Entre espelhos e breens, episódio pouco inspirado cumpre tabela na temporada
Sinopse
Data estelar: 866280.9.
A Discovery chega às últimas coordenadas conhecidas da nave de L’ak e Moll. Stamets e Tilly revelam a descoberta de uma espécie de buraco de minhoca que leva a um bolsão de espaço interdimensional. A Discovery é muito grande para entrar, e Michael decide ir com Book em uma nave auxiliar, deixando Rayner no comando.
Book acha que pode sensibilizar Moll por conta de seu elo em comum – Cleveland Booker IV, pai dela e mentor dele. Ao adentrar o buraco de minhoca, eles encontram vários destroços, dentre eles a nave de Moll e L’ak, quebrada em duas partes. Eles especulam que os dois podem ter sobrevivido se teletransportando para outra nave que está presa no bolsão – a ISS Enterprise, nave do século 23 vinda do universo Espelho. Book acha um local para atracar e ele e Michael vão a bordo.
Na Discovery, Tilly, Stamets e Adira lideram um esforço para manter as comunicações com o grupo avançado. Rayner se sente pressionado, mas recebe o apoio da tripulação.
Na Enterprise, Michael e Book chegam à ponte e tentam captar os sinais vitais de Moll e L’ak e acessam o computador de bordo. Todos os dados foram apagados, e a nave foi abandonada pela tripulação. Na sala de transporte, acharam vários artigos infantis e uma história da tripulação – que se rebelou contra o Império Terráqueo, dentre eles um kelpiano, e fugiu da Enterprise quando a nave ficou presa no bolsão.
Chegando à enfermaria, eles encontram diversas projeções holográficas de Moll e L’ak. Eles entram num tiroteio e conseguem destruir o projetor, eliminando os sósias. Restam apenas os dois criminosos. Michael e Book tentam negociar uma rendição, e ele diz que conheceu o pai de Moll. L’ak mostra que tem a pista dos Progenitores e tenta trocar a liberdade deles por uma réplica do artefato.
Na discussão, Moll revela que L’ak é um breen. Isso a leva a relembrar como o conheceu, trabalhando como portadora para o Império Breen. Ela acabou se envolvendo com ele, um herdeiro real excluído pelo tio e colocado para trabalhar nos hangares.
A conversa não vai muito adiante, e um tiroteio se segue. Campos de força de emergência são ativados na enfermaria, isolando de um lado Michael e L’ak, e de outro Moll e Book.
Moll segue se recordando do início de sua relação com L’ak, de como ela o convenceu a mostrar sua verdadeira face por baixo da máscara e como se apaixonaram. Ela e Book, que ficaram isolados para fora da enfermaria, fazem uma trégua temporária e vão à ponte para tentar desativar o campo de força de emergência da enfermaria. Moll revela como despreza seu pai, a quem culpa por muitas de suas desgraças de vida.
Na enfermaria, Michael e L’ak conversam, sob a mira da arma um do outro. A capitão diz que, se eles se renderem, terão um julgamento justo na Federação e talvez possam cumprir sua pena juntos.
Moll segue relembrando seu passado, quando tentou convencer L’ak a partir com ela, mas acabou confrontado pelo seu tio, que queria obrigá-lo a matá-la. Em vez disso, ele se rebelou, e ele e Moll partiram juntos, iniciando uma fuga eterna do Império Breen.
De volta ao presente, na ponte, Book e Moll conseguem desligar os campos de força, mas fracassam em reativar a nave. Nisso, a nave auxiliar se desacopla da Enterprise e é perdida no bolsão. Moll diz que vai resgatar L’ak e sair de lá.
Ao mesmo tempo, L’ak tenta deixar a enfermaria, e Michael entra em combate corporal com ele. Ela consegue pegar a pista dos Progenitores, e o breen acaba seriamente ferido. Quando Moll chega à enfermaria, vai cuidar de L’ak, e Book revela que a nave auxiliar foi perdida. O único modo de deixarem o bolsão interdimensional é com a Enterprise.
