ENT 4×17: Bound

Tripulação da Enterprise sendo recebida em nave do Sindicato de Órion

Episódio dá novo sentido à “escravidão” órion, mas de forma controversa

Sinopse

Data: 27 de dezembro de 2154

A caminho do sistema Berengarius, a Enterprise é interceptada por uma nave do Sindicato de Órion. Seu comandante, Harrad-Sar, de início parece hostil, mas depois revela que tem apenas uma proposição de negócios a fazer. Ele cederá as coordenadas de um planeta rico em magnesita, a Frota Estelar explorará os recursos e repassará a ele 10%. Archer concorda e, para celebrar o acerto, Harrad-Sar dá a ele três escravas órions.

Harrad-Sar, comandante de nave do Sindicato de Órion recebendo a tripulação da Enterprise

Archer naturalmente deixa claro para o trio recém-chegado que elas agora são pessoas livres, mas sua presença na nave começa a causar efeito considerável em todos os tripulantes. Os homens se tornam mais agressivos e sugestionáveis, e as mulheres sofrem com desconforto e dores de cabeça, por conta dos potentes feromônios que o trio exala. Elas acabam manipulando Kelby, o novo engenheiro-chefe da Enterprise, a sabotar os motores de nave. Era um plano para Harrad-Sar capturar Archer e a NX-01 sem resistência, em favor do Sindicato de Órion.

Escravas órion fazendo apresentação para tripulação da Enterprise

Por sorte, Trip e T’Pol são imunes — ela por sua fisiologia vulcana, ele por estar ligado a ela após o relacionamento dos dois. Isso faz com que eles consigam executar um plano de desabilitar a nave de Harrad-Sar, ainda que tenham tido de render a tripulação da ponte para isso. O capitão órion no fim se revela apenas um subordinado, indicando que os verdadeiros escravos em sua sociedade são os homens, e não as mulheres. Superada a crise, Trip conta a T’Pol que pediu transferência de volta para a Enterprise.

Comentários

Sempre foi uma pedra no sapato do cânone de Star Trek que a Frota Estelar e a Federação parecessem tão condescendentes com a escravidão das mulheres de Órion, como visto durante a Série Clássica. “Bound” resolve isso de forma inteligente, conciliando (na forma de reprise) o que vimos na série sessentista com algo que pudesse ser minimamente aceitável aos olhos federados: a surpreendente revelação de que são as mulheres que “escravizam” os homens com seus feromônios, apenas bancando sua submissão como estratégia de sedução e controle.

Olhando em retrospecto, faz sentido. Desde “The Cage”, quando vimos Vina na forma de uma escrava verde, a personagem misturava esse poder magnético com o ar de submissão. E a explicação dos feromônios é cientificamente convincente, dado que essas moléculas têm papel reprodutivo em muitas espécies (talvez até na humana).

Title Card Enterprise "Bound"

Por sinal, a introdução das três escravas dançarinas de Órion aqui evoca a mesma vibe do programa original, numa ambientação que lembrou muito a cena correspondente em “The Cage”. Apenas a música deixou a desejar, mais discreta e esquecível que a do piloto original de Star Trek.

Saltando do século 22, onde se passa o episódio, para o 21, onde ele encontrou sua audiência, talvez “Bound” pareça a alguns uma tentativa fútil de consertar o inconsertável (a objetificação feminina no seriado original), e a emenda pode ter acabado pior que o soneto, transformando em malícia feminina o que antes era opressão masculina.

Escrava órion seduzindo Archer

De fato, no plano das alegorias, o episódio se sustenta na ideia de que mulheres exploram sua sensualidade para seus próprios fins, fingindo ser o “sexo frágil” para predar os homens. O perigo aqui é a generalização (que o segmento não soletra, ao limitar a questão às “escravas” de Órion, mas que pode se completar na cabeça do espectador, de maneira potencialmente ofensiva). É possível apresentar um argumento persuasivo de que sim, esse é o tipo de coisa que pode acontecer e acontece com razoável frequência em relacionamentos humanos, mas não, não se trata de um fenômeno sexista, já que homens e mulheres podem ambos fazer o papel de manipuladores/vítimas.

A despeito disso, o esforço de costurar o cânone com uma boa história, ainda que à custa da controvérsia, é elogiável. E, se algumas das alegorias da história incomodam, há zero controvérsia no desfecho, que abraça o clichê “o amor conquista tudo” de uma forma bem criativa.

T'Pol e Trip se beijando

Foi um uso excelente da relação Trip-T’Pol, que vinha aparecendo em plano secundário na maior parte da temporada, para solucionar a situação. Relacionamentos amorosos são um tema que nem sempre é bem trabalhado em Star Trek, mas é inegável que, após um início claudicante, o desenvolvimento do par Trip e T’Pol foi muito bem, graças principalmente à química e às boas atuações de Jolene Blalock e Connor Trinneer. Aqui, temos um marco importante, com uma cena de beijo que deve ter feito bem a todos os entusiastas do casal.

