STS 2×03: Ask Not

Uma versão hardcore (e previsível) do Kobayashi Maru 

Sinopse

A Base Estelar 28 está sob ataque. A cadete Thira Sidhu trabalha no Inventário 2 quando uma explosão a atira ao chão. Ainda grogue, ela recebe a visita de um oficial com um prisioneiro encapuzado. Alegando que a detenção não está acessível, ele instrui a cadete a guardá-lo – um oficial amotinado da Frota Estelar. Sidhu recebe um feiser para mantê-lo sob custódia e promete cumprir a missão.

Quando o capuz de alta tecnologia se desfaz, ela descobre que o prisioneiro é ninguém menos que o capitão Christopher Pike, da USS Enterprise. Ele dá ordem para que ela abra um canal de comunicação, mas Sidhu se mantém firme e lembra que, como prisioneiro, suas ordens já não carregam qualquer autoridade.

Pike tenta se justificar, explicando o que houve. Ele diz que a Enterprise respondeu a um pedido de socorro da USS Bouman, nave onde o marido da cadete atualmente serve. A nave, sob o comando de uma almirante, fora abordada pelos tholianos, numa possível emboscada para capturar a própria Enterprise. A almirante ordenou que Pike recuasse, mas ele se recusou a abandonar a tripulação da Bouman. Com isso, amotinou-se e foi preso. Pike tenta apelar para o lado emocional da cadete – se ela o ajudar, talvez ainda seja possível salvar o marido dela. Mas Sidhu mais uma vez resiste, alegando que ele sabia dos riscos ao se alistar na Frota Estelar.

Pike então passa a outra estratégia, citando regulamentos que supostamente permitiriam que ela o soltasse. Nada funciona. Por fim, depois de várias tentativas malogradas, o capitão promete que ela jamais pisará os pés numa nave estelar no futuro. Em seguida, ele decide simplesmente deixar a detenção improvisada no Inventário 2.

Determinada a não permitir que ele saia, Sidhu aponta seu feiser para Pike e ordena que se afaste da porta. O capitão não recua e ela novamente dá a ordem, disposta a disparar. E então ele fala com alguém do lado de fora e revela que tudo não passou de um embuste, destinado a testar a capacidade da oficial de cumprir ordens, mesmo envolvendo sacrifício pessoal.

Pike pede desculpas pela forma extrema e desumana de testá-la, mas lembra que a guerra também é assim, e então diz que ela passou no teste e passará o resto do semestre servindo na Enterprise, na engenharia, como ela havia requisitado tempos atrás.

Ao ir a bordo da nave estelar, ela é recebida por Spock e Número Um. A primeira oficial revela inclusive que o teste fora ideia sua, ao que Spock arremata: “ninguém pode esperar piedade dela”. A resposta de Una foi só um familiar erguer de sobrancelhas. Sidhu então é levada por Pike à engenharia, onde se encanta com a grandiosidade do maquinário e demonstra estar vivendo seu sonho como oficial. Ela termina perguntando a Pike se a arma que ela tinha no teste estava funcionando, mas o capitão deixará esta dúvida com ela. “Nos vemos pela nave, cadete.”

Comentários

Vamos tirar logo o elefante da sala: o que prejudica “Ask Not” é a previsibilidade. Assim que descobrimos, logo no começo, que o prisioneiro é Pike (algo que quem viu o trailer já sabia), o comportamento dele está tão fora do normal que só podemos supor que se trata de algum tipo de teste ou embuste. E aí nos resta apenas esperar o desfecho, sem a tensão que normalmente viria acompanhada de uma trama como esta. Ele não tarda a vir, considerando que temos aqui o mais curto de todos os Short Treks até agora: pouco mais de 9 minutos, incluindo créditos.

