VOY 2×23: The Thaw

Enredo abandona premissa da série para nos dar personificação do medo

Sinopse

Data estelar: desconhecida.

A Voyager recebe uma mensagem automática de uma colônia kohl, cujos membros sobreviveram a uma catástrofe ambiental através da hibernação artificial. A tripulação transporta os receptáculos a bordo e descobre dois humanoides mortos e três em suspensão animada, com suas mentes conectadas a um sistema de sensores controlados por um computador. O Doutor revela que as duas vítimas morreram de ataque do coração, resultado de extremo estresse mental. Visando reanimar os sobreviventes, Kim e Torres entram nos receptáculos e conectam-se ao computador.

Eles são atirados a um ambiente semelhante a um carnaval bizarro conduzido por um palhaço malévolo, cujos seguidores arrastam o alferes para uma guilhotina. Embora o palhaço tenha poupado Kim, os oficiais logo entendem por que os sobreviventes kohl estavam literalmente morrendo de medo. Uma vez que o palhaço dependia das mentes dos colonos conectadas ao sistema para sobreviver, ninguém — inclusive Harry e B’Elanna — conseguia sair do estado de dormência. Estavam todos escravizados por uma personificação do medo. Torres recebe permissão para deixar aquela realidade para alertar a capitão de que se os receptáculos de hibernação fossem desligados, todos morreriam.

Enquanto Janeway pensa em algum tipo de negociação, o palhaço atormenta Kim sem piedade. O Doutor é, então, enviado para discutir a libertação dos reféns, mas o ser se recusa a cooperar, o que leva a capitão a tramar uma missão de resgate. Seu primeiro plano falha, quando o palhaço descobre que Torres tentava desativar seu programa. Furioso, ele põe um dos colonos na guilhotina, onde o homem aterrorizado sucumbe a uma parada cardíaca. Para evitar mais mortes, Janeway ordena que B’Elanna pare.

A capitão propõe, então, uma oferta final ao palhaço: trocar os cativos por ela própria. Ele aceita a barganha, apenas para descobrir que seu prêmio era apenas uma imagem holográfica. Sem ninguém vivo para atormentar, o medo é vencido e desaparece para sempre.

Comentários

“The Thaw” tem uma premissa das mais desafiadoras. Como criar uma história em que seja possível personificar o medo? Por incrível que pareça, os roteiristas conseguiram elaborar uma trama que permitisse que isso fosse feito de forma convincente.

É bem verdade que o episódio falta totalmente com a premissa de Voyager. Em momento algum é citado o lema “voltar para casa”. Pelo contrário, parece muito mais uma história seguindo o estilo de A Nova Geração. A diferença básica é que, se o capitão dessa nave fosse Jean-Luc Picard, dificilmente a tripulação teria ferido os protocolos de não interferência da Frota.

Sim, por incrível que pareça, a circunstância envolvia a Primeira Diretriz. Aparentemente, o problema todo foi descartado com a simples constatação de que aquela civilização tinha capacidade de dobra (naves foram detectadas no planeta), mas isso, se permite uma situação de primeiro contato, dificilmente dá a liberdade para o grau de interferência providenciado pela Voyager. A capitão não deveria ter transportado os colonos a bordo em primeiro lugar e muito menos enviado seus oficiais para uma missão daquela. Janeway se comportou muito mais como Kirk e sua “diplomacia caubói” do século 23 do que como a austera capitão-modelo do século 24.

De qualquer forma, a quebra com a premissa da série, embora faça do enredo uma situação “coringa” (aplicável a quaisquer séries ou personagens de Jornada), acabou dando uma flexibilidade maior. Foi mais honesto do que dizer: a Voyager está procurando o composto “x”, que está faltando nos conduítes do núcleo de dobra e detecta grandes quantidades dele no planeta “Y”. Afinal, no Quadrante Delta ou não, continuamos a ser os mesmos exploradores curiosos e xeretas.

Os personagens não tiveram muito mais a ganhar do enredo. Não é surpreendente, tendo em vista a flexibilidade da história. E, a essa altura da série, o telespectador deve estar mesmo se perguntando o que Harry Kim fez em sua última encarnação para merecer passar por tudo o que passa. Recém-graduado da Academia e em sua primeira missão, a nave em que serve como alferes é lançada ao outro lado da galáxia e todo contato com a Terra é brutalmente terminado. Depois, é transportado para outra dimensão, a um pós-morte alternativo e, agora, é aterrorizado por suas próprias emoções, personificadas na figura do palhaço.

Ao lado de Harry, está B’Elanna, de cujo sangue klingon muitos devem estar sentindo falta. Ela estava estranhamente calma e controlada em uma situação de extrema tensão. Por que o palhaço a libertou tão rapidamente, sem ao menos atormentá-la? Faltou presença na história, assim como faltou a presença de Tom, Chakotay, Tuvok e Neelix. Basicamente, o desenvolvimento girou em torno de Janeway, do Doutor e do palhaço.

