APÓS NOVE DIAS presos em Ratasha,  o sol finalmente firmou-se no céu azul naquela manhã e o mesmo já ia alto quando a equipe de resgate Cardassiana comunicara que chegaria em breve.  Anarys ainda enfraquecida arrumava sua mochila quando o militar aproximou-se dizendo.

- Não precisarei disto – disse entregando o restante das rações e água – Tem certeza de que não quer reconsiderar meu convite e aproveitar o transporte para fora daqui?

- Prefiro seguir trilha abaixo, calculo que até o início da noite alcançarei meu destino.

- Está debilitada, doutora, e sua aparência não é das melhores – externou sincera preocupação.

- Sim, eu sei, pareço com um norat, você já disse isto.

Dukat achou graça da médica ter lembrado do comentário.

- Dra. Anarys – fez uma pausa proposital a fim de dar ênfase ao seu comentário - É uma mulher bastante teimosa e decidida. Embora não goste da idéia de que empreenda viagem sozinha no seu estado atual, vou respeitar seu desejo, mas com uma condição.

A médica parou de empacotar suas coisas e encarou o militar.

- Leve-o com você – disse oferecendo seu feiser pessoal.

- Não preciso disto.

- Eu me sentiria melhor se o mantivesse consigo.  Afinal, nunca se sabe, pode muito bem encontrar com um horricat ou talvez um... Cardassiano em apuros.

Com um gesto impaciente guardou a arma a contragosto e ajeitando a mochila no ombro decidiu por partir.

- É melhor eu ir andando.

- Bem, então é aqui que nos despedimos – disse fazendo uma curta pausa – Faça uma boa viagem e que seus Profetas a protejam.

- Obrigada – agradeceu e seguiu seu rumo.

Dukat inesperadamente segurou-lhe o braço retardando a partida da nativa. Olhou demoradamente seus olhos cor de mel e com a sua característica voz grave, porém gentil, bem diferente do que a doutora estava acostumada a escutar disse:

- Anarys, por mais que tentasse durante estes dias não consegui entender o que levou você a se empenhar tanto em salvar-me a vida.  Não faz sentido algum, dadas as circunstâncias.  Só posso depreender que é uma pessoa boa e generosa, e imagino que, apesar de tudo pelo que já deve ter passado com a ocupação, não se deixou infectar por sentimentos exacerbados de vingança e ódio.  Sou grato por tudo o que fez por mim - os olhos azuis do tulgryn penetravam os seus como se tentasse buscar uma resposta ali.

Jamais imaginou escutar o Exterminador de Ydek expressar sinceramente sua gratidão.

- Não tem que agradecer.  O que fiz faria por qualquer outro.

- Foi o que eu disse.  É uma Bajoriana bastante incomum, Anarys.  Admito que nestes últimos dias acostumei-me com a sua presença, apesar de seus constantes rompantes emocionais. Cheguei até a desenvolver certa simpatia por você.  Seria ousado demais de minha parte imaginar que o sentimento é recíproco? – não se privou de uma última provocação.

Anarys irritou-se com este último comentário.

- O fato de ter-lhe salvo a vida não significa que tenha desenvolvido alguma afeição por você – disse olhando firme para seu braço ainda preso pelo Cardassiano.

A Bajoriana liberou-se dele e rumou em direção à trilha quando o ouviu chamar por ela.

- Doutora.

Anarys voltou a cabeça na direção do Cardassiano.

- Espero algum dia poder encontrá-la de novo.

- Não acredito que alguma criatura em toda Bajor pudesse ser amaldiçoada duas vezes com tamanho azar.

Dukat riu-se à larga ao mesmo tempo em que acompanhava a silhueta da atraente médica desaparecer trilha abaixo.  Mal sabia ele que seu desejo não estava longe de se concretizar.

 

 Continua...

 

 

Sobreviventes do Preconceito

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