SNW 1×06: Lift Us Where Suffering Cannot Reach

A hipocrisia de uma sociedade que sustenta luxo com sofrimento. Já viu isso em algum lugar?

Sinopse

Data estelar: 1943.7

A Enterprise se aproxima do sistema majalano e recebe um pedido de socorro de uma pequena nave sob ataque. Após repelir os agressores, que se acidentam em uma lua próxima, Pike ordena que os ocupantes da nave atacada sejam resgatados. Eles recebem a bordo uma majalana chamada Alora, que Pike conheceu quando era tenente, dez anos antes, em missão nessa região do espaço. Ela está acompanhada por um homem, ancião Gamal, e seu filho, agora considerado apenas como o Primeiro Servidor, destinado a ascender ao trono de Majalis em dois dias.

Uma investigação da nave acidentada localizou uma moeda cerimonial de um dos guardas dedicados a preservar a vida do Primeiro Servidor. Alora desconfia que ele se aliou a alienígenas de uma colônia em Prospect VII para sequestrar o menino e pedir um resgate por ele. Pike acompanha Alora a Majalis e expõe o guarda traidor, que acaba morto após uma perseguição.

Pike está encantado pela vida suntuosa dos majalanos, vivendo numa cidade suspensa, flutuando sobre um planeta inóspito. Ele também tem sentimentos por Alora, com quem já flertara dez anos antes. Ao tomar conhecimento das tecnologias médicas extraordinárias de Majalis, o capitão se pergunta se elas não poderiam ajudá-lo no futuro a que está destinado. Alora diz que, para isso, Pike teria de se tornar um majalano, já que aquela sociedade é muito reclusa. A mesma história ouve o dr. M’Benga, ao conversar com Gamal sobre um hipotético caso terminal (na verdade o da filha dele) e especular sobre um intercâmbio médico. Embora seja médico, Gamal está proibido por lei de cooperar com M’Benga.

Enquanto isso, a cadete Uhura, fazendo um turno na segurança sob a tenente La’An, faz uma descoberta preocupante: os rebeldes de Prospect VII na verdade não pertencem a outra espécie alienígena, mas são majalanos. Por que eles teriam deixado Majalis para viver num hostil mundo classe L? E por que Alora despistou Pike dizendo que se tratava de alienígenas? Ninguém tem muito tempo de refletir, quando recebem a informação de que Gamal quer se transportar a Majalis com o Primeiro Servidor. Pike os encontra na sala de transporte e, mesmo sem o painel ser ativado, eles são transportados. Segundos depois, Gamal se materializa, mas o Primeiro Servidor sumiu. O capitão coloca a nave em alerta vermelho, e sensores detectam uma pequena nave próxima. A Enterprise tenta detê-la com um raio trator, e ela explode — presumivelmente com o Primeiro Servidor a bordo.

A história fica ainda mais estranha quando Uhura descobre que Gamal está por trás do incidente do transporte. O ancião é colocado na detenção, e Spock descobre que o Primeiro Servidor ainda está a bordo da Enterprise, tendo sido transportado para um contêiner, de onde ele gerou um sinal subespacial para ser encontrado. O menino então é levado a Majalis, onde participará da cerimônia de ascensão. Alora aceita que Pike também acompanhe.

E então vem a revelação bombástica: o Primeiro Servidor será plugado a uma máquina, responsável por manter a cidade suspensa de Majalis em pleno funcionamento, onde deverá encarar muito sofrimento e morrer em poucos anos. Pike fica chocado com a revelação e tenta libertar o menino, mas é detido pelos guardas. Ao acordar, ele está nos aposentos de Alora. Revoltado, ele a confronta, mas a ministra majalana diz que esse é o modo de vida deles e que há certa hipocrisia da parte de Pike, pois com certeza há crianças sofrendo na Federação para o benefício de parte da população, que pouco liga para elas. O capitão parte, frustrado por não poder intervir naquele mundo, impedido pela Ordem Geral Um.

Na Enterprise, Gamal decide compartilhar seu conhecimento com M’Benga, a fim de ajudá-lo a achar uma cura para sua filha. Depois de perder o filho, ele partirá para Prospect VII e juntar-se-á aos rebeldes, na esperança de conseguir salvar a próxima criança destinada à função de Primeiro Servidor.

