A estréia mundial de “Nemesis”

Para quem duvida que a… aham… poderosa franchise de nome Jornada nas Estrelas anda com a moral lá embaixo aqui nos EUA, deixe-me contar uma pequena história que aconteceu comigo hoje, no dia da estréia mundial de “Nemesis” aqui na terra do Tio Sam e do Tio Rick Berman.

Eu tenho uma meia dúzia de amigos americanos “normais” (ou seja, não-trekkies) com os quais sempre saio nas noites de sexta-feira após o trabalho para curtir umas cervejas no bar da esquina ou ir à estréia de um bom filme, já que todos eles são fãs de cinema, com direito a muita pipoca e refrigerante. Aliás, como morar em LA e não ser fã de cinema? Diabo, alguns deles trabalham na indústria do cinema! Então, não é surpresa que nas últimas estréias de filmes como “Harry Potter and the Chamber of Secrets” ou o ótimo (e vigésimo) filme da série James Bond, “Die Another Day“, lá estávamos nós nas filas do cinema no dia da estréia, discutindo ferozmente se a saga Harry Potter é ou não baseada em livros (e filmes) para crianças ou se Pierce Brosnan é um melhor 007 que Sean Connery.

Então imaginem a minha surpresa quando, ao convidar esses meus animados amigos gringos para a sessão de estréia de “Star Trek Nemesis”, fui recebido com olhares de desinteresse e até desprezo. “Star Trek is dead“, “Star Trek sucks” ou “fuck Star Trek” foram alguns do comentários que ouvi no decorrer da última semana, toda vez que eu tentava, ao vivo ou por telefone, convencer meus caros colegas a assistir à estréia do novo filme da Nova Geração. “Mas esse é o último filme”, “o trailer me parece sensacional”, blablablá, dizia eu, na esperança de que alguém fosse comigo sem precisar me xingar de trekkie.

O fato é que, quanto mais eu tentava convencer meus amigos, mais eu via o quando eles tinham razão de ficar com o pé atrás com a “moribunda” franchise da Paramount. Yep, é verdade o que a maioria deles dizia: o último filme foi medíocre, apenas um fraco episódio de TV na tela grande, com efeitos especiais e maquiagem ridículos (alguém se lembra dos S’ona?) e por aí vai. Já as últimas temporadas de Voyager foram um episódio revoltante atrás do outro e, ao que parece, nem os trekkies mais fundamentalistas (isso é um pleonasmo?) estão aguentando essa nova série de clichês chamada Enterprise, que se transformou numa coletânea de roteiros péssimos e que, na sua segunda temporada, conseguiu o impossível: ser pior que a primeira temporada. Goste ou não de Enterprise, seja trekkie ou não, não se pode negar um fato: a falta de criatividade na atual fase de Jornada nas Estrelas conseguiu criar uma imensa insatisfação no público, com certeza. “Star Trek is dead, buddy.” Será?

Assim sendo, quando me reuni com meus dois amigos na frente de um cinema no Hollywood Boulevard no final da tarde de hoje, podia ver estampado na cara deles que eles estavam lá apenas para fazer companhia a um amigo (no caso, eu) e não estavam nem um pouco interessados no filme. Nada. Zippo. Nothing.

A primeira coisa que notamos é que a fila na frente do cinema era um verdadeiro QG de nerds. Dava para ver o imenso numero de trekkies por metro quadrado, a maioria do sexo masculino e com mais de 25 anos. Uma verdadeira convenção Trek ao ar livre. Vestidos com uniformes da Frota ou usando maquiagens de Klingons ou Vulcanos, lá estavam os fãs fanáticos (opa, outro pleonasmo) em toda sua… err… glória. Bem exaltados, eles falavam em voz (bem) alta para que todos os habitantes do planeta Terra (incluindo nós) ouvissem suas opiniões. E, rapaz, como ouvimos. Parece que a fila não andava e, durante esse tempo que mais pareceu uma eternidade, ouvimos esse bando afoito criticando Enterprise, Voyager e até minha querida Deep Space Nine (pobre Sisko!), xingando mr. Berman, a mãe de mr. Berman e seu cachorro, dizendo como era a glória quando Picard e a turma dominavam os canais de TV e por aí vai. “TNG é a verdadeira Star Trek, não essa merda que passa na TV”, disse um rapaz a alguns metros de mim, aplaudido por um punhado de gente (diabo, ele roubou minha frase!). À medida que a fila ia (lentamente) andando, mais críticas: uns criticavam o pobre do Brannon Braga (que não tinha nada a ver com o filme, mas falar mal dele é sempre bom!), outros mandavam a Paramount à merda por ter cancelado A Nova Geração no seu auge (essa me deu vontade de rir, mas preferi não invocar a fúria dos trekkies), como o tema musical de Enterprise é ruim, yadda-yadda-yadda… era uma platéia bem nervosa, que dava até medo. “Se o filme não for bom”, eu pensei, “vai haver uma verdadeira “Insurreição” por aqui. Rarará.” (Sorry, não consegui resistir a essa piadinha.)

