SNW 2×09: Subspace Rhapsody

Episódio usa estrutura de musical para resolver arco emocional de personagens

Sinopse

Data estelar: 2398.3

A Enterprise encontra uma fissura espacial natural. Spock acredita que ela poderia ser usada para triplicar a velocidade de transmissões subespaciais na região. Enquanto ele trabalha no experimento que testará essa possibilidade, a tripulação lida com questões pessoais.

Pike conversa com Marie Batel e os dois discutem planos de férias. O capitão pede que adiem o assunto por alguns dias. Saído da Farragut, James Kirk vem a bordo para “sombrear” Una, como treinamento para assumir o posto de primeiro oficial daquela nave. La’An se mostra ansiosa com a chegada dele. Chapel recebe um comunicado de Roger Korby, o “Louis Pasteur da medicina arqueológica”, com a notícia de sua aprovação para uma bolsa de três meses.

Na engenharia, Spock, Uhura e Pelia conduzem o experimento, que não está funcionando. A engenheira sugere a transmissão de música, para que harmônicos fundamentais se propaguem. Uhura escolhe a transmissão da canção “Anything Goes”. Isso causa um pico de energia na fissura, com um pulso que percorre toda a nave. E então a tripulação começa a cantar espontaneamente, em vez de falar.

O estado-maior faz uma reunião para discutir o que está acontecendo. Spock acredita que um campo quântico de improbabilidade foi criado pela transmissão da música à fissura, que está se abrindo como um zíper com o movimento da Enterprise. O vulcano sugere que ele pode ser fechado se gerarem um feixe do disco defletor acoplado aos compensadores de Heisenberg do teletransporte.

Una e Kirk trabalham nos tubos Jefferies para implementar o plano. Eles começam a cantar, enquanto a primeira oficial dá conselhos ao tenente, sugerindo que ele deve criar um vínculo com sua tripulação – algo que ela não costumava fazer, mas agora está tentando implementar. La’An vê o dueto no corredor e fica incomodada. Ela volta a seus aposentos e canta sobre seu triste isolamento. Em seguida, vai ao encontro de Pike, dizendo que, quando eles cantam, falam abertamente de seus sentimentos, o que pode representar um perigo de segurança.

Na ponte, Uhura e Spock estão prontos para disparar o feixe do defletor. Mas isso gera um novo pulso da fissura. A Enterprise recebe um chamado da Cayuga. Pike e Batel começam a cantar sobre suas férias na ponte, e o capitão está para revelar que ele tende a não ser franco para não magoá-la, quando La’An corta a comunicação. Spock conta que o campo de improbabilidade está se expandindo pela rede subespacial, atingindo outras naves da Frota. O almirante April ordena que a Enterprise resolva a questão o mais rápido possível. Pike sugere que eles explodam um torpedo fotônico na fissura. Spock encoraja o plano, mas indica que seria melhor fazer um teste em menor escala.

La’An e James Kirk se voluntariam para trabalhar juntos no teletransporte de partículas subatômicas da fissura. A oficial de segurança está apreensiva. Cantando de forma privada, Una recomenda que La’An se abra com Kirk sobre seus sentimentos.

O teste em escala causa uma explosão poderosa, indicando a inviabilidade do plano. Explodir a fissura com um torpedo fotônico causará um efeito rebote que devastará o quadrante. Pior: uma nave klingon está a caminho da fissura, pronta para destruir a fonte de sua “desonra”. Em reunião, Pike sugere que La’An e James Kirk trabalhem num plano tático para impedir os klingons. Enquanto isso, Spock trabalha com Uhura para encontrar algum meio de dissipar o campo.

No bar, Chapel está comemorando a conquista da bolsa. Spock pergunta por que ela não lhe contou nada. A enfermeira começa a cantar, revelando que partirá, concentrando-se em sua carreira e deixando o vulcano para trás. Já La’An finalmente se abre com Kirk, contando que conheceu uma versão alternativa dele e se apaixonou. O tenente é simpático, mas explica que está em uma situação complicada, num relacionamento sério com uma cientista da Base Estelar Um, Carol Marcus, que está grávida.

Spock e Uhura analisam os dados que coletaram na engenharia. Ele canta sobre a frustração de agora ser o “ex”, e ela, sobre como se sentia sozinha, mas agora é a pessoa que conecta a tripulação. Uhura se dá conta de um padrão: toda vez que um “número musical” acontece, há um pico de energia na fissura. Se eles realizarem um grand finale, com toda a tripulação cantando junta, podem atingir um pico de 344 gigaelétron-volts e criar uma ressonância que dissipe o campo de improbabilidade. Pike pede que Uhura inspire a todos, para que cantem, e até mesmo os recém-chegados klingons entram na música, o que dissipa o campo e encerra a crise.

