DSC 4×02: Anomaly

Luto, perda e superação se misturam a trama com sabor científico

Sinopse

Data estelar: Desconhecida

Book está em choque, ainda tentando processar a perda de Kwejian. No Quartel-General, Stamets apresenta os últimos resultados sobre a investigação da distorção gravitacional. De acordo com ele, a destruição do planeta é compatível com um choque de ondas gravitacionais produzidas por dois buracos negros espiralando um ao redor do outro, em grande proximidade. A trajetória da anomalia parece levá-la ao sistema Riscot. A presidente da Federação, Laira Rillak, ordena a evacuação e a Discovery vai saltar para as coordenadas da distorção gravitacional, a fim de colher mais dados. A presidente de Ni’Var, T’Rina, oferece os serviços científicos de seu planeta, a fim de analisar os resultados, já que o fenômeno parece ameaçar a todos.

Saru está de volta à Discovery, por solicitação de Burnham. Com a patente de capitão, o kelpiano recebeu a oferta de comandar a USS Sojourner, mas preferiu servir como primeiro oficial sob Burnham, pelo que ela é muito grata. Enquanto isso, Culber trabalha na criação de um corpo sintético para Gray, baseado na tecnologia que trouxe de volta à vida o almirante Jean-Luc Picard, no século 24. E Tilly também pede apoio profissional do médico, como psicólogo, para lidar com tudo pelo que passou desde que perdeu o comando da nave para Osyraa.

Saru e Burnham olhando para telescópio da Capitão Georgiou

A nave salta para a anomalia, mas o que ela encontra não é consistente com a hipótese do sistema binário de buracos negros. É preciso se aproximar para colher mais informações, mas a Discovery estaria sob risco e os pequenos robôs DOT também seriam inadequados. Book sugere o uso da nave dele. Burnham ordena Detmer e Stamets a se prepararem, e Book pede uma palavra em particular com a capitão. Ele, então, diz que Detmer não sabe como morfar sua nave e decide ir no lugar dela. Burnham resiste, mas Book não é da Frota Estelar e não está sob seu comando.

Para evitar enviar os dois únicos tripulantes capazes de operar o motor de esporos, Stamets irá na forma de holograma, comandado remotamente da Discovery. Para garantir a boa conexão remota, um cordão umbilical de matéria programável ligará a nave de Book à Discovery. A qualquer sinal de problema, ela pode ser puxada de volta.

Book e Stamets holográfico na nave de Book

Book e Stamets precisam superar seu desconforto um com o outro para executar a missão, que se complica quando distorções gravitacionais inesperadas começam a atingir a Discovery. A nave sofre danos sérios e, em alguns momentos, a tripulação tem de lidar com falhas no sistema de gravidade artificial, incapaz de compensar as distorções. Stamets precisa de mais tempo para terminar a coleta de dados e o cordão umbilical acaba sendo cortado. O sistema de holografia remota continua funcionando, mas não há conexão suficiente para transferir as leituras de volta à Discovery. A nave de Book precisa voltar, mas falta potência nos motores para conseguir escapar. Adira e Tilly descobrem que seria possível surfar uma das ondas gravitacionais subespaciais e Bryce sugere como. Michael se coordena com Book e instrui quando disparar os motores para conseguir retornar. Na segunda tentativa, o procedimento dá certo. Mas a análise preliminar revela algo chocante: a anomalia gravitacional, de forma inexplicável, mudou de rumo. Com isso, tornou-se impossível prever para onde ela irá a seguir.

Comentários

Após um episódio cheio de ação na abertura da temporada, temos em “Anomaly” um segmento mais introspectivo, que explora, por meio de vários personagens, questões como perda, luto e superação. O caso emblemático – e linha-mestra da trama – é o de Book, compreensivelmente em choque após a perda de seu planeta natal e de sua família. Mas o tema ressoa também em outros dos nossos heróis: Burnham ainda sofre com a perda de três tripulantes no resgate à estação (o clássico “peso do comando”, explorado tantas vezes antes em Star Trek), Tilly ainda precisa lidar com sua própria perda de confiança, após a sequência trágica do embate final com Osyraa, e Stamets ainda duela psicologicamente com o sentimento de impotência diante da quase perda de sua família.