Concluindo, eu e meus amigos resolvemos é ficar quietos, comprar pipoca e Coca-Cola, sentar no cinema e, como já dizia meu pai lá na roça em Minas Gerais, “seja lá o que Deus quiser”.

O filme começou, eu me recostei na poltrona e esperei o pior…

Bom, vamos por partes. Primeiro, as más notícias. A primeira coisa que me vem à mente é que o filme foi vaiado diversas vezes. Sim, vaiado. Foi a primeira vez que vi algo assim durante um filme de Jornada nas Estrelas — seja nos EUA ou no Brasil. E, eu tenho que admitir, foi com gosto que eu me juntei ao coro (e não me chame de trekkie)! Foi só aparecer a frase o nome de Rick Berman na telona, no fim do filme, e toda a platéia começou a vaiar, só parando de vaiar quando surgiu o nome do elenco. “Isso não é um bom sinal”, pensei. Mas o melhor (ou pior) foi antes — a cena que foi mais vaiada, sem dúvida, foi a aparição “especial” da almirante Kathryn Janeway. Foi só uma envelhecida e abatida Kate Mulgrew dar o ar da graça na telona para a sala de cinema vir abaixo. “Fuck Voyager“, alguém gritou. Não estou brincando. Rapaz, esses trekkies odeiam mesmoVoyager, e, depois da qualidade das últimas temporadas, como culpá-los? Mas onde eu estava… ah, sim, as vaias.

Por fim, a última e mais memorável vaia veio quando surge na tela o nome de uma nave que estava junto a um comboio — a USS Archer. Yep, uma nave nomeada em honra ao capitão da suposta primeira nave estelar Enterprise do século 22. “Fuck Archer“, alguém gritou. (Juro que não fui eu!) E, num lapso de déja vu, pensei: rapaz, esses trekkies odeiam mesmo Enterprise. E, depois da qualidade dos últimos episódios, como culpá-los?

E as notícias ruins não param aí. Você leu o roteiro que foi postado na internet? Se você leu, saiba que as diversas cenas importantes que davam ao filme uma sensação de dramaticidade, a “aventura final” de A Nova Geração, se foram. Cenas cortadas aos montes. A tesoura de Berman (e, sem dúvida, da presidente Sherry Lansing e dos executivos da Paramount) simplesmente retalhou o filme, coisa que já havia acontecido antes com “Generations” e “Insurreição” — parece que Berman e Lansingnão aprendem mesmo.

Diversas cenas importantes e centradas nos personagens foram deixadas de fora, e, de novo, se você leu o roteiro, vai perceber como essas cenas fazem falta. A aparição de Wesley Crusher se foi — o Wes entra mudo e sai calado. A cena com Picard e Data na abertura do filme, em que nossos heróis comentam a passagem do tempo e da “velha guarda”, foi totalmente cortada. O confronto entre Deanna Troi e Shizon também. E, mais importante, foram cortadas duas cenas importantes no final do filme: a primeira em que Picard recebe a bordo seu novo primeiro-oficial, o comandante Madden, e a segunda em que Picard, junto com Worf e seus novos oficiais, inspeciona a nova ponte da Enteprise-E e sua nova cadeira de comando. Tais cenas dariam ao filme a sensação de “passagem da tocha” a uma nova geração de heróis. Agora, sem essas cenas, o filme acaba como “Primeiro Contato” e “Insurreição”: nada mudou, tudo continua o mesmo, que venha a próxima aventura.

