DS9 2×15: Paradise

Roteiro propõe discussão indecisa sobre o conflito “tecnologia versus natureza”

Sinopse

Data estelar: 47573.1.

Sisko e O’Brien estão em uma missão de reconhecimento no explorador USS Rio Grande quando detectam sinais de vida humana em um planeta supostamente desabitado. Os dois transportam-se para a superfície do planeta, onde encontram uma colônia humana (fruto de uma nave acidentada) mantida no local por mais de 10 anos sem benefício algum da tecnologia.

Existe um misterioso campo de força no planeta que torna inútil qualquer dispositivo tecnológico, inclusive os de Sisko e O’Brien. Assim, eles também ficam presos, sem chance de voltarem à nave em órbita.

Eles são encontrados por dois homens, Joseph (originalmente o engenheiro da missão) e Vinod (filho da líder da comunidade, uma naturalista radical, de nome Alixus).

Sisko e O’Brien chegam a um vilarejo construído em torno do casco da nave acidentada dos colonos. Ainda com o interesse dos colonos pelo que aconteceu “no resto da galáxia” nos últimos dez anos e mesmo alguns mencionando uma certa antecipação quanto a um possível resgate, Alixus diz que nunca deixará o planeta, mesmo que a oportunidade apareça. Os dois oficiais são convidados a ficar, desde que ajudem nas plantações.

Uma garota de nome Meg está muito doente, à beira da morte. Por isso, Sisko e O’Brien lamentam a falta do kit médico do explorador e O’Brien tem uma ideia de como driblar o campo de interferência. Alixus chama Sisko e diz que qualquer conversa sobre tecnologia é nociva à moral da comunidade e pede que ele mande O’Brien parar imediatamente com os seus esforços.

Kira e Dax tentam contato com a USS Rio Grande, mas não obtêm resposta. Eventualmente recebem informação da Frota Estelar de que o explorador foi detectado por romulanos no Setor 401 em velocidade de dobra, sem ninguém dentro, em um curso errante. Elas rastreiam o curso do Rio Grande e rumam para o “planeta-paraíso”. Sisko e O’Brien voltam do plantio e presenciam a principal forma de punição da comunidade, o confinamento solitário no interior de uma pequena e escura caixa de metal (a “hot box“). Stephen (um colono) é visto saindo da caixa em estado deplorável. Seu crime: roubou uma vela.

Naquela noite uma colona de nome Cassandra, vai ao quarto de Sisko com a clara intenção de seduzi-lo. O comandante fica furioso. Ele confronta Alixus com a fato de que foi ela que mandou Cassandra e ela admite que sim. Sisko acha uma enorme “coincidência” o fato de uma pessoa totalmente contrária a tecnologia vir parar em um planeta onde nenhuma tecnologia funciona, com um bando de colonos, e se tornar a líder deles. Alixus se irrita e manda Sisko montar guarda a noite toda.

No dia seguinte Alixus anuncia a morte de Meg e diz ter flagrado O’Brien tentando resolver o problema do campo de interferência, o que é nocivo à comunidade, segundo ela. Ela considera Sisko responsável e o manda pra dentro da caixa. Após um longo período ela o libera e diz que ele poderá beber água se começar a abraçar os valores dela. Apesar de uma sede excruciante, Sisko não se curva e volta para a caixa.

Decidido, O’Brien constrói uma bússola rudimentar e encontra o gerador do campo de interferência enterrado na floresta. Ele o desativa, volta para comunidade com seu feiser funcionado e liberta Sisko. O engenheiro denuncia que o campo impedindo o funcionamento de eletrônicos foi criado artificialmente. Alixus confessa e diz que tudo, desde o acidente original de dez anos atrás, foi um plano cuidadosamente preparado, concebido por ela para chegarem na situação que a comunidade chegou. Em sua defesa, ela diz que tal experiência conseguiu extrair o máximo potencial de cada indivíduo envolvido. Sisko lembra que muitas vidas forma perdidas e ela deve pagar por tais mortes.

Kira e Dax entram em órbita, Sisko oferece relocação para os colonos, mas eles não estão preparados para deixar seu lar de uma década. Apenas Alixus e seu filho deixam o “planeta-paraíso” junto com Sisko e O’Brien.

Comentários

Esta tentativa de Deep Space Nine de entrar no tema de “cultos, seus seguidores e seus líderes” não foi muito bem-sucedida. Saiba por que, nos não muito paradisíacos comentários a respeito do episódio, a seguir.

A aparente ideia original de discutir (via uma alegoria) os prós e contras da tecnologia na vida moderna acaba se tornando, durante o curso do episódio, basicamente um estudo sobre “cultos, em especial sobre o seus líderes”. Não sei ao certo se esta mudança de foco está relacionada ao fato de o episódio ter sofrido um número enorme de revisões (basta conferir os seus créditos, que, ainda assim, não incluem o fato de que a história original foi de Peter Allan Fields) ou da intenção consciente de colocar Sisko em uma posição adversária frente a uma (como caracterizada no curso do episódio) “formidável vilã”. Apesar de considerar ambos os temas relevantes (especialmente o segundo), a falta de coesão do roteiro fere um bocado o sentido geral do episódio.

