APÓS ROLAREM PARA dentro do buraco, ambos se deixaram ficar por alguns minutos a fim de se refazer do susto. A voz grave de Dukat encheu o ar com indisfarçado tom de reprovação e censura.

- Definitivamente você cultiva o péssimo hábito de não medir as conseqüências de seus atos.

- Apenas pensava em nosso bem-estar – respondeu, com a voz estranhamente arrastada.

- Por uma caixa de rações Cardassianas que tanto abomina?! Eu deveria ter previsto! – exclamou incrédulo. Uma rápida pausa seguida de uma respiração profunda foi o tempo necessário para que o tulgryn indagasse.

- Você está bem?

- Aa...cho que sim... – respondeu tentando levantar-se e desistindo no mesmo instante em que sentiu uma tontura acompanhada de uma desconfortável dormência em seu ombro. Levou a mão até o local constatando o sangramento e não era só isso...

- Creio que falei cedo demais! – disse morosamente olhando para o firmamento escuro e opaco.

O militar imediatamente juntou-se a ela percebendo a nódoa vermelha empapada na blusa grossa que vestia.

- Deixe-me ver – disse de forma gentil, como se falasse a uma criança.

Cautelosamente Dukat verificou se havia algum deslocamento ou tendão rompido no ombro ligeiramente deformado pelo inchaço.

- Não parece estar deslocado – constatou experimentando delicadamente em várias posições o braço esquerdo da médica.

Anarys sacudiu ligeiramente a cabeça.

- Mal consigo sentir o ombro... Tenho vertigem e... Com... Sono. Maldita criatura envenenou-me!

- É o que parece – respondeu o militar apressando-se em buscar o kit de primeiros-socorros – Volto já.

- Não se preocupe não vou a lugar algum – tentou brincar, notando a fala enrolada como se tivesse ingerido um tonel inteiro de kanar[1].

De volta com o estojo médico, Dukat sabia exatamente que o fazer.  Precisava neutralizar a ação do veneno, não permitindo que o mesmo chegasse em quantidade suficiente ao coração da Bajoriana, provocando sua morte.  Procurou pelo antídoto e preparou o instrumento injetor com ele.  Virou delicadamente para o lado sua cabeça e inoculou o medicamento na jugular, esperando por alguma reação.

Os olhos da Bajoriana começavam a vidrar, pupilas dilatadas e a respiração já bastante imperceptível.  Em um ato de raro descontrole, Dukat aplicou nova dose do antídoto, mas desta vez diretamente no coração.  Em seguida apanhou uma pinça, e com um movimento rápido rasgou a blusa da médica na altura do ferimento expondo parte de seu seio esquerdo. Ativou o instrumento e pôs-se a explorar a ferida em busca da unha do felino responsável por seu envenenamento. O oficial sabia que um horricat por vezes, ao abater sua caça, procurava inocular a toxina depositada em suas unhas com o intuito de paralisar gradativamente a vítima, facilitando assim seu trabalho.

Não precisou de muito tempo para encontrar o que procurava.  Retirou admirado de dentro da ferida os quase cinco centímetros de unha.  Limpou e tratou de fechar o ferimento rapidamente, verificou de novo os sinais vitais da Bajoriana e cuidadosamente carregou-a para dentro do abrigo, acomodando-a confortavelmente debaixo da coberta térmica.

Somente o tempo iria dizer se sua intervenção fora suficientemente rápida e eficaz.

Tomou um gole d’água, ‘reavivou’ a fogueira enquanto se enrolava em uma lona. Arrancou o comunicador de sua armadura desprezando-a em um canto e automaticamente procurou pelo bioscanner da Bajoriana, que dormia profundamente, e finalmente sentou-se junto a ela.  Sacou do uniforme o dispositivo iônico e pôs-se a trabalhar.  A noite apenas começara...

 


[1] Bebida Cardassiana fermentada, similar a cerveja.

 

Sobreviventes do Preconceito

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