Se “Nemesis” for realmente o último filme desse elenco, perdeu uma oportunidade de ouro de dar à Nova Geração um sentido de “fechamento”, de finalização. O pior é que até a morte do Data é tratada de forma mundana e simplória. “Nemesis” tenta demais ser igual a “A Ira de Khan”, mas esquece que o que torna aquele filme tão especial não é a batalha na nebulosa Mutara, mas sim as cenas entre os personagens: o almirante Kirk retomando o comando da nave após anos, o relacionamento difícil entre Kirk e seu filho, a rabugenta tenente Saavik obcecada com regulamentos, Kirk e seu lema de “vencer a morte”, o adeus entre Kirk e Spock, o Kobayashi Maru… e por aí vai. Hollywood é a terra da homenagem e do plágio, e “Nemesis” tenta ser épico e sentimental como “A Ira deKhan”, seja no relacionamento entre Picard e Shizon ou na despedida de Data, mas, infelizmente, devidos aos cortes, o filme se perde nesse aspecto, só mesmo lembrando “A Ira de Khan” nas cenas de batalha, que, ao que parece, são mais importantes para Berman e para o diretor Stuart Baird do que os personagens. Concluindo: Ação, nota 10, Personagens, nota 0. Alguns personagens como Worf, La Forge e Beverly Crusher nem aparecem direito. Dava para ver pela cara do Michael Dorn que ele não estava contente e mandou sua interpretação via fax.

Em “A Ira de Khan”, a morte de Spock é tratada de forma importante e até poética. Sentimos o sacrifício, a perda, se dá o adeus ao personagem de forma sentimental (mas não piegas). Já em “Nemesis” é “Bum! Ops, lá se vai o Data… mas ei, aqui está o novo andróide B-4, o novo Data! Bem-vindo!” Não dá ao espectador, trekkie ou não, tempo de se emocionar.

Até a morte de Tasha Yar teve mais sentimentalismo. A morte de Data, infelizmente, é puro efeito especial e o novo androide Dat… quer dizer, B-4, além de não trazer nada de especial ao roteiro, só serve para amenizar a falta do personagem. Santo reboot, hein?

É uma pena. Berman insiste em tratar esses filmes como episódios de TV, e dói ver as melhores idéias do roteiro-de-fã-feito-para-os-fãs do trekkie e roterista John Logan serem largadas no chão da sala de edição. Bom, poderia ser pior. O roteiro poderia ser de Brannon Braga! Já imaginou?

Para mudar um pouco o tom, aqui vão as boas notícias: sejamos justos, havia muito a se aplaudir também durante os 120 minutos. Na saída do cinema, não deixei de notar a expressão de felicidade estampada na cara de diversas pessoas. Não é difícil adivinhar onde está o sucesso de “Nemesis“: as cenas de ação são extremamente bem feitas e coreografadas. Nessa área, “Nemesis” realmente parece uma super-produção, sem dever a nenhum dos filmes lançados neste ano. Basta lembrar da corrida de jipes no planeta Kolarus III, a fuga de Picard e Data no ultra-cool Scorpion Fighter, a batalha final entre a Enterprise-E e a imensa e super-poderosa ave-de-guerra Romulana Scimitar, a explosão da ponte de comando da 1701-E, o incrível “curso de colisão” entre as duas naves. Tudo muito bem dirigido pelo novato diretor Stuart Baird, com uma excelente direção de fotografia e sensacionais efeitos especiais da Digital Domain. É nessas horas que “Nemesis” cresce como espetáculo e prende a atenção da platéia. Até os meus amigos desanimados e não-trekkies (lembram deles?) acharam tais cenas de ação “cool” e se divertiram. O que traz a seguinte questão: “Nemesis” é um bom filme?

A verdade é… sim. Mesmo com todos os cortes, mesmo com a trilha sonora péssima (mais sobre isso depois), mesmo com o final fraco, “Nemesis” não é a desgraça como dizem a maioria dos críticos (por exemplo, as péssimas review do “Variety” e da CNN), mas também não é a maravilha épica que outros pregam (a maioria trekkies ou o pessoal do PR da Paramount). Com todo o respeito ao meu “chefe” no TrekWeb, o webmaster e editor-chefe Steve Krutzler, que adorou o filme e deu a ele a cotação de “quatro estrelas” no seu review postado no TW (vai lar ler, diabos!), para mim “Nemesis” não leva mais que três estrelas e olhe lá! Talvez duas estrelas e meia.