Considerem por exemplo a cena final, em que, apesar da revelação do plano de Alixus (e da total fraude envolvida na criação da colônia), não existe nenhuma reação de revolta por parte da comunidade, o que pode ser entendido como um alerta (construído de forma discreta, como sempre deve ser) sobre o poder que tais líderes podem exercer sobre as pessoas em circunstâncias adequadas.

A tomada final, em que as duas crianças ficam olhando a “hot box” reforça tal percepção. Porém isso, quando contrastado com a cena da chegada de Sisko e O’Brien na comunidade, não faz sentido algum. Ali vimos pessoas interessadas pelo mundo exterior e Cassandra só faltando pedir para reservarem um assento pra ela no Explorador. Este é o exemplo mais claro (mas não único) da falta de direcionamento do episódio.

(Em um universo como o de Jornada, onde a tecnologia está tão intrinsecamente associada à melhoria da qualidade de vida do homem, temas como o deste episódio costumam ser recebidos com indiferença. O episódio tem o mérito de ter ao menos tentado trilhar tal caminho espinhoso.)

Abundam problemas de trama: não é apresentado um bom motivo para Sisko (comandante da estação) sair com O’Brien em um explorador para uma rotineira missão de reconhecimento (a ida de Dax e Kira em seu resgate no final também deixa dúvidas a respeito de quem ficou no comando da estação. Morn talvez?).

 

Foi uma tremenda burrice de Sisko e O’Brien se meterem na situação em primeiro lugar. Como eles vão se transportar para a superfície de um planeta com um “estranho campo de força” sem descobrir exatamente que efeito este campo terá no seu transporte de retorno?

Eu fiquei impressionado com a capacidade tecnológica e a inventividade de Alixus, não tanto pelo gerador de campo que poderia ter sido uma oferta como “caixa preta” de algum cientista simpatizante, mas o fato de ela conseguir “furar” a segurança do explorador (uma classe de nave que foi comissionada oito anos APÓS a queda do grupo de Alixus no planeta), se transportar a bordo e programar o piloto automático para uma rota rumo à destruição da nave, tudo foi exagerado. (OK, ela errou a estrela, mas continuo achando absurdo como ela conseguiu fazer tudo isso.)

As cenas iniciais entre Kira e Dax na estação funcionaram bem, mas as cenas a bordo do explorador foram bastante mecânicas, só para levar uma parte da trama à frente.

(Talvez tivesse sido benéfico ao episódio deixar o explorador de Sisko e O’Brien em órbita, eliminar as cenas de Kira com Dax e realizar alguma espécie de fechamento quando do retorno de Sisko e de O’Brien à estação.)

As cenas entre O’Brien e Joseph funcionaram muito bem, incluindo especialmente a cena da fuga de O’Brien (“Eu posso fazer de forma que não doa nem um pouco”).

(A forma como Alixus vira a defesa de O’Brien por parte de Joseph contra o próprio Joseph exemplifica claramente o que ela deve ter feito frequentemente nestes dez últimos anos de existência da colônia.)

As cenas envolvendo a “hot box” foram as melhores do episódio. A melhor em particular foi a de Sisko retornando a caixa logo após ter saído dela. Tudo foi perfeito (do mais puro e efetivo teatro), desde Sisko saindo da cabana até a “hot box” se fechando com ele dentro e o ato chegando ao seu final. Bravo!

Alixus foi da primeira à última cena uma vilã tradicional, com o benefício de acreditar plenamente em sua causa e estar disposta a fazer tudo para defendê-la, mantendo a sua posição até o fim. Este tipo de caracterização tornou impossível uma discussão equilibrada sobre a dualidade tecnologia X valor natural do homem.

(Ainda que insatisfatório, Joseph serviu muito melhor para, ao menos apresentar, alguns pontos da questão.)

Inúmeros pontos razoavelmente conhecidos sobre líderes de cultos foram apresentados via a personagem de Alixus. Infelizmente foram apresentados, assim como todo o material entre ela e Sisko, de uma forma forçada, não deixamdo dúvidas na audiência sobre o que está acontecendo, além de pouco sutil e por vezes até grosseira.

Apesar dessas falhas na caracterização de Alixus, ela, apesar de acreditar plenamente no que fez, ao menos teve suficiente senso de realidade para aceitar a sua derrota ao final e não terminar morta, assim como o proverbial “megalomaníaco da semana”.

A direção de Corey Allen teve altos e baixos, acompanhando os altos e baixos do próprio episódio. Mas o grande problema do seu trabalho (e o de Gail Strickland também) foi de não conseguir transformar nem de longe Alixus em uma figura simpática para a audiência.

