ESPECIAL: Esperando Enterprise

(Estarei sendo mais pessoal, cínico e crítico do que de costume. Antes que alguém diga “não esquenta a cabeça, isto é só uma série de TV”, devo dizer que eu sei perfeitamente e o Braga mais ainda.)

00 – BRAGA NÃO GOSTAVA DE VOYAGER!!!

A breve e conturbada passagem (como Co-Produtor-Executivo) de Ronald D. Moore (considerado por muitos o melhor roteirista da história de Jornada nas Estrelas) pela produção de Voyager no começo da sexta temporada daquela série, após o término de DS9, foi sempre um motivo de discussão entre os fãs. Muitos creditam este incidente a Brannon Braga, que teria realizado “manobras de bastidores” de forma a tornar insustentável a permanência de Moore na série. Nunca houve confirmação oficial de que isto de fato aconteceu, nenhuma outra pessoa se pronunciou a respeito e só ficamos com a palavra de Moore.

Quando ele se retirou da Produção de Voyager ele postou uma nota bastante bonita em que lembrava da primeira vez que entrou na Paramount, com um roteiro inacabado (que acabou se tornando o episódio “The Bond” da terceira temporada da Nova Geração) debaixo do braço e a esperança de realizar um sonho, fazer parte das criação do universo que já era parte de sua vida desde a mais tenra infância, fazer o “sonho encontrar o sonhador”, por assim dizer. Cerca de dez anos depois, ele saia da Paramount muito magoado e com muitas ilusões literalmente reduzidas a pó, alegando ter sido traido por alguém (Braga) que um dia chamou de amigo. E, acreditem se quiser, ele foi para casa com um legítimo Bat’leth Klingon a tiracolo, arma preferida da raça com a qual ele é inequivocamente associado (ironicamente o fazendeiro Moore que atira no Klingon em “Broken Bow” recebeu este nome em “homenagem” a ele).

(Esta nota estava repleta daqueles “pequenos detalhes” que tornam impossível não perceber o amor de Moore por Jornada nas Estrelas.)

Meses após a sua saída de Voyager, Moore deu uma polêmica entrevista em que ele criticava abertamente a produção de Voyager e Braga. Embora sem entrar em detalhes específicos ele afirmou que Braga o forçou para fora da série. Uma coisa que ele repetiu mais de uma vez ao longo da entrevista é que as pessoa que escreviam Voyager não gostavam do que faziam. Que cada roteiro era encarado não como uma possível realização criativa individual mas sim como uma obrigação. Moore foi muito criticado por alguns, que diziam que ele estava apenas amargurado por que as coisas não haviam dado certo em Voyager. Eu SEMPRE acreditei no conteúdo daquela entrevista, pois tudo que Moore falava tinha respaldo no produto final. Tal descaso, tal indiferença era facilmente identificavel em cada episódio de Voyager, semana após semana. Tenho certeza que, com o passar do tempo, cada ponto de tal entrevista vai se confirmar e a verdadeira história da saída de Moore do Franchise virá a tona.

Em recente entrevista, Braga começou a fazer isto, ele declarou:

“Tinhamos usualmente problemas com uma pálida dinâmica entre os personagens, histórias ruins, alienígenas com um visual de quinta categoria e um certo ranço de coisa velha, batida.”

O fascinante é que ele foi o “tomador de decisões” durante boa parte da série e não conseguiu reverter tal situação. Ele sempre entendeu muito pouco de caracterização, de contar as histórias sob o ponto de vista dos personagens. Sempre quando ele fala dos personagens, soa bastante falso. Este é um tipo de declaração que vai voltar pra “puxar o pé” dele (especialmente quando o episódio da “gravidez-masculina” for exibido).

“Eu precisava de algo novo como escritor. Acho que não poderia escrever uma linha a mais de diálogo para Voyager”, diz Braga.

Aparentemente Voyager foi um mal necessário para Braga, um trampolim para ter a sua própria série (que ele conseguiu pelo simples mérito de ter sido o ÚNICO roteirista da Nova Geração que continuou funcionário da Paramount). Se compararmos a trajetória de Braga com a de Ira Steven Behr nós deslumbramos atitudes profissionais e pessoais totalmente distintas. Ira deixou a Nova Geração ao final de sua terceira temporada não por que foi mandado embora mas sim por que não gostava da série. Ele abandonou um emprego seguro, em uma série de sucesso, por que aquilo não o satisfazia. Quando Michael Piller o contatou e falou do conceito de DS9, ele voltou correndo para a Paramount e acabou se tornando a principal figura da série. Ele foi a ÚLTIMA pessoa a deixar o estúdio no último dia das filmagens. Ele realmente amava o seu trabalho e recomendou que Ron Moore NÃO fosse trabalhar em Voyager, temendo que ele viesse a sofrer algum tipo de represália. O resto, como dizem, é história.