Não é um filme sensacional, não é epico, não é o melhor que A Nova Geração tem a oferecer. Não é nenhum clássico como “A Ira de Khan” ou “A Terra Desconhecida” ou até mesmo a versão do diretor de “O Filme”. É um bom filme, um filme divertido e adequado, um filme cuja ênfase é a ação (ação com “A” maiúsculo) e a aventura, um filme que tenta (e consegue) agradar aos trekkies e não-trekkies (meus amigos que o digam).

É, na minha não tão modesta opinião, o melhor dos filme da Nova Geração. Eu adoro A Nova Geração, dude. Eu adoro Patrick Stewart e o elenco. Stewart consegue se sair bem até quando o roteiro é ridículo — vide “Insurreição“. Os personagens da Nova Geração, assim como Kirk e Spock, são para mim velhos amigos. Se a Série Clássica e os filmes de Kirk e cia. eram a série que eu amava quando era criança e adolescente, A Nova Geração é sem dúvida a série de TV que marcou o fim minha adolescência e o começo da minha vida adulta. (Gee… e isso apesar de minha namorada me dizer que eu nunca vou crescer.)

Mas, voltando à Nova Geração, se por um lado eu adoro episódios como “Yesterday’s Enterprise”, “Family”, “The Best of Both Worlds” e (meu favorito) “All Good Things…”, por outro lado eu acho que os filmes da Nova Geração nunca chegaram ao nível dos melhores episódios da série para a televisão, ao contrário dos filmes da Série Clássica, que se tornaram clássicos para mim (todos os seis filmes, diga-se de passagem, incluindo “A Última Fronteira”, de Shatner). Para mim, a Paramount não está se esforçando e não adianta chamar novos roteristas como John Logan, se mr. Berman não quer inovar.

Não há nada de inovador nos filmes de A Nova Geração e, se“Nemesis” é melhor que os últimos filmes, é porque ficaria difícil fazer de novo algo tão ruim como “Primeiro Contato” e “Insurreição”. Será que os filmes não estão ficando melhores, mas é a expectativa dos trekkies (e do público em geral) que nunca esteve tão baixa? Responda você, quando o filme estrear aí no Brasil, em fevereiro do ano que vem. Eu vou estar por aí e quero ouvir sua opinião. Será a baixa expectativa, o pessimismo gerado por Enterprise e Voyager… será essa a razão pela qual tem muita gente achando que “Nemesis” é um filme danado de bom? É mesmo, mr. Berman?

E por falar em mr. Berman, não é porque eu gostei do filme que não vou deixar de reclamar de um ponto em que sem dúvida a culpa é de nosso famigerado amigo (sempre ele), mr. Riquinho Berman. Yep, tem mais para reclamar! Ou você nao pensou que ia escapar fácil assim, não é? A música. Yep, a maldita trilha sonora. Para começar, de que adianta chamar um maestro super-talentoso como o lendário Jerry Goldsmith e não deixá-lo dar asas ao seu talento e produzir uma trilha sensacional e memorável, como a de “O Filme” e “A Última Fronteira”? A trilha de “Nemesis” é péssima, a pior já feita para um filme da série, parece pura música de elevador (assim como as trilhas deEnterprise) e, sem dúvida, isso compromete o filme. Se Goldsmith tivesse feito uma trilha mais instrumental e bombástica, principalmente nas cenas de ação, o filme seria muito melhor. É como chamar um jovem e talentoso roterista como John Logan e depois retalhar seu roteiro. É como chamar Kate Mulgrew como Janeway e Whoopi Goldberg como Guinan e so dar 20 segundos de presença para cada, em participações menos que especiais. De que adianta o esforço? E o que adianta reclamar? Você decide.

Para terminar, depois do filme, eu e meus amigos nos reunimos no ponto de ônibus para comentar, mas, ao que parece, já tinhamos esquecido de “Nemesis”. Sendo assim, tivemos uma conversa animada sobre a estréia do super-mega-hiper esperado “O Senhor dos Anéis: As Duas Torres”, na próxima quarta-feira. Tomara que “Nemesis” (o filme mais caro da série, custando seus 70 e poucos milhões de dólares) já tenha feito uma boa bilheteria até lá. Senão o filme será realmente “A Generation’s Final Journey“. Nuff said, mr. Berman.

Artigo originalmente publicado no conteúdo clássico do Trek Brasilis em dezembro de 2002.