Brooks foi excepcional (protagonizando a de longe a melhor cena do episódio). Em situações difíceis e de grande pressão ele funciona perfeitamente. Meaney foi excelente como sempre e o resto dos regulares honrou o pagamento.

Strickland decepcionou como Alixus, com uma leitura muito rígida (dando a clara impressão de estar seguindo estritamente as linhas de um roteiro) e pouco natural. Strickland também dava a impressão de estar sempre no seu limite emocional (digamos, pronta para desabar em lágrimas a qualquer momento), tornando difícil de acreditar que ela de fato tenha tido carisma suficiente para ter se tornado líder daquela comunidade. Vinovich foi o melhor ator convidado, com uma atitude e uma leitura bem mais relaxadas e realistas. Silver e Weis fizeram o que foi pedido deles. Nickson se saiu muito mal MESMO.

O diálogo inicial entre Sisko e O’Brien no explorador foi excelente, preparando acontecimentos relacionados a Jake (de sua ida ou não à Academia da Frota Estelar) que serão tratados nos episódios seguintes. A história de como O’Brien fez o seu primeiro “milagre” nos transportes e como ele ganhou o posto de oficial tático da Rutledge foi muito legal (ainda que a história passada de O’Brien seja uma das mais complicadas de se entender dentre os personagens de Jornada, é uma LONGA história, para outro tipo de artigo, eu prefiro a que é consistente com este episódio).

Novamente Sisko fala de seu pai no passado, dando a entender que ele ou está morto ou não é mais um “chef”, ambas ideias em desacordo com o que vai ser visto em “Homefront“, da quarta temporada, em que Joseph Sisko está vivo e ainda tem um restaurante em Nova Orleans.

A caçada de Vinod a O’Brien foi muito bem realizada, incluindo o clássico (e infame) truque do uniforme na árvore. Interessante também por que descobrimos como são as roupas de baixo do pessoal da Frota no processo.

A sequência do “enlaçamento do explorador” deixou um bocado a desejar e a parte em que os dois exploradores desaceleram para impulso contém os piores efeitos visuais de toda a série.

A cena da tentativa de seduzir Sisko por parte de Cassandra foi muito ruim, em parte pela obviedade do material e em grande parte pela péssima atuação de Nickson.

Paradise” acaba ficando na categoria do “neutro” (até abaixo disso). Embora o tema “será que a tecnologia de fato nos afasta de nossa natureza fundamental?” (que acaba sendo apenas uma espécie de ponto de partida para a discussão de líderes de cultos e similares) e a forte presença de Sisko sejam claros pontos positivos, existem tantas problemas de execução e de trama no episódio, que estes acabam por mais do que “cancelar” aqueles bons pontos.

Avaliação

Citações

“My name is Joseph; Vinod’s the one playing with the sharp object.”
(Meu nome é Joseph; Vinod é o que está brincando com o objeto afiado.)
Joseph 

“Interesting philosophy, and while we’re discussing it, a woman is dying.”
(Filosofia interessante, e enquanto a estamos discutindo, uma mulher está morrendo.)
Sisko 

Trivia

  • A dupla Hans Beimler & Richard Manning já havia trabalhado nas três primeiras temporadas da Nova Geração e depois se envolveram (entre outras) nas séries “TekWar” (de William Shatner) e “Beyond Reality” (onde Beimler conheceu Nicole de Boer, que acabaria se juntando ao elenco de DS9 na sétima temporada, como Ezri Dax). Beimler, que já havia trabalhado antes com Ira Behr na série “Fame“, se juntou em definitivo à equipe de roteiristas da série a partir da quarta temporada da série.
  • O produtor-executivo Ira Steven Behr tem o seguinte a dizer sobre o episódio: “Foi um episódio forte para Sisko. Foi o nosso “Fugindo do Inferno”, com Sisko no lugar do personagem de Steve McQueen, o firme rei, que nunca recua um centímetro. Mas em termos da comunidade de colonos em si, a mensagem do episódio sempre pareceu muito pouco clara.”

Ficha Técnica

História de Jim Trombetta e James Crocker
Roteiro de Jeff King e Richard Manning & Hans Beimler
Dirigido por Corey Allen

Exibido em 14 de fevereiro de 1994

Título em português: “Paraíso”

Elenco

Avery Brooks como Benjamin Lafayette Sisko
René Auberjonois como Odo
Nana Visitor como Kira Nerys
Colm Meaney como Miles Edward O’Brien
Siddig El Fadil como Julian Subatoi Bashir
Armin Shimerman como Quark
Terry Farrell como Jadzia Dax
Cirroc Lofton como Jake Sisko

Elenco convidado

Julia Nickson como Cassandra
Steve Vinovich como Joseph
Michael Buchman Silver como Vinod
Erick Weiss como Stephan
Gail Strickland como Alixus
Majel Barrett como a voz do computador

Balde do Odo

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Edição de Muryllo Von Grol
Revisão de Roberta Manaa

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