Michael e Book usam o raio trator na direção da saída para se comunicar com a Discovery. Rayner percebe a mensagem pulsada, uma referência à sua cultura kellerun, e pede à tripulação que bole um plano para aumentar a abertura do buraco de minhoca. Rhys tem a ideia de usar disparos de torpedos fotônicos em um padrão hexagonal. O plano é executado, e a ISS Enterprise consegue sair, puxada pelo raio trator em contato com a Discovery. Em seguida, L’ak e Moll fogem em um módulo de fuga com capacidade de dobra.
Enquanto Culber conversa com Tilly sobre as experiências radicais pelas quais ele passou, Michael comenta o que foi descoberto na base de dados da Federação, que muitos dos terráqueos da Enterprise conseguiram se estabelecer no novo universo ao deixarem o bolsão interdimensional, e aguarda a análise da nova pista a fim de saber qual será o próximo destino na busca pela tecnologia dos Progenitores.
Comentários
“Mirrors” segue algumas das receitas mais tradicionais de Discovery, incluindo referências ao universo Espelho e um virtual espelhamento entre as duplas Michael/Book e Moll/L’ak, mas fracassa em produzir uma história contundente. As premissas que carregam este episódio têm sua razão de existir, mas sua execução é tão pobre que terminamos com a sensação de que foi simplesmente um episódio perdido.
Quebrando nas três linhas básicas: a trama A é a aventura de Michael e Book atrás de Moll e L’ak pelos corredores da antiga ISS Enterprise; a B, por sua vez, é a história pregressa dos dois vilões; e a C é a de Rayner em sua primeira real experiência como capitão (interino) da Discovery, durante a ausência de Michael.
Todas as três eram necessárias para o arco da temporada; nenhuma delas foi executada a contento.
Começando pela primeira: além de se resumir em mezza exposição e mezza tiroteios, faz um uso totalmente gratuito, inexplicável e frustrante da ISS Enterprise. Não é segredo para ninguém que a ideia era poder usar os cenários de Strange New Worlds como forma de economizar na produção (e já é o segundo episódio em que vemos gritante esforço de conter o orçamento). Mas Star Trek já cansou de redecorar cenários para retratar naves diferentes, e a ISS Enterprise poderia ter sido perfeitamente a ISS Qualquer Outra Coisa, sem qualquer prejuízo para a história.
O uso da Enterprise aqui, além de gratuito, acaba criando frustração na audiência, que fica à espera de uma justificativa lógica para ser esta nave especificamente a ficar presa no bolsão interdimensional. Não há qualquer razão, exceto pelo fator de reconhecimento, o que depõe contra o roteiro, enfatiza a síndrome de mundo pequeno e se revela uma ponta baratíssima de uma “personagem” tão querida.
Além do mais, patrulheiros do cânone ficarão frustrados com a tentativa de encaixar essa Enterprise (que segue o design da nave vista na era do capitão Pike retratada em Strange New Worlds) na cronologia do universo Espelho, já que a primeira visão que temos da ISS Enterprise é justamente na Série Clássica, em “Mirror, Mirror”, quando a nave tinha um visual um pouco diferente. É duro tentar jogar com a nostalgia quando a nostalgia é a primeira coisa jogada porta afora na produção.
Tudo que aprendemos sobre a nave e sua tripulação é passado como exposição pelos atores, forçando a barra para destacar a ideia de que “a Federação é sobre segundas chances”, algo que já vem sido martelado ao longo da temporada – em outras ocasiões de forma mais cuidadosa. Então, os rebeldes tripulantes da ISS Enterprise, ao fugirem de seu universo, ganharam uma segunda chance. Assim como Michael e Book estão lá para oferecer também uma segunda chance a L’ak e Moll, além de flertar com uma segunda chance para si mesmos, quando Michael reconhece que no episódio anterior reviveu brevemente sua relação amorosa com Book, e isso lhe fez bem.