O coração do episódio, por sinal, está na interação entre Stamets e Book, durante sua missão à beirada da anomalia. Anthony Rapp e David Ajala entregam atuações fantásticas, retratando de forma ao mesmo tempo tensa e engraçada a falta de entrosamento entre seus dois personagens e os desafios emocionais pelos quais estão passando. Também valoriza a tensão o fato de um deles estar colocando a própria vida em risco (e há uma sensação de que seu “remorso de sobrevivente” esteja levando Book a buscar talvez uma morte gloriosa em nome da missão), enquanto o outro nem está lá de verdade. É bonito ver Stamets tentando dizer a Book que ele não está sozinho, que todos estão lá com ele, que se trata de um esforço de equipe. E, ao mesmo tempo, é compreensível que Book não veja que é esse o caso, enquanto não para de ver seu sobrinho morto correndo pelos corredores de sua nave. Dá para dizer que temos entre esses dois os melhores momentos do segmento.

Tilly e Adira mostrando ondas gravitacionais da anomalia

Em paralelo, também já dá para sentir a liberdade ganha pelos roteiristas com a capitania de Burnham, que mantém seu protagonismo na série mesmo quando outros personagens assumem o foco central do episódio. Não é preciso sempre (por vezes de forma artificial) remeter a história de volta a ela e todo mundo sai ganhando com isso. Há um esforço mais consciente de envolver o pessoal da ponte nos diálogos, o que, além de oferecer maior dinamismo em tela, valoriza as especialidades e características de cada um. Muito legal, por exemplo, Bryce dar uma sugestão valiosa (ainda que com aquele sabor de metáfora científica simplória meio sem pé nem cabeça) para a solução da trama. Da mesma forma, Adira contribui mais uma vez com seus talentos matemáticos (já demonstrados antes) para ajudar no resgate de Book.

Apesar disso, Burnham segue importante. E seu dilema é separar sua condição como capitão de sua relação pessoal com Book. Não é fácil. Ela age de forma superprotetora com ele e dá para sentir, quando ele parte, que ela está se desapegando de algo ali, em nome da missão. Curiosamente, é a relação pessoal dela com Book que, ao fim do episódio, se mostra essencial para colocá-lo na trilha certa. (E aquela bolha de privacidade foi curiosa, mas ninguém faz leitura labial no século 32?)

Bryce na ponte

Seguindo o bom trabalho de tecnoblablá do episódio anterior, foi divertido ver um pouco de método científico em tela. Stamets apresenta uma hipótese (bem plausível do ponto de vista da realidade, por sinal) consistente com o que havia sido observado até então (a perturbação da estação e a destruição de Kwejian). Temos novas observações destinadas a corroborar a hipótese. Mas ela acaba refutada, o que leva os cientistas de volta às pranchetas, em busca de outra possível explicação. É assim que a ciência funciona e usar a ficção para explicar isso é um dos muitos serviços que Star Trek pode prestar à sociedade. Excelente.

Para além da trama, acompanhamos de forma bem natural a vida emocional de alguns dos nossos tripulantes. Adira, em particular, vive certa insegurança, com o aumento de responsabilidades ocasionado por sua incorporação à tripulação somado à iminente corporificação de seu namorado, Gray. Blu del Barrio segue entregando uma boa atuação, embora não chegue a brilhar como na temporada passada. Adira assumiu a função de alferes desajeitade que Tilly costumava ocupar nas duas primeiras temporadas. Mas isso não quer dizer que a recém-promovida tenente esteja em paz. Ela também está atormentada, sentindo-se menor (o que é retratado de forma muito suave quando ela reencontra Saru) depois do que ela percebe como erros cometidos no passado. Tanto com Adira como com Tilly, Culber cumpre um papel fundamental. O bom doutor ganha mais e mais espaço a cada temporada que passa e, às vezes, é difícil não pensar nele como o mais adorável dos tripulantes da Discovery. Wilson Cruz é perfeito no papel.

Culber mostrando corpo sintético de Grey para ele e Adira

Aliás, bem sacada a costura entre o dilema de Gray e a trama da primeira temporada de Picard. De uma vez só, Discovery resolveu um problema de sua série e eliminou um drama de continuidade (explicando por que a morte continua sendo algo no século 32). No fim, calhou que a transferência de mentes para corpos sintéticos se mostrou procedimento muito falho e uma moda passageira (mais ou menos como a criogenia no século 20).