Comentários

É muito difícil não pensar imediatamente que as coisas não são o que parecem quando vemos Alora subir a bordo da Enterprise e ser recebida por um Pike meio embasbacado, a quem conhecera dez anos antes, num clima de clichê de comédia romântica. Mas nada é capaz de preparar o espectador para o soco na boca do estômago que vem ao final de “Lift Us Where Suffering Cannot Reach”, mais um episódio ancorado principalmente no capitão da Enterprise – embora conte com presenças de destaque para Uhura e M’Benga.

Faz parte do DNA de Star Trek promover crítica social e servir de espelho para nossa sociedade contemporânea. Aqui, isso vem de forma dramática e efetiva, com uma história que serve como alegoria para as mazelas que estão ao nosso redor e, de fato, às vezes nos esforçamos por não ver. Alora acusa a Federação de ainda ter crianças em sofrimento, muitas vezes para benefício de outros – e obviamente isso é verdade em diversas colônias e planetas do território federado, embora, àquela altura do século 23, não mais na Terra, onde supostamente toda a população tem boa qualidade de vida. Ocorre que, na real, ela não está falando isso para Pike – está falando para nós.

O choque, portanto, é duplo. Primeiro temos de enfrentar, numa cena gráfica e agressiva, com direito a uma olhadinha no cadáver de uma criança definhada e “congelada” em expressão de puro horror, o horror que sustenta a prosperidade aparentemente infinita de Majalis. É difícil não ter a mesma reação de repulsa que Pike, com quem nos identificamos plenamente, ao sucumbir ao instinto de lutar e tentar libertar o Primeiro Servidor a qualquer custo (sequência que, por sinal, lembra muito as clássicas trocas de socos e pontapés de Kirk na Série Clássica).

Num segundo momento, temos de encarar a exposição de Alora, que de fato tem argumentos para dizer que há hipocrisia na reação do capitão, uma vez que ele mesmo vive numa sociedade que promove o sofrimento de crianças, mas prefere não assumir isso, fingindo que o problema inexiste. Para a Federação, possivelmente é verdade. Para a Terra do século 21, certamente. Dói reconhecer isso. Dói pensar que, apesar de sentirmos por vezes a tristeza do sofrimento de tantas crianças vivendo nas ruas, esmolando e passando fome, na maior parte do tempo não estamos agindo para resolver isso. É meio como a atitude do ancião Gamal, que estava totalmente confortável com o modo de vida majalano, em que uma criança é sacrificada regularmente para manter a cidade suspensa – até o filho dele ser sorteado para a “honraria”. Não adianta disfarçar; quando é com a gente, a angústia e a necessidade de agir são maiores do que quando o problema afeta anônimos.

São todas lições pesadas. Esse é um episódio que, depois de se sustentar com leveza por 40 minutos, no final derruba qualquer um. Impossível terminar sem o choque e a sensação de impotência que o próprio Pike sente, ao olhar impassível pela janela de seus aposentos para o vazio do espaço, em órbita do sinistro planeta Majalis.

Também vale destacar que Alora, a despeito de acusar a Federação de hipocrisia, também vive em uma sociedade profundamente hipócrita. Ou não se sentiria na obrigação de manter sua reclusão, guardando em segredo a fonte de sua prosperidade. Ademais, estamos falando de um mundo que envolve em alegria e celebração o que é um momento de horror e sacrifício. Por fim, uma civilização que desistiu de procurar uma alternativa e não está disposta a abandonar sua prosperidade a fim de acabar com essa injustiça.

Da mesma maneira, a Federação, e o modo de vida de Pike (e, por extensão, em um estágio menos avançado, o nosso), se redime porque, a despeito de o sofrimento ainda ser prevalente, ela não desistiu de encontrar alternativas. Não parou de tentar encontrar uma saída. Não se tornou cínica diante do sofrimento alheio. Bem, pelo menos a maior parte de nós – não todos, infelizmente.

Em uma história tão dramática, o sucesso depende fundamentalmente das atuações. E Anson Mount mais uma vez faz valer sua posição como protagonista da série, entregando uma performance impecável. O mesmo talvez não se possa dizer do topete dele, que o pessoal responsável pelos penteados exagerou – gerando até mesmo memes e piadas nas redes. O topetão de Pike já virou marca registrada, mas aqui, sobretudo nas primeiras cenas do episódio, passou do ponto.

O segundo destaque, entre os regulares, vai para Uhura, que tem um miniarco conquistando o respeito de La’An, depois de ter feito a mesma coisa ao passar por Hemmer na engenharia. A cadete mostra que é multitalentosa, adaptando-se rapidamente ao estilo duro da oficial de segurança (às vezes com ironia e humor) e entregando resultados importantes para desvendar o mistério que circunda a trama.