A vinculação entre Book e Moll por meio de Cleveland Booker já soava forçada quando foi introduzida, e infelizmente seu uso aqui não faz muito por torná-la mais valiosa. Todos os diálogos entre os personagens são basicamente clichês, empilhados sem muito critério. Claro, não é fácil haver discussões sofisticadas em meio a tiroteios, com o antagonismo à flor da pele. Até o fato de terem conversado tanto parece pouco crível.
O segmento mais caprichado do episódio é o que mostra o passado de Moll e L’ak, revelando pela primeira vez o que se esconde por trás dos capacetes dos breens – espécie misteriosa introduzida em Deep Space Nine. E, surpresa, L’ak é ele mesmo um breen.
Por um lado, aprendemos um pouco mais sobre como essa sociedade se organiza, ao menos no século 32, e temos um vislumbre de sua aparência real. Por outro lado, há alguma vantagem nisso? O charme em Deep Space Nine era justamente a espécie ser incompreensível e incognoscível. Aqui, ela vira um lugar-comum que usa capacetes para esconder o rosto. Não tem efeito visual de cara verde-brilhante que ajude a dourar essa pílula.
Também não ajuda que, a despeito dos esforços, nossa empatia por Moll e L’ak não aumente. A chance que os produtores tinham para fazer o público se importar com esses personagens era essa, e no fim o que temos são apenas detalhamentos rasos do que já era perfeitamente dedutível a partir do que conhecíamos deles. Fora o elo com os breens, que por si só é uma escolha questionável, nada de novo.
Elias Toufexis não tem muito o que entregar sob tanta borracha, e Eve Harlow segue a vibe Arlequina que a personagem tem assumido desde o começo. A tentativa de dar três dimensões aos dois não funciona, o que acaba redundando em enorme perda de tempo.
Igualmente inconsequente é a atuação de Rayner como capitão interino. Ele faz o trabalho dele, como seria esperado, e Callum Keith Rennie segue vestindo bem a pele do personagem. As interações com a tripulação são boas, mas nada que mereça qualquer destaque. O mesmo se pode dizer da conversa final entre Culber e Tilly, que parece meio jogada. OK como forma de dar continuidade aos personagens, mas nada agrega à história.
No fim, esta é a sensação que o episódio deixa: que nada agrega à história da temporada. Diferentemente das duas pistas anteriores, que exigiram de nossos heróis criatividade e fagulhas de inspiração, aqui a aventura parece totalmente protocolar e dispensável, bem como a ambientação escolhida. O roteiro é pesado, carregado, quer martelar as mensagens a cada cinco minutos, bem como as referências. Com longos 56 minutos, ele parece carecer de substância e, se você pensar bem, fora o fato de que a terceira pista foi obtida e descobrimos a relação de L’ak com os breens, ele seria totalmente dispensável no arco da temporada. É pouco para tanto tempo de tela. Cansativo, claustrofóbico, barato e pouco inspirado, “Mirrors” é um ponto baixo desta quinta e última temporada.
Avaliação
Citações
“L’ak, the Federation is all about second chances. Book and I are both living proof of that.”
(L’ak, a Federação é sobre segundas chances. Eu e o Book somos provas vivas disso.)
Michael Burnham, tentando convencer L’ak a se render
Trivia
- A roteirista Johanna Lee faz sua estreia em Discovery com este episódio. Já Carlos Cisco havia se juntado à equipe na quarta temporada, quando escreveu “…But to Connect”, e no quinto ano foi promovido a editor de histórias.
- A diretora Jen McGowan conduz seu terceiro episódio da série, depois de ter dirigido “All In” e “Rosetta”, na quarta temporada.
- O episódio é dedicado a Allan ‘Red’ Marceta, decorador de cenário que morreu em acidente de moto em 2022. Presumivelmente o bar da Discovery, “Red’s”, foi uma homenagem a ele.