Também precisamos gastar dois dedos de prosa com Saru, que parece ter se tornado uma espécie de “velho sábio”, após sua estadia em Kaminar. Doug Jones segue muito à vontade no papel e impressiona como ele consegue “transmitir” a vibração do kelpiano em seu gestual. Pode ser algo em foco, como o abraço que ele dá em Michael, pode ser algo que quase não aparece, como ele colocando a mão nas costas de Tilly quando eles entram no turboelevador. Jones é um mestre e a volta de Saru ficou bem encaixada, a despeito de termos dois capitães, em patente, na nave (aconteceu com Kirk e Spock entre Jornada IV e VI).

Saru conversando com Tilly no turbo elevador

Todo esse bom trabalho de personagens do episódio tem um outro lado: a trama em si é absolutamente simplória. Resume-se a nave vai à anomalia, anomalia detona nave (a propósito, os lança-chamas na ponte da Discovery precisam parar!), Book quase perde a vida em sua própria nave, antes de escapar em segurança. O passo a passo é todo meio previsível e é de se duvidar que alguém, por algum momento, tenha pensado que Book poderia não voltar da anomalia. A única grande surpresa vem mesmo no final: se a tal distorção gravitacional é capaz de mudar de trajetória, há uma agência em ação. Seria acidental? Seria intencional? Tem a ver com algo que a Discovery fez? É uma metáfora para a pandemia do novo coronavírus? Só o futuro irá responder.

Avaliação

Citações

“Perhaps now is an appropriate time for you to set aside the captain in favor of the partner?”
(Talvez agora seja a hora apropriada para colocar de lado a capitão em favor da parceira?)
Saru, para Michael, sugerindo uma nova abordagem com Book

Trivia

  • “Anomaly” chegou a muitos mercados internacionais, inclusive o Brasil, pelo serviço de streaming Paramount+, apenas um dia após a exibição americana. Foi a pressão dos fãs que fez com que a ViacomCBS mudasse os planos de estrear a quarta temporada somente em 2022, depois de recomprar os direitos de exibição da Netflix.
  • Pela primeira vez na história de Star Trek, temos um título repetido para um episódio. “Anomaly” já deu nome a um episódio da terceira temporada de Enterprise. Antes disso, houve coincidências apenas entre episódios e filmes (“First Contact”/Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato, “Nemesis”/Jornada nas Estrelas: Nêmesis), mas nunca entre dois episódios.
  • O episódio se inicia dois dias após a destruição de Kwejian, em “Kobayashi Maru”.
  • O método para criar um corpo para Gray se refere ao golem criado para Jean-Luc Picard pelo dr. Altan Inigo Soong, visto em “Et in Arcadia Ego, Part 1” e “Et in Arcadia Ego, Part 2”, da primeira temporada de Star Trek: Picard.
  • Vemos novas tecnologias do século 32, como o “holodeck virtual” de Michael Burnham e a capacidade de alguém se manifestar como um holograma remotamente.
  • Em mais um avanço rumo ao futuro de “Calypso”, o episódio de Short Treks, vemos em “Anomaly” que o computador da Discovery decidiu ser chamado de Zora.

Ficha Técnica

Escrito por Anne Cofell Saunders & Glenise Mullins
Dirigido por Olatunde Osunsanmi

Exibido em 25 de novembro de 2021

Título em português: “Anomalia”

Elenco

Sonequa Martin-Green como Michael Burnham
Doug Jones como Saru
Anthony Rapp como Paul Stamets
Mary Wiseman como Sylvia Tilly
Wilson Cruz como Hugh Culber
Blu del Barrio como Adira Tal
David Ajala como Cleveland “Book” Booker

Elenco convidado

Oded Fehr como Charles Vance
Ian Alexander como Gray Tal
Chelah Horsdal como Laira Rillak
Tara Rosling como T’Rina
Annabelle Wallis como Zora
Emily Coutts como Keyla Detmer
Patrick Kwok-Choon como Gen Rhys
Oyin Oladejo como Joann Owosekun
Ronnie Rowe Jr. como R.A. Bryce
Sara Mitich como Nilsson
Luca Dougleris como Leto
Linford Mark Robinson como capitão da Frota Estelar 1
Katherine Trowell como capitão da Frota Estelar 2
Fabio Tassone como computador da nave de Book

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Edição de Mariana Gamberger
Revisão de Nívea Doria

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