E Braga continua esbanjando a sua filosofia:

“Continuidade não é um problema, só é um problema quando nos impede de contar uma boa história”

Os “atalhos da vida” que levam alguém com tal mentalidade a escrever uma série que dependerá drasticamente de continuidade (trazendo isto em sua própria premissa) me escapam completamente. Chega a ser engraçado.

Braga também fala (na entrevista) que tem visto (juntamente com Rick Berman) muito “The Sopranos” e “The West Wing” e que pretende incorporar “certos elementos” de tais séries em Enterprise. Seria muito legal que Enterpise de fato tivesse ao menos um fração da qualidade de séries tão bem escritas, dirigidas e atuadas mas, a menos que Braga tenha sofrido algum tipo de reengenharia genética que eu não tenha sido informado, ele não serve para limpar o mouse de David Chase e Aaron Sorkin, os criadores e (quase únicos) roteiristas das respectivas séries citadas.

Voltando ao “caso Moore” não é difícil imaginar que Braga quisesse Moore bem longe da Paramount. Não é natural para Braga falar da série clássica, soa pior que japonês em escola de samba. Não é natural para Braga escrever drama orientado a personagem, ele gosta de escrever sobre “coisas esquisitas”, como já garantiu que vamos encontrar bastante a cada episódio de Enterprise. Não é natural para Braga tratar de temas de importância contemporânea, ele gosta de ser “sutil”, que é a maneira dele dizer que ele escreve puro entretenimento e que se você quiser encontrar algum significado mais profundo em seu trabalho basta procurar e contar para ele. Por outro lado é natural para Moore falar e tratar de tudo isto. Se braga tivesse deixado a competência e a adequação falar mais alto, ele é que teria “dançado” nesta história. A simples colocação de Moore no lugar de Braga faria TODA a diferença do universo. Moore poderia fazer Enterprise funcionar realmente (e sem “Guerra fria temporal”, pelo amor de Deus).

(Continuamos com perguntas e respostas até a chegada de “Broken Bow”.)

01 – Que audiência podemos esperar para o piloto de Enterprise ?

Estava esperando algo bem acima dos dez pontos Nielsen. Digo “estava” pois duas coisas podem atrapalhar esta estimativa inicial. Uma é o estado volátil por que passa a América em vista dos recentes ataques terroristas. Se tivermos um movimento militar na noite da estréia, isto poderá destruir a audiência do piloto. Além do que, o próprio “ruído de fundo” que tais incidentes estão gerando, já está atrapalhando um pouco, tirando a atenção da audiência do universo de ficção televisiva e deixando-a mais atenta aos noticiários. O outro problema é que a segunda hora do piloto vai coincidir com o primeiro episódio da terceira temporada de “The West Wing”, que teve um colossal “Cliff-Hanger” ao término da sua temporada anterior (a NBC atrasou as estréias de suas séries, devido aos já citados ataques terroristas).

Fica a dúvida se o tal estado de espírito do povo Americano será bom ou ruim para Enterprise, a curto, médio e longo prazo.
Uma outra curiosidade é se vamos ver retratados nesta próxima temporada da TV Americana (em geral), temas como terrorismo e intolerância religiosa ou se uma espécie de “censura branca” será imposta.

Talibans? Sulibans? Será que Braga e Cia. planejam abordar tais questões ?

Quanto a audiência, fico com uns 10 pontos, aproximadamente 22 milhões de espectadores. Espero que a UPN ajude a série e não venha a se tornar um fardo para Archer e Cia.

02 – Como tem sido a recepção do conceito da série ?

Acho que bastante positiva. O nível de rejeição dos fãs de Voyager quanto ao conceito de Enterpise é bastante pequeno (especialmente devido a falta de conexão destes fãs com a série clássica de Jornada) e uma transferência quase que integral de audiência deve acontecer. Os fãs “Die-Hard” de Jornada que deixaram de assistir Jornada com o final da Nova Geração, devem ao menos conferir o piloto e podem mesmo ficar com a série (extrema nostalgia da série clássica, paralelos com as conquistas da humanidade, investimento no tema de exploração do desconhecido e uma extremamente bem feita campanha publicitária, podem ajuar neste ponto). Aquela grande audiência que tinha Nova Geração (que obviamanete ia muito além dos fãs “Die-Hard”) não pode ser recuperada, pois era uma audiência específica da Nova Geração, dai a preocupação dos Produtores em fazer Enterprise palatável a uma nova audiência típica de filmes de ação e com isto tentar recuperar um espaço junto ao “grande público”.

