James Horner e a música para A Ira de Khan

Jovem compositor foi descoberto após trabalhos com Roger Corman e criou a trilha sonora com o sabor marítimo que o diretor Nicholas Meyer desejava.

Embora feito para as telonas, Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan não tinha orçamento suficiente para pagar um diretor consagrado de cinema. O resultado foi que o produtor executivo Harve  Bennett, homem de confiança do estúdio, e seu fiel escudeiro, Robert Sallin, tiveram de se satisfazer com o bom, jovem e barato Nicholas Meyer.

O novo diretor, por sua vez, também não teria dinheiro para escolher um compositor musical de primeira linha. Após ser contratado, Meyer bem que quis chamar Miklós Rózsa, autor da inesquecível trilha sonora de Ben-Hur (1959) e um dos nomes mais reverenciados da área, para compor a música de Jornada II. Os dois haviam trabalhado juntos em Um Século em 43 Minutos. Porém, devido ao orçamento reduzido, não foi possível contratá-lo, muito menos trazer de volta Jerry Goldsmith, autor dos elogiados temas do primeiro filme. Robert Sallin saiu à caça de algum jovem talento da música, replicando o método que havia encontrado Meyer para a cadeira de diretor, e topou com James Horner, na época com 28 anos. Conhecido de Goldsmith, ele havia até mesmo assistido a algumas sessões de gravação da trilha sonora de Jornada nas Estrelas: O Filme.

Faixas de Horner para Mercenários das Galáxias (Battle Beyond the Stars), filme de 1980, inspiraram o seu trabalho em Jornada II.

Horner tinha começado sua carreira em Hollywood trabalhando para Roger Corman, um dos grandes realizadores dos chamados filmes B, e já havia musicado duas produções dele no mesmo ano, 1980: o terror de ficção científica Criaturas das Profundezas (Humanoids from the Deep) e a aventura espacial (de baixo orçamento) que surfava a onda Star Wars, Mercenários das Galáxias (Battle Beyond the Stars). Nesse último, Corman havia pedido a Horner, sem vergonha alguma, um tema bem inspirado na música de Goldsmith para o primeiro filme de Star Trek.

Grande estudioso de seu ofício, era nascido na Califórnia, mas morou em Londres durante a infância, retornando aos Estados Unidos nos anos 1970. Bacharel em Música pela Universidade do Sul da Califórnia (USC), tornou-se mestre pela Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA) e passou a lecionar na instituição, formando-se doutor em teoria e composição musical lá mesmo. De forma amadora, fez trilhas para filmes estudantis no Instituto Americano de Cinema (AFI), onde conheceu Roger Corman. Nicholas Meyer se entendeu bem com o músico e o contratou. Falou sobre suas ideias para o novo filme, que eram de origens bem literárias, calcadas em histórias marítimas como as de Horatio Hornblower. Embora Harve Bennett ficasse confortável em ver a nova trilha com ecos do tema clássico de Jornada nas Estrelas, Horner resolveu tomar outro caminho, com total apoio do diretor.

Ao longo de sua extensa carreira, o artista ficaria conhecido por fazer muitas referências a famosos compositores russos em suas criações. Sergei Rachmaninoff (1873-1943), Serguei Prokofiev (1891-1953) e Dmitri Shostakovich (1906-1975) foram lembrados em suas partituras. Mas, além dos seus favoritos, outra característica dele sempre foi se autorreferenciar. Essa prática começou justamente em Jornada II. Muitas das músicas da trilha sonora do filme são bem semelhantes às composições de Mercenários das Galáxias. Uma busca deste filme em plataformas musicais de streaming como Spotify, Deezer ou Apple Music basta para encontrar a similaridade.

Faixas de Mercenários, como “Main Title”, “Love Theme”, “The Hunter” ou “Shad’s Pursuit”, poderiam facilmente estar no pacote de A Ira de Khan. O disco é praticamente um ensaio para sua versão mais elaborada em Star Trek — sempre lembrando que ele já guardava, por design, semelhanças com a trilha de Jerry Goldsmith para a aventura de estreia de Jornada.

