TOS 2×03: The Changeling

Sensação de déjà vu é a maior emoção de segmento monótono 

Sinopse

Data estelar: 3451.9

Enquanto atende um pedido de socorro e tenta descobrir o motivo do desaparecimento de 4 milhões de pessoas, a Enterprise é repentinamente atacada pelo disparo de uma força poderosa. Após um segundo disparo, Spock consegue localizar a fonte do ataque e a Enterprise contra-ataca, sem efeito.

Ao perceber que não conseguirá derrotar o inimigo, Kirk tenta se comunicar com ele. Surpreendentemente, o ataque cessa e um sinal de comunicação é enviado. Uhura identifica o sinal como um código interplanetário obsoleto. Uma tentativa de tradução pelo computador da nave causa uma sobrecarga, mas, mesmo assim, a entidade consegue informações suficientes para estabelecer comunicação.

Após o contato, o ser é levado a bordo e a tripulação da nave descobre que se trata de uma máquina, um tipo de sonda espacial que chama a si mesmo de  Nômade. Spock descobre através dos bancos de dados da Enterprise que Nômade havia inicialmente sido construída por um cientista chamado Jackson Roykirk e lançado da Terra no fim do século XX, com a intenção de pesquisar formas de vida alienígena, mas fora dada como destruída.

Spock conclui que a sonda foi alterada de algum modo, tanto em forma quanto em programação. Agora dotada de um poder imenso, ela tem a missão de eliminar formas de vida biológicas não perfeitas, segundo seu próprio julgamento.

Enquanto Kirk, Spock e McCoy tentam descobrir o que fazer, Nômade é atraída pelo som da voz de Uhura, que cantava através do intercom, e a segue pela nave até chegar à ponte de comando. Kirk é informado por Scott da presença do mecanismo na ponte. Nômade se aproxima da tenente e começa a questioná-la sobre o significado da música que cantava. De repente, o mecanismo inicia algum tipo de sondagem na tenente. Scott, ao perceber isso, tenta impedi-la, mas é repelido por uma descarga de energia e cai morto na ponte. Uhura, embora viva, está em estado catatônico.

Nômade percebe o desgosto de Kirk, a quem julga ser o criador devido à semelhança entre os nomes do cientista e do capitão da Enterprise, e se oferece para “reparar”  a unidade. Com algumas informações sobre anatomia do banco de dados da Enterprise, a sonda consegue trazer Scott de volta à vida. Uhura, porém, se mostra além da capacidade de “reparo” de Nômade, pois, embora fisicamente bem, todo o conhecimento foi apagado da sua memória.

Embora Spock se mostre interessado em estudar Nômade, Kirk está decidido a incapacitá-la assim que possível e manda Spock trabalhar em uma pesquisa sobre possíveis pontos fracos do mecanismo. Quando Nômade se recusa a baixar suas defesas, Kirk consegue fazê-la mudar de opinião, deixando claro que Nômade o reconhece como “criador”. Enquanto isso, Chapel trabalha na reeducação de Uhura, que tem agora a constituição mental de uma criança.

Sem sucesso em sua pesquisa, Spock tenta usar o “elo mental vulcano” com Nômade. Apesar da quase matar o vulcano, o procedimento tem sucesso. Spock descobre que a sonda Nômade original (projetada para procurar novas formas de vida), após sofrer um acidente, encontrou uma sonda alienígena que tinha como missão descobrir e esterilizar amostras de solo em outro planeta, com a qual se fundiu. Após esse processo, Nômade criou uma nova diretriz baseada na fusão das diretrizes de ambos os equipamentos.

Sem que Kirk e  Spock saibam, Nômade deixa a sala de detenção, matando os dois guardas de segurança e se dirige até a engenharia, onde começa a fazer “reparos” na nave, levando a Enterprise a uma velocidade que quase a desmonta. Kirk chega na hora e a manda parar com os “reparos”.

Kirk finalmente revela a Nômade que ele não é Jackson Roykirk e manda que ela retorne à segurança, mas a sonda tem dificuldade em compreender o que, para ela, é uma inconsistência. Ela retorna à cela, mas dá a entender que pretende voltar ao “ponto de lançamento”, provavelmente, a Terra, um lugar cheio de unidades biológicas imperfeitas.

