Despretensão e sátira marcam encontro de Spock com “Trelane” gênio da lâmpada
Sinopse
Data estelar: 2251.7
A Enterprise passa por reparos numa parada de três meses na Base Estelar Um, enquanto a tripulação se prepara para as celebrações do centenário da Federação. Spock aprende, com dificuldade, a dançar mambo com La’An. O vulcano está ansioso para rever Chapel, depois do afastamento de três meses dela como aluna de Roger Korby. Scotty vê um sinal anômalo pouco antes de transportá-la a bordo, e ela chega com Korby – os dois estão namorando. Spock, trazendo um livro raro como presente para ela, fica visivelmente perturbado.
Em outra parte da nave, Erica Ortegas treina boxe com seu irmão mais novo, Beto, que está a bordo para fazer filmagens do evento. Na enfermaria, um enfermeiro tira sangue de Una e recebe a boa notícia de que M’Benga tornou seu posto permanente. Batel está fazendo uma boa recuperação, e Pike quer que ela continue mais tempo a bordo antes de assumir o comando de outra nave.
Chapel procura Spock para devolver o presente e pedir desculpas pela situação complicada. Enquanto isso, Uhura flerta com Beta, deixando Erica preocupada. No bar da nave, mais tarde, Korby conta uma história romântica com Chapel, o que deixa Spock ainda mais desconcertado. Ele aborda o barman, que apenas parece ser vulcano. Ele oferece uma bebida a Spock, que faz um desejo ao bebê-la. De volta a seus aposentos, ele dorme e, quando acorda, Chapel está ao lado dele – e é a véspera do dia do casamento dos dois.
Spock segue treinando dança com La’An e em seguida reencontra o mesmo misterioso homem que antes se passava por um barman, mas agora ele se manifesta como um cerimonialista andoriano. Ele claramente tem poderes, ao fazer docinhos se transformarem e dar nova vida ao buquê de flores que pertenceu à finada mãe de Chapel. Korby estranha o camarada e parece ser o único infeliz nas circunstâncias. Mais tarde ele entra nos aposentos de Spock e o confronta.
Korby admite estar sabotando o casamento, porque parece ser o único ciente de que a realidade se transformou. Os dois têm uma discussão e Spock acaba desferindo um soco em Korby. A emoção intensa o faz perceber que de fato estão vivendo em uma realidade alterada. Descartando hipóteses, eles chegam à conclusão de que há uma entidade inteligente interferindo no desenrolar dos eventos. Spock tenta convencer Sam Kirk de que ele está vivendo uma realidade alternativa, provocando-o, mas não dá certo. Em seguida, procura Pike, que organizou uma despedida de solteiro para ele. De novo, tentativas de convencê-los da verdade fracassam. Provocar raiva não funcionou. Spock se pergunta se amor teria uma chance melhor. Ele e Korby, com a ajuda do computador, encontram um intruso na nave – o cerimonialista, na verdade uma entidade poderosa. Os dois o confrontam, mas ele está determinado a manter tudo como está.
Um novo dia começa, e é chegada a hora da cerimônia. Korby tenta impedir o casamento e é transformado pela entidade em um cão. No altar, Spock usa os seus votos para repetir um poema de Pablo Neruda que Korby havia declamado a Chapel, replicando o momento romântico que viveram, o que a faz se emocionar e finalmente perceber que está em uma realidade alterada. Mesmo assim, a entidade pretende prosseguir e matar todo mundo – ele quer se vingar de Korby, por ter escavado livremente em seu velho mundo natal. A situação só se resolve quando um globo de energia esverdeado chega à Base Estelar Um – é o pai da entidade, que não passa de uma criança (ainda que tenha mais de 8.000 anos terrestres). Com o filho disciplinado, o pai parte com ele.