Mais tarde, La’An conta a Una que revelou a verdade a Kirk, não deu certo, foi dolorido, mas que ficou feliz em se arriscar e que deve se arriscar mais no futuro. Pike e Batel voltam a se encontrar, e a capitão diz que a discussão das férias terá de esperar, porque a Cayuga acaba de receber ordens para uma missão de prioridade um. Spock pacifica a relação com os klingons, em negociações regadas a muita sangria, e tudo volta ao normal a bordo da Enterprise.

Comentários

Que impressionante realização é “Subspace Rhapsody”! Uma análise deste episódio precisa ser precedida por uma descrição do senso de entretenimento em estado puro que ele entrega a quem assiste sem preconcepções do que deveria ou não caber num segmento de Star Trek. É uma montanha-russa de emoção, em transições fortes que vão do sorriso besta ao aperto no peito, com algumas doses de gargalhadas. Não são frequentes as vezes em que tanto deleite é compactado em pouco mais de uma hora de programação televisiva.

Após esse prefácio, podemos discutir propriamente o segmento, que navega de forma inteligente sua proposta high-concept, fazer o primeiro musical da história de Star Trek, sem se afastar dos valores centrais da franquia. A trama é, em primeiro lugar, ficção científica, encontrando em uma realidade musical criada por um campo quântico uma justificativa para o comportamento cantante, absurdo na vida cotidiana, mas totalmente natural em filmes e peças musicais.

É tecnobaboseira pura? É. Faz algum sentido? Não muito – mas o suficiente para satisfazer a audiência. Os roteiristas sabiamente trabalham o mínimo possível para tentar justificar a lógica que leva à criação da “realidade musical”, porque o episódio não é sobre isso. Se quisessem, poderiam até mesmo elaborar mais sobre o tema. Como eles não fizeram, podemos nós fazer aqui, para efeito de completude. Uma das interpretações da mecânica quântica, teoria que rege o comportamento de partículas e de todas as forças da natureza, salvo a gravidade, é a chamada hipótese dos muitos mundos. Partindo da premissa de que partículas mantêm-se em todos os estados possíveis simultaneamente até que sua observação as obrigue a “escolher” um estado único, há quem defenda que cada um dos estados possíveis se torna o “escolhido” em uma realidade paralela, criando incontáveis versões do nosso universo. Nesse contexto, todos os universos possíveis devem existir em algum plano, e não há nada que diga que, em um deles, pessoas não possam espontaneamente começar a cantar.

Isso obviamente não é ficção científica “dura”, estritamente aderente ao que a ciência efetivamente diz que é possível. Mas nem precisa ser, e Star Trek nunca foi. A saga sempre foi muito mais sobre ideias e sobre o espírito humano que sobre o que é de fato possível e praticável (a começar pela dobra espacial e pelo teletransporte). Nesse contexto, a premissa aqui é genial.

Se você até hoje teve problemas para encarar um musical por achar que ele retrata uma realidade completamente absurda, Strange New Worlds acaba de resolver a crise: basta imaginar que todos esses filmes se passam num campo quântico de improbabilidade que cria uma realidade musical. Divirta-se!

A história em si serve como um excepcional veículo para Uhura, personagem central desta trama que, a despeito de ter sim o protagonismo dela, guarda bom espaço para rigorosamente todo mundo. Conforme os perigos e ameaças vão escalando ao longo do episódio (no melhor estilo dos grandes segmentos da Série Clássica), cabe à oficial de comunicações encontrar a saída para restaurar a normalidade, sendo exatamente o que ela sempre foi, mas nunca foi expressado de forma direta: a voz da Enterprise.

Essa, por sinal, é uma das grandes qualidades do segmento enquanto narrativa. Ele procede com uma análise da lógica por trás dos musicais (em que momentos de intensa emoção ou reflexão levam os personagens a cantar) para então usá-la em benefício do elenco da série, cristalizando os arcos emocionais pelos quais todos estão passando ao longo desta temporada. E nunca fomos expostos de forma tão intensa a esses sentimentos.