Despido da mais básica surpresa, o episódio acaba se resumindo às atuações. Que são boas, é importante que se diga. Anson Mount mais uma vez demonstra seu enorme talento para encarnar o capitão Christopher Pike, e a jovem Amrit Kaur está ali, cabeça a cabeça, sustentando o conflito. É interessante perceber como a cadete começa bastante insegura e termina absolutamente convicta, superando cada provação (ou provocação) atirada por Pike com crescente altivez.

Também é interessante notar como o roteiro de Kalinda Vasquez explora bem a situação, mostrando o capitão usando as mais diversas abordagens para tentar fazer a cabeça da cadete. Começa pela preocupação pessoal dela com o marido, depois tenta oferecer “furos” nos regulamentos que a permitissem libertá-lo, passando por um apelo ao potencial ódio de Sidhu por ter sido sobrevivente de um ataque tholiano a Berellium quando era jovem, apela para uma decisão moral que se coloque acima das regras, ameaça o futuro da carreira dela e, por fim, faz um desafio de autoridade, testando a capacidade dela de ir até o fim, disparando contra ele para mantê-lo sob custódia.

Um jeito fácil de descrever este episódio é como uma versão hardcore do teste do Kobayashi Maru, visto pela primeira vez em Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan e novamente em Star Trek (2009). A diferença fundamental (e é importante enfatizar fundamental neste caso) é que, no caso do célebre teste da Academia da Frota Estelar, os cadetes participantes estavam cientes de que tudo não passava de uma simulação.

Da forma como foi apresentado aqui, o teste lembra mais as “peças” pregadas em Wesley Crusher durante seu processo de admissão à Academia em “Coming of Age”, da primeira temporada de A Nova Geração. Lá, bem como cá, os testes não eram anunciados e vinham tanto em pequenos pacotes (como um encontrão no corredor) como em grandes (uma explosão que obriga um cadete a escolher quem salvar, dentre duas vítimas).

Ou seja, por esse aspecto, “Ask Not” está totalmente em linha com o cânone de Star Trek nos séculos 23 e 24. O que não deixa de ser uma forma radical e possivelmente antiética (daí a ênfase em fundamental) de testar jovens cadetes, submetendo-os a um falso perigo e potencialmente descarrilhando suas carreiras ao impor decisões de comando tão difíceis. Lembra um pouco a ideia recentemente discutida no Brasil de implementar, como medida de combate à corrupção, testes de integridade para o funcionalismo público, em que funcionários seriam expostos a “corruptores” (na verdade agentes disfarçados) oferecendo vantagens para verificar como se comportam. Há argumentos em favor e contra, e não cabe aqui entrar nesse debate. A ideia é apenas apontar o sabor contemporâneo (e aparentemente perene) da Academia da Frota Estelar nesses assuntos.

O roteiro ainda diverte pela tonelada de regulamentos despejada nos diálogos de “Ask Not”, a mais notável delas a citação à cláusula de reconvocação que Kirk usa para trazer McCoy de volta à Enterprise em Jornada nas Estrelas: O Filme. Também é legal ver o desfecho a bordo da Enterprise, com mais uma brincadeira da identidade mista da Número Um e de Spock (já foi abordada em um curta inteiro em “Q&A“). Quando o vulcano diz que não se pode esperar piedade de Una, seu erguer de sobrancelha lembra um maneirismo que esperaríamos dele, não dela.

E ainda ganhamos uma olhadela na engenharia da Enterprise, com um visual que certamente há de causar polêmica entre os puristas.

No fim das contas, “Ask Not” é uma adição não comprometedora na lista dos Short Treks, mas que peca pela falta de ousadia, com uma história convencional e previsível. Depois dele, resta apenas torcer para que não tenha sido a última vez que vimos Pike e sua tripulação nesta nova era de Star Trek.

Avaliação

Citações

Pike – I know that a challenge like this might seem extreme, even inhumane. But war is both of those things. We need to know that you’ll honor your commitment to Starfleet even when those you hold dear are on the line. Even when old wounds are triggered and loopholes appear. (“Eu sei que um desafio como esse pode parecer extremo, até desumano. Mas a guerra é essas duas coisas. Precisamos saber se você honrará seu compromisso com a Frota Estelar mesmo quando os que você ama estão em perigo. Mesmo quando velhas feridas são acionadas e brechas aparecem.”)