Sobre o ambiente para o qual Kim e Torres foram transportados, basta dizer pouca coisa. A realidade virtual gerada pelo computador era mais infantil do que assustadora, embora viver sob aquela condição durante 19 anos não deva ser nada agradável. De qualquer modo, é uma representação extremamente inteligente do medo — algo que enerva ao ponto de provocar riso — não aquela risada alegre, mas aquela risada tensa, desesperada. A figura do palhaço como personificação do medo é extremamente convincente, graças à brilhante atuação de Michael McKean.

Embora o episódio perca ritmo ao longo de sua execução, por vezes tornando-se repetitivo e com pouca movimentação, os roteiristas pelo menos conseguiram evitar as soluções fáceis — criadas por tecnobaboseira ou soluções tecnológicas. Em princípio, parece que B’Elanna, com sua proposta de desativar os elementos do sistema, iria acabar conseguindo dar um jeito no problema. Fazer a ideia fracassar e causar a morte de um dos reféns foi um golpe de mestre, que trouxe nova vida ao episódio para o ato final — brilhantemente pensado e arquitetado.

Janeway mostra sua posição de liderança e sua grande capacidade ao subjugar o palhaço, impondo a ele um ultimato, trocando os reféns por ela mesma. As cenas finais, em que a capitão frita o palhaço de medo, são maravilhosas. O único reparo que se pode fazer é o fato de Janeway, de fato, não estar conectada ao sistema, mas sim ter usado um truque e uma projeção holográfica para enganar o palhaço. Seria muito mais legal se ela tivesse realmente se conectado ao sistema, mas tivesse vencido o medo durante os minutos que levavam para que ele percebesse seus pensamentos, utilizando as mesmas armas que ele usava — matando-o de medo por anunciar sua futura e inevitável destruição. Mesmo assim, da forma como foi escrito e executado, o ato final já é poderoso o suficiente. E a cena final do palhaço, com a redução gradual da luz, é algo de espetacular. Nada como ter o diretor de fotografia da série como diretor de um episódio…

Avaliação

Citações

“How am I supposed to negotiate if I don’t know what you’re thinking?”
(Como eu devo negociar se não sei o que você está pensando?)
Medo

“I have a very trustworthy face.”
(Eu tenho um rosto muito confiável.)
Doutor

“Well, you certainly know how to bring a party to a halt.”
“I don’t get out very much.”
(Bem, você sabe como acabar com uma festa.)
(Eu não saio muito.)
Medo e Doutor

Trivia

  • Michael McKean faz uma participação especial no episódio. Na televisão, já atuou em séries como Arquivo-X, Lei & Ordem, Batman do Futuro (voz), Murphy Brown, Friends, The Nanny, Lois & Clark, Animaniacs (voz), Os Simpsons (voz) e Assassinato por Escrito.
  • Shannon O’Hurley também já fez notáveis aparições na TV; em Boston Public, Arquivo-X, Becker, Pensacola, JAG, Party of Five, Profiler, entre outros.
  • A atriz Roxann Dawson fez o seguinte comentário sobre o episódio:
    – Havia um episódio que eu não aparecia muito, mas eu amei, um, sabe, eu sou tão ruim com os nomes porque eu leio o nome no roteiro e, então, apenas faço as cenas e eu nunca lembro dos nomes. Aquele com o palhaço interpretado por Michael McKean.
    “The Thaw”.
    “The Thaw”. Eu odiei esse nome, ele não era… inteligível, mas eu achei que o episódio era fantástico e inteligível. Nosso diretor de fotografia o dirigiu e fez um material maravilhoso no final. Eu achei que o episódio tinha muito a dizer sobre medo e a presença do medo na vida de alguém e seu controle sobre você, e eu amo material como aquele. Eu gosto mais desses. Talvez vocês prefiram todo aquele negócio de ação, e eu gosto dos efeitos e tudo mais também, mas eu gosto tanto quando o episódio tem algo a dizer que realmente faz um clique. Quero dizer.
  • Antes de se chamar “The Thaw”, o episódio chamava “Fear the Clown” (“Tema o Palhaço”).
  • Esse episódio marcou a estreia de Marvin Rush, diretor de fotografia da série, na direção.

Ficha Técnica

História de Richard Gadas
Roteiro de Joe Menosky
Dirigido por Marvin V. Rush

Exibido em 29 de abril de 1996

Título em português: “Medo”

Elenco

Kate Mulgrew como Kathryn Janeway
Robert Beltran como Chakotay
Roxann Biggs-Dawson como B’Elanna Torres
Robert Duncan McNeill como Tom Paris
Jennifer Lien como Kes
Ethan Phillips como Neelix
Robert Picardo como Doutor
Tim Russ como Tuvok
Garret Wang como Harry Kim

Elenco convidado

Michael McKean como o palhaço
Thomas Kopache como Viorsa
Carel Struycken como espectro
Patty Maloney como pequena mulher
Tony Carlin como médico kohl
Shannon O’Hurley como programador kohl

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Edição de Stéphanie Cristina
Revisão de Nívea Doria

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