Quase uma semana com Nicole Janeway

A história de Geneviève Bujold, a atriz que foi contratada às escuras pelos produtores para viver a capitã da USS Voyager.

No segundo semestre de 1994, durante o período de pré-produção de Voyager, série que lançaria a UPN, novo canal de televisão da Paramount, os produtores Rick Berman, Michael Piller e Jeri Taylor estavam à caça de uma atriz que pudesse personificar a capitã Nicole Janeway, comandante da USS Voyager, uma nave que se perderia em um setor distante da galáxia e passaria a série toda tentando retornar para casa.

Depois de dezenas de audições com diversas atrizes, aparentemente a intérprete de Janeway havia sido escolhida por Jeri Taylor. Seria a atriz franco-canadense Geneviève Bujold, então com 52 anos, já indicada ao Oscar e com uma grande bagagem na área da atuação. “Eu já havia visto seu trabalho no cinema e convidei-a para uma audição. Tinha certeza de que era a pessoa correta para o papel, vide seus trabalhos anteriores, cheios de paixão e intensidade”, conta Jeri. “Porém ela revelou que não fazia audições, não era a maneira como trabalhava. E assim foi contratada, pelo nosso instinto de que daria certo.”

Winrich Kolbe, o diretor do episódio-piloto “Caretaker”, advertiu que talvez Bujold não estivesse muito por dentro de como funcionaria fazer uma série semanal de televisão, já que a atriz havia construído toda a sua carreira no cinema. Sabendo do rigor de horários e do planejamento sempre pré-estabelecido e modificado em cima da hora, Kolbe ficou receoso quanto a produtividade da atriz. Rick Berman chamou Geneviève em seu escritório e explicou exatamente como funcionava o processo, e ela ficou de pensar melhor antes de dar uma resposta definitiva. E deu, dias depois. Geneviève estava dentro e a série começaria a ser filmada.

O primeiro encontro do recém-selecionado elenco foi em um tour comandado por Winrich Kolbe pelos cenários da nova série. Garret Wang, o alferes Harry Kim, disse que “Geneviève era muito reservada e nunca falava nada. Sua presença era fria e cordial apenas”. Porém Bujold, tentando se aproximar de seus novos colegas, distribuiu flores para todo o elenco e produção no primeiro dia de gravações. Mesmo assim havia uma certa tensão no ar durante as filmagens. Geneviève havia desistido de tentar aproximações com os outros atores depois do primeiro dia e tudo andava muito quieto, algo nada normal para Wang. “Ela fazia suas cenas e depois sumia em seu trailer”, conta o ator.

Alguns dias depois de iniciadas as filmagens, mais precisamente em uma sexta-feira, Geneviève aproximou-se do diretor Kolbe e disse que não queria ser a capitã Janeway arrojada e decidida, como pedia na “bíblia” da série. Ela queria interpretá-la como se fosse exatamente uma cientista, apoiada na lógica e com atos friamente pensados. Bujold disse ainda que aquela Janeway parecia um personagem de desenho animado e ela não queria ser um cartoon. Queria ser Geneviève Bujold.

Kolbe explicou que a capitã era de fato uma cientista, mas como comandante da nave tinha muitas obrigações e deveria mostrar um pulso firme, uma personalidade decidida e objetiva, mas com emoção e intensidade. Devia ser algo “além da vida”, como todos os protagonistas das séries de Jornada foram. Nessa mesma sexta-feira, lá pela hora do almoço, aconteceu o que muitos já estavam prevendo. Bujold aproximou-se mais uma vez de Kolbe e disse que não estava se sentindo bem fazendo o papel de Janeway e iria largar tudo. Segundo Kolbe, sua reação foi de pedir que ela não dissesse isso na frente da equipe de produção e resolveu então fazer uma pausa para almoço e decidir que atitude tomar. “Veja bem”, conta Kolbe, “há muita, mas muita pressão sobre a equipe de produção. Recebemos muito dinheiro do estúdio para fazer a coisa funcionar, e há muito mais dinheiro envolvido nisso tudo. Iríamos lançar um canal de televisão de um dos maiores estúdios de Hollywood e estavamos fazendo a mais nova encarnação de um dos maiores (se não o maior) franchise de todos os tempos do ramo do entretenimento”. Kolbe foi ao trailer de Bujold e ficou lá por meia-hora conversando com a atriz. De nada adiantou. Rick Berman foi chamado ao set de gravação e informado que Voyager não tinha mais sua capitã.

Jeri Taylor assumiu então que contratá-la foi um erro. Geneviève Bujold estava acostumada a trabalhar em filmes para cinema, onde há mais tempo e onde o ator pode se isolar do mundo. Na televisão ela teria de dar entrevistas à Imprensa com frequência e posar para fotos publicitárias, sendo que Bujold não gostava nem de fotógrafos no set de gravações.

Assim estava decretada a morte da capitã Nicole Janeway, que não teve sequer uma semana de vida. As tomadas de Bujold como a capitã de Voyager nunca foram divulgadas, ou se foram, apenas para um número limitadíssimo de pessoas. Isso, claro, não impediu que os fãs fizessem sua própria concepção de como seria essa fria capitã cientista.

Mas Voyager precisava seguir em frente com uma nova Janeway, desta vez chamada Kathryn, e Kate Mulgrew poderia ser a pessoa certa para vivê-la.

Artigo originalmente publicado no conteúdo clássico do Trek Brasilis em 21 de outubro de 2002.