Os “Niners” vão ser sempre uma fatia do público Trekker mais difícil de agradar e para “melhorar” ainda mais a situação, Braga e Cia. (e os executivos da Paramount em geral) não parecem nem um pouco interessados em DS9 ou em seus fãs. Ver Jeffrey Combs (Weyoum) como um Andoriano vai ser muito legal (especialmente se ele se tornar um personagem recorrente) mas a falta de respeito para com os fãs de Sisko e Cia. tem sido gritante, desde o “Já-Infame-Promo-Remendado-Posteriormente-Para-Incluir-O-Nome-De-Sisko” até uma certa entrevista de Berman em que ele admite (aparentemente para promover o conceito de Enteprise) que DS9 (uma série em que ele foi Co-Criador e Produtor-Executivo do começo ao fim) foi um erro. A partir deste momento eu passei a colocar sérias dúvidas sobre os laços de afeição de Berman com DS9 e a sua REAL importância nas decisões criativas daquela série. Isto sem contar com o IMBECIL “reset-button-póstumo” que a série estava recebendo na versão divulgada do roteiro do próximo filme da Nova Geração. Ainda bem que Michael Dorn (Worf) exigiu certas modificações em seu papel na história, que espero que sejam feitas.

(Continuo dizendo que NÃO QUERO que um novo projeto “Live-Action” de DS9 seja produzido.)

03 – Por que “esta” Enterprise ?

Devo admitir que o conceito, que foi ligeiramente modificado e se tornou Enterprise, foi considerado durante longo tempo por mim como uma espécie de “primeiro de abril”. Quando vi a planilha de personagens, descaradamente baseados nos da clássica, com direito a uma homenagem aos atores do “grande-trio” da clássica nos nomes de personagens convidados e mesmo um personagem chamado Tos (de “The Original Series”) eu dei boas risadas. Triste foi o dia que eu descobri que tudo era verdade.

(Eu duvidava francamente pois os envolvidos tinham muito pouca experiência com tal período da cronologia de Jornada, o que os colocaria como os proverbiais “peixes fora d’água”, foi surpreendente mesmo.)

Sempre esperei que a dupla B&B; fosse fazer algum tipo de Engenharia reversa na Nova Geração (o que seria tão lamentável quanto) e não na série Clássica, o que me tomou de surpresa. Grande parte do conceito de Enterprise aponta para o fato que boa parte do público parece identificar Jornada com um ou mais dos seguintes itens:

( i) Uma nave estelar chamada Enterpise ;

(ii) um capitão humano, macho e branco, com as histórias sendo estruturadas em torno dele e dai a série também ;

(iii)uma tripulação essencialmente humana e da Frota Estelar e

(iv) um “senso” de ir “aonde ninguém jamais esteve”.

Aliando estes conceitos a caracterização dos personagens, que de uma forma ou de outra já existem no Franchise, temos uma série que já foi “feita” com a clássica e “feita novamente” com a Nova Geração (uma série que já gostei muito mais do que gosto hoje em dia, devo admitir), algo que a princípio não me atrai muito pois não é nada de novo e a colocação da série antes de Kirk e Cia. não se mostrou tão suficientemente radical (até o momento) para se mostrar interessante por si só. Era a única opção de satisfazer os 4 itens acima e não refazer a Nova Geração. Eu demorei um bocado para entender isto e agora que o fiz, a premissa parece cada vez mais rotineira, óbvia mesmo (é claro que existem a “premissa” e as “texturas da premissa”, cuja distinção será feita na próxima nota).

Acho que isto no fundo vem de encontro a noção de que o Trekker normalmente é bastante conservador, ele resiste a mudanças, por mais estranho que isto possa parecer. Quando forçado a escolher entre “algo diferente” e “mais do mesmo”, ele parece tender a escolher a segunda opção. Ele se sente mais confortável assim. A dupla B&B; parece apostar exatamente nisto.

Apesar disto tudo estarei dando uma boa chance a série de mudar a minha opinião e espero estar lá comentando cada pequeno passo de Archer e Cia. Afinal ela é uma série ímpar, o que parece ser um bom sinal.

[Amanhã: Valores de produção, originalidade, continuidade, “guerra fria temporal” e muito mais na parte (espero que) final de “Esperando Enterprise”.]