Com tudo de volta ao normal, e o casamento interrompido, Pike faz um discurso desajeitado em homenagem ao centenário da Federação, lembrando como a Frota Estelar foi criada justamente para encontrar criaturas e situações estranhas como aquela. Uma barwoman de três braços da Base Estelar Um é convidada por Pike e Una a trabalhar na Enterprise. Chapel e Korby voltam a seu relacionamento, Uhura e Beto também se entendem e um solitário Spock é tirado para dançar por La’An. Batel estranhamente deixa a festa, assim como Erica Ortegas, que vai descontar sua raiva com um saco de pancadas e vê um reflexo gorn na janela da nave.
Comentários
“Wedding Bell Blues” é um daqueles episódios cujo objetivo é produzir uma descompressão, um relaxamento, após a enorme tensão de um momento crítico. Não se trata de movimento atípico para Star Trek, e vimos isso, por exemplo, logo após o confronto com os borgs, na quarta temporada de A Nova Geração (com “Family”, um episódio em que a Enterprise volta à Terra), e na retomada da Estação 9 após o início da Guerra do Dominion, na sexta temporada de Deep Space Nine (com “You Are Cordially Invited”, que traz o casamento de Worf e Dax).
Aqui temos as duas coisas juntas: a Enterprise volta ao Sistema Solar (por falta da Terra, eles param na Base Estelar Um, em órbita de Júpiter) e temos um casamento – ainda que imaginário – de dois dos personagens principais, Spock e Chapel. Para permitir tudo isso, os roteiristas Kirsten Beyer e David Reed lançam mão de Trelane. Ou melhor, “um Trelane”. Rhys Darby interpreta de forma magnífica um personagem que é escandalosamente inspirado no criado por William Campbell em “The Squire of Gothos”, da primeira temporada da Série Clássica.
Em meio a tudo isso, Spock decide aprender a dançar – de início para a celebração do centenário da Federação Unida de Planetas (o que coloca esse episódio no ano 2261), o que acaba se tornando muito conveniente para a fantasia matrimonial que se segue. É impossível não se lembrar do androide Data querendo aprender a dançar (também para um casamento, de Keiko e Miles O’Brien) em “Data’s Day”, da quarta temporada de A Nova Geração.
A essa altura, acho que a mensagem já está clara: a despeito de seu humor divertido, o episódio é excessivamente derivativo. Isso prejudica um pouco a apreciação do espectador mais estudioso da franquia, que se sentirá tapeado e até mesmo provocado por algumas escolhas da produção. (Afinal, por que colocar John de Lancie, conhecido em múltiplas séries como Q e com uma voz inconfundível, para interpretar o pai desse novo “Trelane”? É um flerte malandro com a ideia de que Trelane e Q seriam de fato da mesma espécie, algo que chegou a ser desenvolvido de forma não canônica no romance Q-Squared, de Peter David, em 1994. Entendedores entenderão, isso é verdade. Mas gostarão?
Claro, essa é uma amargura que não vai tocar os fãs mais casuais, com um domínio menos amplo da vasta tapeçaria de episódios e filmes de Star Trek. Ainda assim, o episódio traz alguns problemas, e o maior deles está com Spock. Strange New Worlds decidiu explorar mais o lado humano do personagem, num lento processo de construção do personagem ultralógico que encontraremos na Série Clássica, sobretudo a partir dos meados da primeira temporada. Não há nada de errado com isso, por si só. Porém, algumas escolhas já começam a desafiar a integridade do personagem. No começo deste episódio, por exemplo, ele soa muito mais como Data do que propriamente como Spock.
Se você superou todas as reclamações até aqui, parabéns. Chegou a hora de elogiar. Superados todos os problemas, temos um episódio que não se leva a sério e retrata, quase como conto de fadas, o triângulo amoroso Chapel-Korby-Spock, já telegrafado desde a temporada anterior. Todos sabemos o quanto uma separação ou uma desilusão amorosa é difícil e aqui Spock precisa não só lidar com ela (o que em princípio deveria ser mais simples, com sua metade vulcana) como renegar uma fantasia que torna seu desejo realidade.
O episódio também reflete uma nova forma de viver para La’An e Uhura, após os eventos da segunda temporada. Ambas começam a se desprender de seus traumas e inseguranças e passam a encontrar um novo sentido de vida na Enterprise.