O isolamento de La’An é lindamente cantado por Christina Chong, e Uhura nos parte o coração, na voz da premiada Celia Rose Gooding, vencedora do Grammy, com sua solidão, fruto da perda de seus pais e irmão, seguida pela perda de Hemmer, seu mentor. Há algo novo no que ela revela? Não muito. Mas parte do trabalho de vocalizar o sofrimento é racionalizá-lo e encontrar uma saída dele. Não por acaso desabafar faz bem à alma. E as personagens evoluem por conta disso, saem diferentes da experiência. Uhura percebe que, a despeito de sua solidão, nunca estará sozinha na Enterprise, e cabe a ela unir a tripulação. Já La’An toma coragem para abordar James Kirk revelando seus sentimentos nascidos de uma realidade alternativa. Não termina muito bem para ela, mas a personagem evolui a partir disso, agora dotada de uma nova confiança para se expor e se arriscar.

Una também ganha um papel muito interessante no segmento, servindo como inspiração para um Jim Kirk que está “estagiando” para ser primeiro oficial da Farragut. É uma conexão inesperada que valoriza ambos os personagens. Ou não é uma delícia pensar que a Número Um, recém-libertada de seus próprios segredos, acabou por inspirar Kirk em seu estilo de comando?

Spock e Chapel lidam, por música, com o colapso de seu quase-relacionamento (aquele que existia e não existia ao mesmo tempo, como o gato de Schrödinger, em metáfora quântica trazida por ela em “Lost in Translation”). Ela é aceita em uma bolsa para estudar com Roger Korby (destinado a se tornar seu noivo, a levar em conta os eventos do episódio “What Are Little Girls Made Of?”, da Série Clássica), e ao vulcano cabe lidar com a frustração de ser o “ex”.

Pike carrega o mais leve dos arcos, em sua relação não totalmente transparente com Batel, no que serve para produzir algum alívio cômico, num episódio em que quase tudo é, de uma forma ou de outra, cômico. E, nesse quesito, nada bate os klingons dançando e cantando k-pop como uma boy band! Destaque para o retorno de Bruce Horak, desta vez como o comandante Garkog, em uma ponta muito especial.

Musicalmente, o episódio é bastante rico e variado, explorando verves muito diferentes do gênero. “Private Conversation” lembra duetos cômicos de Minha Bela Dama (My Fair Lady); “I’m Ready” evoca uma vibe sexy e rebelde, ao estilo de Chicago; “Connect to Your Truth” poderia ter saído de algo como A Noviça Rebelde (The Sound of Music); e “Keep Us Connected” tem vibes de canção Disney. É um belo apanhado.

E o mais divertido é que os atores ajudam a vender a esquisitice reagindo com estranheza toda vez que uma nova canção está prestes a começar. São detalhes que enriquecem e enraizam a experiência em algum nível de realidade.

O elenco de Strange New Worlds brilha aqui como nunca. É óbvio que há diferentes graus de talento para o canto entre os atores (a que correspondem mais ou menos processamento da voz), mas o resultado final é excelente, acompanhado por coreografias que cabem bem nos cenários da Enterprise. Talvez a única que não funcione tão perfeitamente é a que envolve Una e La’An, com o desligamento temporário do campo de gravidade. O flutuar pela sala, auxiliado por cabos, não é suficientemente natural e convincente.

Isso é, contudo, uma crítica menor, num episódio que é, além de grande entretenimento, um eficiente encapsulador dos arcos dos personagens na temporada, com direito a sinais do que pode estar no futuro da série, com menções a Roger Korby e a Carol Marcus, futura mãe do filho de James Kirk, apresentada aos fãs em Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan.

Com sua ousadia, irreverência e sofisticação narrativa na simplicidade da premissa, “Subspace Rhapsody” é em essência um episódio adorável, único e inesquecível de Star Trek.

Avaliação

Citações

“Reports of musical outbreaks have come in from every deck.”
(Relatos de surtos musicais vieram de todos os deques.)
La’An Noonien-Singh

“Mr. Spock, you explained that very well. I almost understood it.”
(Sr. Spock, você explicou isso muito bem. Eu quase entendi.)
James T. Kirk