Também vale destacar o humor deste episódio, que funciona na maior parte do tempo, inclusive no final, quando temos uma cena entre Archer, Reed, Trip e T’Pol que lembrou muito, em forma e espírito, o sabor da Série Clássica. Saudosistas aplaudirão, espectadores com uma sensibilidade moderna talvez reputem como anacrônico. Mas é meio que o nome do jogo em Enterprise, que tem de andar nessa corda bamba ao fazer uma série que precede cronologicamente outra produzida na década de 1960…

Avaliação

Citações

“Of course, creatures such as these come with troubles of their own. Women are the same throughout the galaxy, aren’t they?”
(Claro, criaturas como essas vêm com seus problemas. Mulheres são iguais em toda a galáxia, não são?)
Harrad-Sar

“Yes, Captain, you’ve been operating under a misconception: it is the men who are the slaves, not the women.”
(Sim, capitão, você tem operado a partir de um engano: são os homens que são os escravos, não as mulheres.)
Harrad-Sar

Trivia

  • As escravas de Órion foram introduzidas em “The Cage” e uma delas voltou a aparecer em “Whom Gods Destroy”, ambos da Série Clássica. Vimos um espião órion a bordo da Enterprise em “Journey to Babel”, piratas de Órion apareceram no episódio “The Pirates of Orion”, da Série Animada (que também trouxe uma personagem órion em “The Time Trap”). Em Deep Space Nine, o Sindicato de Órion figurou em destaque nos episódios “Honor Among Thieves” e “Prodigal Daughter”. Depois disso, a espécie foi destacada em Enterprise, no episódio “Borderland”, antes de reaparecer em “Bound”. Em Discovery, os órions apareceram de forma constante, tanto no século 23 (em particular em “Will You Take My Hand?”) como no século 32 (em que eles formaram uma aliança com os andorianos conhecida como Corrente Esmeralda). E a primeira personagem regular órion em Star Trek surgiu em Lower Decks, na forma da alferes D’Vana Tendi.
  • Este episódio faz, na cronologia interna da saga, a primeira menção textual à Hegemonia Gorn (embora de um modo que claramente os mantém misteriosos, de forma consistente com “Arena”, da Série Clássica) e também menciona os deltanos, raça da tenente Ilia, em Jornada nas Estrelas: O Filme.
  • Tanto William Lucking como Cyia Batten já haviam aparecido antes em Star Trek, como o bajoriano Furel e Tora Ziyal, respectivamente, em Deep Space Nine.
  • T’Pol menciona uma equipe de pesquisa vulcana que notou a presença de uma espécie de répteis voadores em Berengaria VII. É uma referência a “This Side of Paradise”, da Série Clássica, em que Spock diz ter visto um dragão uma vez naquele planeta.
  • A nave “misteriosa” que ataca a Enterprise é descrita como de configuração desconhecida. Contudo, o modelo usado foi um reaproveitamento de uma nave nausicaana vista no episódio “Fortunate Son”, da primeira temporada.
  • Este foi o último episódio com direção de fotografia de Marvin V. Rush. Depois disso, ele se concentrou na preparação para a direção dos episódios “In a Mirror, Darkly, Part II” e “Terra Prime”. Para os segmentos finais da temporada, a direção de fotografia ficou a cargo de Douglas Knapp, até então o operador de câmera.
  • Crystal Allen, uma das escravas de Órion, se disse satisfeita de ser lembrada como tal em Enterprise. Mas não ficou feliz com o processo de maquiagem, que levava de 4 a 5h e exigia que cada atriz fosse coberta com tinta verde no corpo todo. A remoção era nos chuveiros da academia executiva da Paramount. A equipe de maquiagem também precisou aplicar arranhões e suor falsos em outros membros do elenco para representar a crescente agressão entre eles.
  • A coreografia foi supervisionada por Travis Payne, que já havia conquistado o MTV Music Video Award de Melhor Coreografia quatro vezes e chegou a trabalhar com Madonna, Michael Jackson e Britney Spears, entre outros. Batten e Fortunato eram dançarinas treinadas.

Ficha Técnica

Escrito por Manny Coto
Dirigido por Allan Kroeker

Exibido em 15 de abril de 2005

Títulos em português: “Elo”

Elenco

Scott Bakula como Jonathan Archer
Jolene Blalock como T’Pol
John Billingsley como Phlox
Anthony Montgomery como Travis Mayweather
Connor Trinneer como Charlie ‘Trip’ Tucker III
Dominic Keating como Malcolm Reed
Linda Park como Hoshi Sato

Elenco convidado

William Lucking como Harrad-Sar
Cyia Batten como Navaar
Derek Magyar como Kelby
Crystal Allen como D’Nesh
Menina Fortunato como Maras
Christopher Jewett como tripulante 1
Duncan K. Fraser como tripulante 2

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Edição de Mariana Gamberger
Revisão de Susana Alexandria

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