A caminho da detenção, Nômade mata mais dois guardas e segue para a enfermaria, onde, segundo McCoy, teria examinado o histórico médico de Kirk, o que lhe daria elementos para concluir que ele não é seu “criador”. A sonda, então, volta à engenharia e desabilita os sistemas de suporte de vida, com objetivo de matar a tripulação sem danificar a nave. Ela sabe, agora, que Kirk não é seu criador e não aceita mais as suas ordens.

Kirk começa, então, um duelo de lógica com Nômade e a convence de que ela própria é imperfeita, convencendo-a de que deve se “autoesterilizar”. Eles aproveitam esse momento para transportar o aparelho para o espaço, onde Nômade finalmente cumpre sua programação e implementa sua autodestruição.

De volta à ponte, Kirk é informado que Uhura está  recuperação e deve voltar ao trabalho em uma semana e, então, a Enterprise retoma seu curso.

Comentários

Apesar se ser uma serie sci-fi, o que torna natural o tratamento de questões com viés científico e/ou tecnológico, ao longo de toda a sua existência, a Série Clássica teve como assinatura uma abordagem muito mais humanística do que high tech. Talvez por isso episódios centrados em “high concepts” como “The Changeling” sempre parecem deslocados do espírito da série.

O mistério de uma força capaz de destruir tanto com tão pouco esforço, que tenta ser a força principal desse segmento, se esvai com muita facilidade e o episódio logo se torna cansativo. Talvez um dos motivos seja a dificuldade de atribuir ao elemento de cena que representa Nômade tamanha sensação de perigo.

Uma das regras básicas do cinema (e que pode se aplicar a TV) é “não conte, mostre”. Essa afirmação pode ser entendida aqui de forma didática, pois, apesar de todas as citações que tentam dar magnitude ao poder da sonda, o que vemos em tela não consegue passar a ideia de tanto poder. Nômade não parece ser uma máquina capaz de destruir sistemas solares e esse contexto é importante para que o conceito funcione, mas, aqui, não funciona.

“The Changeling” tem um roteiro com alguns problemas graves: primeiro, o formato da série, que tão habilmente sempre consegue sempre introduzir seus temas com eficiência no prólogo, aqui falha ao levar longos dez minutos (incluindo a abertura) para expor minimante o tema da semana.

Depois, temos uma longa sequência sem que, de fato, nada aconteça a não ser a reunião entre Kirk, Spock e McCoy até que Nômade chegue à ponte e ataque Uhura e Scott, com seus desdobramentos, até que Spock saque um elo mental da cartola — um feito quase sobrenatural dada a natureza mecânica de Nômade, que, na verdade, não tem uma mente, apenas um conjunto sofisticado de programação. Na sequência, passamos ao momento em que Nômade quase destrói a nave e, logo depois, ao discurso de lógica reversa de Kirk que finalmente resolve situação.

Notem que, de fato, isso é tudo o que acontece em 55 minutos de episódio. Além de ser muito pouco, muitas escolhas são convenientemente adaptadas, de forma a justificar o roteiro e a fazer a história andar, mas essa artificialidade cobra seu preço ao criar um episódio monótono.

Um elemento importante, também, é a dificuldade de criar um Nômade da forma como foi concebido. Embora mais uma vez o trabalho da equipe de efeitos seja digno de nota, dadas as limitações tecnológicas da época, a forma lenta como a sonda de movimenta a bordo da nave, ainda que seja um prodígio de realização, contribui ainda mais para a lentidão desse segmento, fazendo parecer que “The Chageling“, no mínimo, é um episodio adiante do seu tempo — e isso não é um elogio.

Algumas ações a bordo da Enterprise sugerem algumas discussões que acabam não sendo desenvolvidas, em especial a morte e ressurreição de Scott pelas mãos de uma máquina, algo que poderia levantar uma discussão um pouco mais filosófica sobre vida e morte. Claro que essa discussão pode ser tratada de forma satisfatória de forma cientifica simplesmente assumindo que Scott estava morto apenas para os padrões de medicina conhecidos no contexto da série.