Também temos uma passada d’olhos sobre a situação de M’Benga, que segue na luta para salvar a filha Rukiya de sua condição terminal. É mais uma batida de ponto, com a menina brincando com o Primeiro Servidor (e demonstrando sua tristeza em ficar presa no acumulador de padrão do teletransporte), além de mais uma rápida visita ao livro de conto de fadas que o pai lê para ela – dois elementos que se tornariam agudamente importantes adiante.

Vale destacar o ótimo papel dos atores convidados Huse Madhavji (Gamal) e Ian Ho (Primeiro Servidor), com uma atuação também convincente (embora menos carismática) de Lindy Booth (Alora). E tudo bem elogiar que tivemos mais uma ponta de Dan Jeannotte como George Samuel Kirk, não? É uma cena inofensiva, mas que ajuda a dar um senso de tripulação, com recorrentes aparecendo apenas para um gracejo. Triste não termos tido a mesma oportunidade com Hemmer, que passou em branco neste. Os demais apenas serviram à trama, sem grande destaque próprio.

Como de costume, do ponto de vista de valores de produção, o episódio brilha. Filmagens em locação, figurinos muito bem pensados, cenários convincentes e de encher os olhos (tanto nas suntuosas instalações de Majalis como na sinistra Câmara Sagrada onde fica o trono do Primeiro Servidor) aumentados por realidade virtual (via AR Wall), excelente direção, fotografia e música. Tudo isso para nos deixar pensativos e derrotados ao final. Star Trek costuma ser uma produção que eleva o espírito e nos faz acreditar no amanhã. Vez por outra, ousa transitar pela ficção científica distópica, para nos lembrar de que ainda há muito trabalho a ser feito para tornar realidade os ideais que professamos. E não se pode transformar uma realidade sem antes notá-la. A despeito do título, o segmento claramente não nos eleva aonde o sofrimento não pode alcançar. Muito pelo contrário, expõe o preço dessa elevação. Pesado, mas necessário.

Avaliação

Citações

“Your whole civilization, all your… this, it’s all founded on the suffering of a child.”
“Can you honestly say that no child suffers for the benefit of your Federation? That no child lives in poverty or squalor while those who enjoy abundance look away? The only difference is we don’t look away. And because of that, the suffering is borne on the back of only one. It’s what makes it a sacred honor. That’s why I choose our way.”
(Sua civilização inteira, toda sua… isso, é fundado sobre o sofrimento de uma criança.)
(Você pode honestamente dizer que nenhuma criança sofre em benefício da sua Federação? Que nenhuma criança vive na pobreza ou miséria enquanto os que vivem em abundância desviam o olhar? A única diferença é que não desviamos o olhar. E por causa disso, o sofrimento recai sobre as costas de apenas um. É o que torna uma honra sagrada. É por isso que eu prefiro o nosso jeito.)
Christopher Pike e Alora