Trivia

  • Este episódio foi filmado em junho de 2022 e foi certamente o mais difícil de produzir. O elenco precisou ensaiar exaustivamente, inclusive aos fins de semana, para dominar as coreografias e o sincronismo labial para as canções, pré-gravadas antes das filmagens.
  • É o primeiro musical oficial de Star Trek. Alex Kurtzman vinha aludindo à possibilidade desde 2020, e o elenco de Discovery fez muita campanha para que acontecesse. Entre os atores de Strange New Worlds, quem mais promoveu a ideia foi Christina Chong, que também é cantora e compositora.
  • O diretor Dermott Downs faz sua estreia em Star Trek Ele foi trazido especialmente por sua experiência com musicais. Ele começou na indústria como diretor de fotografia de videoclipes da MTV nos anos 1990 e fez alguns dos mais marcantes episódios no gênero, incluindo “Duet”, um celebrado crossover musical das séries The Flash e Supergirl, em 2017.
  • A roteirista Dana Horgan se juntou a Strange New Worlds na segunda temporada e escreveu “Ad Astra per Aspera”, além deste episódio. Aqui, ela fez parceria com Bill Wolkoff, que está na série desde a primeira temporada e escreveu “Ghosts of Illyria”, “Lift Us Where Suffering Cannot Reach” e “Those Old Scientists”.
  • Horgan e Wolkoff também serviram especificamente como produtores deste episódio, para facilitar todo o trabalho de coordenação com os compositores, os coreógrafos e a direção.
  • Os compositores das canções foram Kay Hanley e Tom Polce, conhecidos por sua participação na banda de rock alternativo americana Letters to Cleo.
  • A palavra rapsódia vem da literatura e significa “recitação de poema”.
  • As sequências musicais têm referências a vários clipes musicais. A sequência final na engenharia em que Spock, Pelia e La’An cantam é uma homenagem ao clipe de “Bohemian Rhapsody”, da banda Queen. Já para os klingons, foi adotado o estilo k-pop, as bandas jovens coreanas.
  • Segundo Downs, foi filmada uma versão alternativa dos klingons, com medo de que o k-pop fosse demais, mas no fim eles optaram por ela.
  • A clássica canção “Anything Goes”, que Uhura toca no começo do episódio, já apareceu em diversos filmes, mais notadamente na sequência de abertura de Indiana Jones e o Templo da Perdição.
  • Originalmente, a canção solo de La’An teria cenas grandiosas, no estilo de A Noviça Rebelde, mas, tanto por custo como por questões criativas, os produtores optaram por algo mais contido, com cenas no hotel da Terra do século 21, refletindo o que ocorrera em “Tomorrow and Tomorrow and Tomorrow”.
  • Una menciona seu gosto por canções de Gilbert e Sullivan, em referência a “Q&A”, episódio de Short Treks.
  • Bruce Horak, que interpretou o aenar Hemmer na primeira temporada (com uma participação em “Lost in Translation”, da segunda temporada), volta neste episódio como o comandante klingon, Garkog.
  • Quando La’An, M’Benga e Spock falam sobre virarem coelhos, trata-se de uma referência ao episódio musical de Buffy, a Caça-Vampiros, “One More With Feeling”, um grande precursor desses experimentos com o gênero em séries de fantasia e ficção científica.
  • O episódio revela que o primeiro nome da capitão Batel é Marie.
  • Naves da Frota Estelar afetadas pelo campo de improbabilidade musical incluem a Lexington, a Republic, a Potemkin, a Cayuga, a Hood e a Kongo. Entre as naves klingons, a Forcas e a Harlak.
  • As naves klingons vistas aqui são descritas como cruzadores de batalha K’t’inga, introduzida em Jornada nas Estrelas: O Filme, em vez de usar a designação D-7, comum na época da Série Clássica.
  • Spock mais uma vez encara uma bebedeira de sangria com os klingons, a exemplo do que fez em “The Broken Circle”.
  • James Kirk menciona aqui sua relação com Carol Marcus, que levaria ao nascimento do filho dos dois, David Marcus, visto nos filmes Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan e Jornada nas Estrelas III: À Procura de Spock.
  • O álbum da trilha sonora do episódio foi lançado no dia 4 de agosto de 2023 nos principais serviços de streaming musical, com 11 faixas: nove canções, mais a versão do tema de abertura cantado e o medley instrumental dos créditos finais. (Você pode ler uma resenha específica sobre ele aqui.)

Ficha Técnica

Escrito por Dana Horgan & Bill Wolkoff
Dirigido por Dermott Downs

Exibido em 3 de agosto de 2023 

Título em português: “Rapsódia Subespacial”

Elenco

Anson Mount como Christopher Pike
Ethan Peck
como Spock
Jess Bush
como Christine Chapel
Christina Chong
como La’An Noonien-Singh
Celia Rose Gooding
como Nyota Uhura
Melissa Navia
como Erica Ortegas
Babs Olusanmokun
como Joseph M’Benga
Rebecca Romijn
como Una Chin-Riley

Elenco convidado

Paul Wesley como James T. Kirk
Melanie Scrofano como Marie Batel
Dan Jeannotte como George Samuel Kirk
Bruce Horak como Garkog
Carol Kane como Pelia
Rong Fu como Jenna Mitchell

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Edição de Maria Lucia Rácz
Revisão de Susana Alexandria

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