Por outro lado, Nômade afirma que a perda de memória de Uhura é um defeito mais grave do que a morte de Scott, uma afirmação que permite também uma discussão interessante. Há, ainda, uma questão embutida no episódio que é a alegada tentativa do verdadeiro criador de Nômade de criar uma “máquina pensante”. A “mecanização” da humanidade é um tema recorrente em Jornada e que voltaria em episódios mais bem sucedidos da série. Mas o episódio passa ao largo dessas questões e segue seu caminho sem ser muito propositivo desta vez.

Algo bem executado, mas que não deixa de ser óbvio, é a forma como Spock acaba sendo o interlocutor principal de Nômade, algo absolutamente esperado, não só pelo conhecimento técnico do vulcano, mas também por causa da sua mente totalmente lógica. Enquanto isso, McCoy ocupa seu papel de ser o grande opositor tanto dos crimes quanto das realizações de Nômade. o médico, com sua visão emocional, é o símbolo da oposição a essa mecanização.

Mas é impossível assistir a este episódio sem que a extrema semelhança do roteiro com o que viria a ser o primeiro filme da franquia no cinema salte aos olhos. Mesmo uma criança percebe que uns 70% do roteiro de Star Trek: The Motion Picture está neste episódio, o que gerou muitas criticas dos fãs pela falta de originalidade — e esse é o copo meio vazio.

O copo meio cheio pode ser a percepção de que The Motion Picture usa o mesmo argumento, mas consegue usar melhor a questão, propondo uma discussão filosófica mais aguda e usando como contraponto um Spock mais maduro e desenvolvido. Deixando de lado as críticas que o filme possa merecer e levando em conta a desproporção latente entre um episódio de uma série de TV e uma produção para cinema, V’Ger oferece um aproveitamento muito melhor da ideia do que Nômade.

No fim de tudo, “The Changeling” passa bem por um primeiro contato, mas não suporta muito bem ser revisitado, uma vez que sua fórmula depende muito do mistério de sua origem. Uma vez desfeito esse mistério, sobra muito pouco que se possa extrair dele, deixando-o um pouco aborrecido.

Avaliação

Citações

“That unit is a woman.”
(Essa unidade é uma mulher.)
Spock

“A mass of conflicting impulses.”
(Uma massa de impulsos em conflito.)
Nomad

“Intelligence does not necessarily require bulk, Mr. Scott.”
(Inteligência não requer necessariamente volume, Sr. Scott.)
Spock

Trivia

  • A voz de Vic Perrin, que dá vida a Nômade, esteve também presente em “The Corbomite Maneuver” (Balok), “Arena” (Metron e Gorn) e “Mirror, Mirror” (Tharn). Figura carimbada na TV nas décadas de 60, 70 e 80, Perrin emprestou sua voz várias vezes a diversos personagem, porém um de seus trabalhos mais marcantes foi com a introdução da série The Outer Limits original. Ele faleceu em 1989.
  • A música que Uhura canta neste episódio foi escrita por Wilbur Hatch e se chama “Beyond Antares”.
  • Em “Dead Stop” (Enterprise) encontramos um modelo da sonda Nômade no alojamento de Travis Mayweather.
  • John Meredyth Lucas, autor da história, esteve envolvido em diversos projetos relacionados a ficção cientifica. Alguns exemplos são Logan’s Run, The Six Million Dollar Man e The Starlost como escritor; Planet of the Apes (1974), The Six Million Dollar Man e The Invaders como diretor. Em Jornada, Lucas esteve envolvido como escritor, diretor e produtor.
  • Essa é a segunda vez que Kirk leva um computador ao suicídio. O primeiro foi Landru, em “The Return of the Archons”. Esse recurso ainda seria usado algumas vezes nos episódios “I, Mudd” e “The Ultimate Computer”, e “What Are Little Girls Made Of?”

Ficha Técnica

Escrito por John Meredyth Lucas
Dirigido por Marc Daniels

Exibido em 29 de setembro de 1967

Título em português: “Nômade” (AIC-SP), “Nômade” (VTI-Rio)

Elenco

William Shatner como James Tiberius Kirk
Leonard Nimoy como Spock
DeForest Kelley como Leonard H. McCoy
Nichelle Nichols como Uhura
George Takei como Hikaru Sulu

Elenco convidado

Blaisdell Makee como sr. Singh
Vic Perrin como voz de Nômade

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Edição de Carlos Henrique Santos
Revisão de Nívea Doria

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