Trivia

  • Este é o segundo crédito de escrita de Strange New Worlds para o coprodutor Robin Wasserman, que coescreveu o episódio anterior, e o segundo crédito para o produtor de supervisão Bill Wolkoff, que coescreveu o episódio 3.
  • Este é o segundo crédito de Star Trek para o diretor Andi Armaganian, que anteriormente dirigiu o episódio “Rubicon”, da quarta temporada de Discovery.
  • Mais uma vez, o Hemmer de Bruce Horak não aparece, mas Sam Kirk de Dan Jeannotte apareceu novamente
  • A sala do teletransporte da Enterprise está localizada no deque 6.
  • Similar às insígnias vistas na nova era de Star Trek: Discovery, a secretária de Alora tem um planejador holográfico.
  • Os cruzadores de Prospecto VII parecem estar equipados com torres de armas e lasers de longo alcance, uma novidade para uma franquia que geralmente tem evitado as torres de “batalhas espaciais” durante a maior parte de sua história.
  • Um dos guardas de Majalis é representado por Avaah Blackwell, de Discovery, uma dublê que tem aparecido em múltiplos papéis alienígenas, como Osnullus e membro do conselho kelpiano e, ocasionalmente, como a tenente Ina nessa série. Ela não é creditada neste episódio.
  • A estrutura da história pode ser inspirada no conto de Ursula K. Le Guin, The Ones Who Walk Away From Omelas. O conto é um clássico que faz parte da obra As Doze Quadras do Vento (The Wind’s Twelve Quarters) uma coletânea de 12 contos publicada em 1973, tendo o conto ganhado o prêmio Hugo para Melhor Conto (Hugo Award for Best Short Story) em 1974, um dos mais prestigiados prêmios dos gêneros da ficção científica e fantasia.
  • A entrada do registro de Pike menciona que ele foi a este aglomerado de estrelas há 10 anos. Isto colocaria o incidente no qual ele resgatou Alora de um pulsar no ano 2249, quando o tenente Pike era o primeiro oficial do capitão Robert April. De acordo com o registro de serviço de Pike, brevemente vislumbrado no episódio “Brother” de Discovery, Pike tornou-se capitão da Enterprise em 2250, um ano depois.
  • Lindy Booth (Alora) estrelou junto com Rebecca Romijn em The Librarians.
  • O Primeiro Servidor fez um jogo de amarelinha usando gases nobres, hélio, neônio, argônio, criptônio, xenônio e radônio, e as diferentes cores correspondem às cores de descarga dos seis gases diferentes, como visto em luzes de néon.
  • O planeta Majalis foi filmado no local histórico nacional de Parkwood, em Oshawa, Ontário.
  • Pike faz uma imitação decente de La’an.
  • Prospecto VII era um planeta da classe L, demonstrando que era um ambiente hostil, ao contrário do idílico Majalis.
  • Quando o Primeiro Servidor é teletransportado, ele é teletransportado para fora da plataforma de transporte por outra pessoa. Isto acontece muito no cânone de Star Trek, começando com “The Cage”, no qual a Número Um e a Colt são transportadas pelos talosianos.
  • As Lições de Segurança de La’an incluem:
    • Um tigre rigeliano se afunda sem nenhum aviso.
    • Não há pausas na segurança porque as ameaças nunca fazem pausas.
    • Deixe seu tricorder fazer a investigação.
    • desconhecido
    • desconhecido
    • Saber quando dobrar as regras.
    • Não deixar nenhuma pedra por virar.
  • Pike advertiu Uhura para ficar de olho na lição 7 e La’an revelou que ela normalmente exige que as pessoas “olhem sob as pedras respiratórias de Mugatan”, possivelmente algo a ver com os macacos com cornos Mugato.
  • Pike e Uhura falam sobre as referências de La’an a um tigre rigeliano. Há muitos planetas chamados Rigel no cânone de Star Trek, talvez, mais notavelmente, “Rigel II”, o local do episódio “Shore Leave” da Série Clássica. Nesse episódio, um tigre ataca vários tripulantes, porém é um tigre robô, criado a partir de sugestões telepáticas. E La´an não pode estar se referindo a esse tigre, porque isso ocorre no futuro.
  • La’an advertiu sobre os klingons que colocam armadilhas em naves abandonadas, possivelmente indicando que ela é uma veterana da guerra entre a Federação e os Klingons. Pike e a Enterprise estavam em uma missão no espaço profundo e perderam a guerra durante a primeira temporada de Discovery, mas La’an não fazia parte da tripulação durante esse período.
  • O cruzador de combate e a nave auxiliar majalan foram feitos por Daniel Burns em colaboração com o desenhista de produção Jonathan Lee.

Ficha Técnica

Escrito por Robin Wasserman & Bill Wolkoff
Dirigido por Andi Armaganian

Exibido em 9 de junho de 2022

Título em português: “Onde o Sofrimento Não Alcança”

Elenco

Anson Mount como capitão Christopher Pike
Ethan Peck
como oficial de ciências Spock
Jess Bush
como enfermeira Christine Chapel
Christina Chong
como La’an Noonien-Singh
Celia Rose Gooding
como cadete Nyota Uhura
Melissa Navia como tenente Erica Ortegas
Babs Olusanmokun como Dr. M’Benga
Rebecca Romijn
como Una Chin-Riley

Elenco convidado

Lindy Booth como Alora
Dan Jeannotte como George Samuel Kirk
Ian Ho como Primeiro Servidor
Usar Madhavji
como o idoso Gamal
Shawn Ahmed como imediato Shankar
Sábio Arrindell como Rukiya
Rong Fu como Jenna Mitchell
André Dae Kim
como chefe Kyle
Adam Maros como Kier
Antonette Rudder
como Ajudante
Stephen Sparks como oficial de Majalan

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