Em A Ira de Khan, Horner expandiu suas ideias para o filme de Roger Corman com alguns novos temas, introduzindo a pegada marítima necessária. “As peças precisavam ser musicais e  memoráveis”, contou o músico, em entrevista de 2009. “Era importante que houvesse os temas principais, acompanhados de motivos curtos, para narração de outras coisas. Temas costumam ser longas melodias, e os motivos, bem menores.”

O tal motivo é um fragmento musical que fica reaparecendo no decorrer de uma composição, na sua forma original ou em diferentes transposições. O personagem Khan (Ricardo Montalban) tinha um desses, com um som meio bélico, feito com trompas que, acompanhadas de percussão, ilustrava de uma maneira bem figurativa sua personalidade. O almirante Kirk (William Shatner) também ganhou um motivo, e a amizade dele com Spock (Leonard Nimoy), um tema intimista. Várias melodias longas ficaram para as cenas com a Enterprise. “Usamos oito trompas para a música da nave. Nas sequências de perseguição entre a Enterprise e a Reliant pudemos direcionar os temas para cada ação, em incessantes músicas de batalha”, explicou Horner.

“Era uma maneira de mostrar quem era quem musicalmente, quem estava ferido e quem não estava. Isso ajuda o público a saber como o confronto estava indo. Sem um direcionamento assim, é apenas mais uma música de cenas de ação.”

No tema principal, que aparece nos créditos iniciais e finais, o compositor evocou a famosa fanfarra da série original, escrita por Alexander Courage, criando um laço com a nostalgia dos fãs, antes de soltar sua música original. “Ficou com um sabor de uma aventura clássica em alto mar, conforme o pedido de Nicholas Meyer. Ele queria o futuro visto pelas lentes do passado”, descreveu Horner. Uma nova melodia para a saída da Enterprise da doca seca foi feita, e muita emoção ficou guardada para a sequência da morte de Spock e seu sepultamento, com o caixão disparado para a superfície do novíssimo planeta Gênesis.

A trilha sonora saiu em LP e fita cassete nos anos 1980, chegando em CD às lojas no ano de 1990.

A trilha sonora de Jornada nas Estrelas II foi lançada em 1982 num álbum com apenas 45 minutos, em nove faixas. No filme, a música soma em torno de 70 minutos. Originalmente colocada nas lojas pela Atlantic Records, em LP e fita cassete, em 1990 chegou ao mundo do CD, pela GNP Crescendo Records. Quase vinte anos depois, em 2009, a Film Score Monthly, em parceria com a Retrograde Records, produziu uma edição expandida do álbum, com 23 faixas, totalizando 75 minutos de música. O CD vinha com um belo encarte de 28 páginas, com detalhes das faixas e textos de apoio. Em 2016 a gravadora Mondo trouxe de volta em vinil, numa edição luxuosa para colecionadores.

James Horner ainda faria o longa seguinte, Jornada nas Estrelas III: À Procura de Spock, em 1984, e depois se tornaria bem requisitado em Hollywood. Foi responsável pelas trilhas sonoras de produções famosas como Cocoon (1985); Comando para Matar (1985); Aliens, o Resgate (1986); O Nome da Rosa (1986); Querida, Encolhi as Crianças (1989); Coração Valente (1995); Apollo 13 (1995); Titanic (1997); e Avatar (2009). Ganhou dois prêmios Oscar por Titanic em 1998: Melhor Canção Original por My Heart Will Go One, interpretada por Celine Dion, e Melhor Trilha Sonora Original.

Em 2009, a FSM colocou à venda uma edição em CD, expandida e caprichada.

O compositor morreu aos 61 anos, em junho de 2015. Piloto, voava sozinho em um avião turboélice de dois lugares, quando caiu na Floresta Nacional Los Padres, ao sul da Califórnia. Embora tenha nos deixado relativamente cedo, James Horner nunca deixará de ser lembrado pelos fãs de Jornada nas Estrelas, e muito menos pelos fãs de cinema, por seu legado imperecível.

Artista trabalhou em dois filmes de Jornada nas Estrelas para o cinema.

Texto publicado originalmente no volume 10 da Coleção Trek Brasilis, de outubro de 2020.