Spock – We’ve all learned to expect no mercy from Number One. (“Nós tomos aprendemos a esperar nenhuma piedade da Número Um.”)

Trivia

  • Este foi o terceiro de três Short Treks baseados na Enterprise de Pike. Anson Mount aparece com destaque, mas Ethan Peck (Spock) e Rebecca Romijn (Una) surgem só no final do episódio.
  • A história se passa na Base Estelar 28. Segundo a transcrição oficial do episódio Choose Your Pain, bem como as legendas estrangeiras que aparecem na Netflix, a base estelar visitada pelo capitão Gabriel Lorca era a 28. Contudo, como isso não apareceu em tela na versão em inglês, é temerário tratar a informação como cânone. De todo modo, a base estelar vista em “Choose Your Pain” e a que figura no diagrama na tela do Inventário 2 em “Ask Not” são idênticas. Mas na segunda aparição ela está de cabeça para baixo. O que, no espaço, também não quer dizer nada.
  • Além da sala de transporte da Enterprise de Pike, temos a primeira visão da engenharia. Ela não se parece em nada com o que vimos na Série Clássica e é cenário totalmente construído em CGI.
  • Três regulamentos citados aqui já apareceram antes. A regulação 191, artigo 14, diz que “quando em combate, o comando recaí sobre a nave com superioridade tática”, o que já havia sido mencionado em “Equinox”, de Voyager. A diretriz 010 diz que “antes de se engajar em batalha, todas as tentativas de conseguir uma resolução não militar devem ser feitas” e foi mencionada antes em “In the Flesh”, de Voyager. E, claro, a cláusula de ativação da reserva diz que “um oficial em boa condição pode restituir um oficial dispensado numa emergência”, citada como “pouco conhecida” e “raramente usada” pelo Dr. McCoy, ao ser “vítima” dela, em Jornada nas Estrelas: O Filme.
  • O episódio também introduz um novo regulamento, a regulação 208, parágrafo 2, que “permite que um capitão descarte as ordens de outros oficiais”, como apontado por Pike. Mas Sidhu é rápida em lembrá-la de que isso só se aplica a capitães na ativa, o que não era o caso dele.
  • O diretor deste episódio, Sanji Senaka, é mais conhecido por seu trabalho de 25 anos com videoclipes. Ele chegou a ser indicado a um Grammy.
  • A roteirista Kalinda Vazquez faz sua estreia em Star Trek aqui, mas tem uma vasta carreira em séries de TV de sucesso, como Prison Break, Nikita, Once Upon a Time e Fear the Walking Dead.
  • A compositora da poderosa trilha musical deste episódio é Andrea Datzman, a segunda mulher a compor para Star Trek. Ela trabalhou com Michael Giacchino nos três filmes de Star Trek produzidos por J.J. Abrams.
  • Este é o episódio mais curto dos Short Treks até o momento, com pouco mais de 9 minutos. É o primeiro deles a não ter a abertura com a Discovery passando pela tela.
  • O título “Ask not” é provavelmente uma referência à famosa frase do discurso de John F. Kennedy, “Ask not what your country can do for you, but what you can do for your country” (Não pergunte o que seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo seu país), numa conexão com a escolha de Sidhu, que opta por abraçar suas responsabilidades com a Frota Estelar em detrimento de potenciais interesses pessoais.

Ficha técnica

Escrito por Kalinda Vasquez
Dirigido por Sanji Senaka
Exibido em 14/11/2019
Produção: 203

Elenco

Anson Mount como Christopher Pike
Amrit Kaur como cadete Thira Sidhu
Ethan Peck como Spock
Rebecca Romijn como Una
Steve Boyle como oficial de segurança #1
Colette Whitaker como computador da Base Estelar 28

TB ao Vivo