Em meio a essas tramas despretensiosas, é inegável que as cenas de humor, em geral, funcionam, e a sensação de bem-estar, o famoso “feel good”, é palpável. O astro convidado Darby está engraçadíssimo como esse “gênio da lâmpada travesso” que viabiliza a trama, ao mesmo tempo que ecoa com competência o personagem originado por Billy Campbell. Cillian O’Sullivan, em contraste, traz uma versão bem diferente de Roger Korby da que vimos na Série Clássica (“What Are Little Girls Made Of?”), mas não menos adequada, e o emparceiramento dele com Spock para resolver a situação valoriza o segmento.
A diretora Jordan Canning mais uma vez mostra competência para conduzir uma comédia em Strange New Worlds, e Nami Melumad também revela inspiração na trilha sonora, com direito a uma vinhetinha de casamento idêntica à usada em “Balance of Terror”, da Série Clássica. Mais uma vez, em todos os aspectos da produção, transborda o amor e a reverência por Jornada nas Estrelas. Mas faltou um certo cuidado para manter o verniz e a verossimilhança dos personagens, o principal valor de qualquer série. Spock não pode virar uma paródia de si mesmo, e em alguns momentos foi isso que tivemos aqui. Também foi nessa linha “tudo bem avacalhar um pouco” o discurso de Pike após o fim da ilusão matrimonial.
Apesar da despretensão, o episódio também planta sinais de eventos ainda por vir – com Batel deixando a festa abruptamente e Ortegas passando por uma crise pós-traumática que inclui visões de um gorn.
Avaliação
Citações
“Greetings and many felicitations on this happiest of wedding eves!”
(Saudações e muitas felicitações nessa mais feliz das noites de casamento!)
“Trelane”
Trivia
- Este episódio foi lançado junto com “Hegemony, Part II”, em 17 de junho de 2025.
- A escritora Kirsten Beyer volta a assinar um episódio da série depois de coescrever “Among the Lotus Eaters”, da segunda temporada. Romancista de origem, ela escreveu muitos livros de Jornada antes de ser trazida por Bryan Fuller para Discovery. Depois disso, cocriou a série Picard, antes de se juntar a Strange New Worlds.
- David Reed assina seu segundo episódio na série, depois de “Tomorrow and Tomorrow and Tomorrow”.
- A diretora canadense Jordan Canning volta para mais uma comédia, depois de comandar “Charades”, da segunda temporada.
- A escalação do ator neozelandês Rhys Darby para esse episódio foi anunciada na New York Comic Con, em outubro de 2024. O co-showrunner Henry Alonso Myers então deu pistas do personagem que ele viveria: “um personagem que será familiar e ainda assim completamente novo para o pessoal que conhece Star Trek”. Isso indica que Darby não é exatamente Trelane, sua óbvia inspiração saída de “The Squire of Gothos”, da Série Clássica, embora se comporte e se vista essencialmente como tal. “Se você conhece Star Trek, você se divertirá muito com ele e tivemos mais diversão com ele do que eu poderia imaginar.”
- Compondo a provocação, os produtores escalaram John de Lancie para fazer a voz da entidade-pai. A surpreendente revelação aprofunda mais a relação entre Q e Trelane como membros da mesma espécie, algo que sempre foi especulado pelos fãs e chegou a ser trabalhado no romance Q-Squared, de Peter David, lançado em 1994.
- O co-showrunner Akiva Goldsman comentou sobre a escalação de John de Lancie. “Estamos conectando Q e Trelane. Acho que há uma peça muito legal de cânone ancilar – que nós não criamos – que é uma peça inteligente de tecido conectivo que queríamos colocar no cânone. É um bom presente para os que pensaram naquela ideia; agora podemos celebrá-la e devolvê-la a eles. Agora, Trelane e Q são parentes.”
