa cinza e casaco vermelho, que ele usaria ao longo de toda a quinta temporada) também não deixa por menos.

Finalmente, vale apontar que esse episódio tem uma característica especial: apesar da incrível qualidade, como a história está construída em torno do mistério, reassistidas trazem sentimentos ambivalentes. Por um lado, é interessante rever os “diálogos” dos tamarianos no começo fazendo um esboço mental de tradução – agora que entendemos como eles conversam. Por outro lado, uma vez que já entramos sabendo o que afinal quer dizer “Darmok e Jilad em Tanagra”, boa parte da magia da revelação acaba se perdendo. Restam a apreciação das brilhantes interpretações e a reflexão sobre o quanto mais complicado do que ligar um tradutor universal pode ser o contato com uma cultura alienígena.

Avaliação

Citações

“Darmok and Jilad at Tanagra.”
(Darmok e Jilad em Tanagra.)
Dathon

“Shaka when the walls fell.”
(Shaka quando os muros ruíram.)
Dathon

Trivia

  • Este episódio teve a mais longa gestação durante a gestão de Michael Piller como chefe dos roteiristas de A Nova Geração: quase dois anos. O primeiro argumento foi submetido em dezembro de 1989, e o segmento iria ao ar apenas em setembro de 1991. Rick Berman originalmente odiou a premissa, mas Piller acreditava nela e a entregou a Joe Menosky.
  • O roteirista Joe Menosky comentou que a proposta original de Philip LaZebnik envolvia membros de um grupo avançado que, um por vez, encontravam um misterioso menino alienígena desenhando na terra. O menino cumprimentava cada um dos membros com apenas uma palavra: “Darmok?” Fosse qual fosse a resposta, o tripulante era catapultado para a órbita em um estranho casulo. No final, Picard descobria que “Darmok” significava “brincar” e se sentava com o menino na terra. Menosky achava que o lance de catapultar os tripulantes lembrava muito a da “Ponte da Morte” de Monty Python em Busca do Cálice Sagrado e não funcionava para a série. Mas gostou da palavra “Darmok”.
  • Depois de ser designado para escrever o roteiro, Menosky sofreu por vários dias sem conseguir avançar. Ele chegou a achar que seria demitido. Mas Michael Piller acaba de voltar com uma grande inspiração. “Ele tinha acabado de ver Dança com Lobos e estava fascinado com a cena com o personagem de Kevin Costner e o guerreiro nativo americano em torno da fogueira, em que eles não falam uma palavra do idioma do outro, mas finalmente se fazem entender. Michael anunciou: ‘É isto: um homem, um alienígena, sozinhos num planeta, ao redor de uma fogueira. Eles não conhecem o idioma um do outro, lutam para superar suas diferentes e finalmente conseguem se comunicar. E talvez tenha um grande monstro.’”
  • Menosky então escreveu um memorando para Piller destacando temas de linguagem, comunicação e mitologia que causaram uma ótima impressão no showrunner.
  • Ao desenvolver o idioma tamariano, Menosky disse ter sido inspirado por três fontes: o trabalho do psicólogo James Hillman (segundo o qual “tudo é metáfora”), a citação “Toda palavra é um poema”, do tradutor e poeta John Ciardi, e as metáforas históricas densas presentes na poesia chinesa e em trabalhos filosóficos como o I Ching.
  • A história de Gilgamesh e Enkidu é um dos trabalhos literários mais antigos de que se tem notícia, o poema babilônio intitulado Épico de Gilgamesh, escrito entre 2150 a 2000 a.C. A trama dos dois é em si uma metáfora para a situação de Picard e Dathon em El-Adrel. Segundo Menosky, essa semelhança foi uma combinação de “sorte de escritor” e inevitabilidade.
  • “Darmok” foi filmado entre 18 e 26 de julho de 1991, nos galpões 8, 9 e 16 da Paramount. Dois dos dias foram gastos em locação, no Bronson Canyon.
  • Patrick Stewart disse que este episódio merecia ser premiado, “porque foi um episódio brilhantemente escrito baseado no mito de Gilgamesh e com um de nossos mais distintos astros convidados, Paul Winfield”.
  • Winfield, sem a maquiagem tamariana, é bem conhecido dos fãs, tendo atuado como o capitão Clark Terrell em Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan.
  • Este episódio marca a primeira aparição de Ashley Judd como a alferes Robin Lefler, bem como a primeira aparição de um novo uniforme para o capitão, desenhado pelo figurinista Robert Blackman para dar destaque ao personagem, por sugestão de Patrick Stewart.
  • Outras novidades introduzidas neste episódio são a nave auxiliar tipo 6 e os novos aposentos de Data.
  • Os efeitos visuais originais traziam um erro, mostrando a Enterprise disparando feiser a partir do tubo de torpedos fotônicos. Na versão remasterizada em alta definição, o erro foi corrigido.
  • Michael Piller festejou o resultado final. “Acho que ‘Darmok’ é o protótipo do que Star Trek deveria ser. Lidou com uma premissa muito desafiadora e muitos dos nossos melhores episódios são roteiros que estiveram por lá por um longo tempo… Ele criou uma linguagem inteira para o episódio e é incrível. O episódio funcionou em todos os níveis; tinha a filosofia de lidar com linguagem e o que ela faz por nós, duas grandes atuações, tinha um monstro e uma batalha espacial – tinha tudo.” Rick Berman, de início cético, concordou e apontou que o episódio se tornou um de seus favoritos.
  • A despeito dos elogios, o diretor Winrich Kolbe teve sentimentos mais ambivalentes. “Em termos de história, era ótimo. Quase perfeito. Falava de um assunto muito interessante e muito complicado, e o fez bem.” Entretanto, Kolbe se sentiu limitado no que podia filmar nas cenas com o monstro. Além disso, apontou a dificuldade em dirigir cenas em um idioma alienígena, sem dominá-lo. “Foi como dirigir um filme russo sem falar o idioma, mas a gente se vira. Então teve esse desafio adicional. O episódio parece ter acertado uma nota. É um de que podemos todos nos orgulhar.”
  • Patrick Stewart mencionou o episódio durante o funeral de Gene Roddenberry, como exemplo do poder de Star Trek, o que muito envaideceu Joe Menosky.
  • O segmento já foi usado por professores de linguística para ajudar estudantes a entender como idiomas funcionam e evoluem.

Ficha Técnica

História de Philip LaZebnik e Joe Menosky
Roteiro de Joe Menosky
Dirigido por Winrich Kolbe

Exibido em 30 de setembro de 1991

Título em português: “Darmok”

Elenco

Patrick Stewart como Jean-Luc Picard
Jonathan Frakes como William Thomas Riker
Brent Spiner como Data
LeVar Burton como Geordi La Forge
Michael Dorn como Worf
Marina Sirtis como Deanna Troi
Gates McFadden como Beverly Crusher

Elenco convidado

Richard Allen como primeiro oficial tamariano
Colm Meaney
como Miles O’Brien
Paul Winfield como Dathon
Ashley Judd como Robin Lefler
Majel Barrett
como voz do computador

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Edição de Maria Lucia Rácz
Revisão de Susana Alexandria

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