- Tilly conseguiu descobrir o buraco de minhoca compensando o “coeficiente lorentziano”, uma referência ao fator de Lorentz, usado em equações da relatividade restrita.
- Um alferes na Discovery tem um vole cardassiano como bicho de estimação.
- Durante seu período como capitão interino da Discovery, Rayner jamais se senta na cadeira central da ponte.
- A ISS Enterprise foi construída na Base Tartarus, possivelmente uma referência a Tartarus I, do romance da Série Clássica The Rings of Time. Ao recapitular a história da população, descobrimos que ela se rebelou depois que o Alto Chanceler Terráqueo (presumivelmente Spock do Espelho, instigado a se insurgir contra o Império em “Mirror, Mirror”) foi assassinado, o que resultou na fuga pelo buraco de minhoca e a chegada ao universo principal (ainda no século 23). Dentre esses rebeldes estava um kelpiano (presumivelmente o Saru do Espelho). A placa dedicatória da ISS Enterprise que conta essa história especifica a data estelar 32336.6. Ela diz: “O novo Alto Chanceler apresentou esperança e justiça como se fossem naturais ao nosso mundo. Suas palavras, ‘A Luz da esperança brilha mesmo através das mais sombrias das noites’, viraram nosso grito de guerra. Ele falou de reforma, e mudou muitos de nós. Mas alguns viram isso como fraqueza. Eles o mataram, e buscamos ajuda de um aliado improvável: um escravo kelpiano transformado em líder rebelde. Ele falou de visitantes de outro mundo… uma inspiração (?) quase perfeita lançou nossa escuridão à luz. Com sua ajuda obtivemos a Enterprise e ficamos para trás para continuar seu trabalho. Trazemos cicatrizes de nossa fuga, mas nossa esperança persiste. Que ela possa nos carregar a um novo (?), pacífico e brilhante (?) futuro.”
- Moll chama os breens de “cabeça-de-balde”, mesmo apelido que Reno deu aos reguladores da Corrente Esmeralda no episódio anterior.
- A mãe de Moll morreu em Callor V em uma mina de rubíndio, substância mencionada pela primeira vez em “Patterns of Force”, da Série Clássica.
- Descobrimos aqui que Linus sabe tocar piano!
- Este é o terceiro de cinco episódios desta temporada em que Oyin Oladejo e Emily Coutts não aparecem, embora suas personagens, Detmer e Owosekun, sejam mencionadas aqui, com a missão de levar a ISS Enterprise de volta ao Quartel-General da Frota Estelar.
- Este é o terceiro episódio da série sem Doug Jones (Saru).
Não contando as aparições anteriores de L’ak, esta é a primeira vez que vemos os breens em live-action desde o final de Deep Space Nine. Contudo, eles chegaram a aparecer três vezes em forma animada em Lower Decks.
Ficha Técnica
Escrito por Johanna Lee & Carlos Cisco
Dirigido por Jen McGowan
Exibido em 25 de abril de 2024
Título em português: “Espelhos”
Elenco
Sonequa Martin-Green como Michael Burnham
Anthony Rapp como Paul Stamets
Mary Wiseman como Sylvia Tilly
Wilson Cruz como Hugh Culber
Blu del Barrio como Adira Tal
Callum Keith Rennie como Rayner
David Ajala como Cleveland “Book” Booker
Elenco convidado
Annabelle Wallis como Zora
Eve Harlow como Moll
Elias Toufexis como L’ak
Patrick Kwok-Choon como Gen Rhys
Orville Cummings como Christopher
David Benjamin Tomlinson como Linus
Victoria Sawal como Naya
Natalie Liconti como Gallo
Christina Dixon como Asha
Tony Nappo como primarca Ruhn
Barnaby Carpenter como computador da ISS Enterprise
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Edição de Maria Lucia Rácz
Revisão de Susana Alexandria