- Questionados se essa versão de Trelane seria o filho de Q visto em Voyager, Goldsman e seu colega Henry Alonso Myers esclareceram a situação. “Não – mas também estamos dizendo que até mesmo a individualização em criaturas únicas antropomorfizadas poderia não ser típica dentro do Continuum Q. Sendo justo, estamos apenas usando etiquetas que nos permitem a oportunidade de rastreá-los e torná-los familiares. Você poderia até dizer que Q e Trelane são o mesmo ser em épocas diferentes. Quer dizer, você pode ir para cima e para baixo com isso, mas ‘pai’ e ‘filho’ é meio que o jeito mais fácil de fazer”, disse Goldsman. “É o que parece para nós”, completou Myers. “Pode ser que não seria isso que eles diriam um ao outro no Continuum.”
- Fato é que, no episódio, Rhys Darby nunca diz o nome de seu personagem, e nenhum dos tripulantes vê sua verdadeira face – ele só parece ‘humano’ para a audiência, mas para os demais ele se mostra ou como o barman vulcano ou o cerimonialista andoriano.
- Cillian O’Sullivan faz sua estreia como Roger Korby, personagem originalmente vivido por Michael Strong, em “What Are Little Girls Made Of?”, da Série Clássica.
- Korby e, mais tarde, Spock citam para Chapel um poema do escritor chileno Pablo Neruda, o Soneto de Amor XI, em que o eu-lírico manifesta seu desejo pela amada com alegorias de fome e intensa busca por algo essencial.
- Mynor Luken faz sua primeira aparição como Beto Ortegas, irmão mais jovem de Erica.
- Uhura e Chapel aparecem com cabelo mais comprido, após um salto de três meses após “Hegemony, Part II”.
- Kelzing, a barwoman que Pike convida para trabalhar na Enterprise, com seus três braços, segundo Akiva Goldsman, é uma edosiana – espécie de Arex, navegador da nave na Série Animada. Até aqui, os edosianos só haviam aparecido em animações, pela dificuldade técnica de dar realismo a esses seres que também têm três pernas.
- O bracelete que Korby dá a Chapel é uma Gema Estelar Talariana.
- Várias naves são vistas no entorno da Base Estelar Um, dentre elas uma da classe Crossfield – mesma da USS Discovery e da USS Glenn.
- Um delegado r’ongoviano cumprimenta o doutor M’Benga ao fim do episódio. Os r’ongovianos apareceram no episódio “Spock Amok”, da primeira temporada.
- Este episódio marca o início das aulas de dança de La’An com Spock. Descobrimos que ela queria ser bailarina quando criança e ele nota que “vulcanos não dançam”, como informado por Tuvok em “Homestead”, da sétima temporada de Voyager. Em entrevista ao Trek Brasilis, Christina Chong comentou o desafio das cenas de dança, que prosseguem por vários episódios. “Foi muito divertido porque tivemos, acho que foram sete ou oito rotinas de dança no total. Quase todo fim de semana a gente ensaiava, contei umas 74 horas de ensaio”.
Ficha Técnica
Escrito por Kirsten Beyer & David Reed
Dirigido por Jordan Canning
Exibido em 17 de julho de 2025
Título em português: “Núpcias Irreais”
Elenco
Anson Mount como Christopher Pike
Ethan Peck como Spock
Jess Bush como Christine Chapel
Christina Chong como La’An Noonien-Singh
Celia Rose Gooding como Nyota Uhura
Melissa Navia como Erica Ortegas
Babs Olusanmokun como Joseph M’Benga
Martin Quinn como Montgomery Scott}
Rebecca Romijn como Una Chin-Riley
Elenco convidado
John de Lancie como entidade-pai (só voz)
Cillian O’Sullivan como Roger Korby
Rhys Darby como entidade-filho
Melanie Scrofano como Marie Batel
Dan Jeannotte como George Samuel Kirk
Mynor Luken como Beto Ortegas
Chris Myers como Dana Gamble
Myles Dobson como jovem barman vulcano
Kira Guldien como Kelzing
Alex Kapp como computador da Enterprise
Ron Kennell como delegado r’ongoviano
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Edição de Maria Lucia Rácz
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