DS9 2×14: Whispers

Mistério chama atenção do espectador e mantém integridade dos personagens

Sinopse

Data estelar: 47581.2.

O’Brien, a bordo do explorador Rio Grande, dita um diário pessoal sobre os estranhos acontecimentos que ele viveu nas últimas 52 horas. Ele não consegue pensar em outra coisa senão voltar para o sistema Parada e avisar os seus habitantes de que algo está muito errado com a Federação — o que, exatamente, ele não tem certeza.

Ele começa a se lembrar de que tudo começou dois dias antes, quando ele acabara de voltar de um encontro sobre segurança no sistema Parada (no Quadrante Gama). As duas facções governantes daquele mundo, o “governo de direito” e “os rebeldes”, após 12 anos de guerra civil, decidiram realizar uma conferência de paz e o local escolhido foi a estação.

A partir daí, estranhos acontecimentos se iniciam: Molly e Keiko o tratam de forma distante; Sisko manda o alferes DeCurtis preparar o sistema de segurança para a conferência sem consultá-lo; Bashir lhe aplica um minucioso exame físico; Sisko o manda consertar as torres de atracação superiores em vez de se envolver com a segurança da conferência; DeCurtis não o deixa entrar em um dos aposentos destinados às delegações, alegando que somente Kira tinha a senha de acesso. Porém, quando O’Brien finge partir e se esconde, ele vê o alferes abrir a porta sem precisar de senha alguma.

De volta a seus aposentos, ele vai jantar com Keiko e termina de comer (antes mesmo de começar) com a nítida impressão de que o cozido feito por ela estava envenenado. Após Keiko ir dormir, O’Brien começa a pesquisar e descobre que todos os diários após o seu retorno foram protegidos com senha. Ele, então, consegue burlar o sistema, mas não descobre muito, além do fato de que o resto da tripulação analisou repetidamente os próprios diários do chefe.

O’Brien recorre a Odo, que acaba de chegar de Bajor. O comissário, apesar de, a princípio simpático para com ele, acaba por se mostrar parte da mesma “conspiração” que envolvia o resto da tripulação.

O’Brien consegue fugir da estação no explorador Rio Grande, logo após Sisko, Kira e Bashir tentarem dominá-lo e sedá-lo. Como um contato subespacial com a almirante Rollman torna-se perda de tempo, ele decide ir para o sistema Parada, onde acredita poder encontrar as respostas para tudo o que está ocorrendo.

A narrativa volta ao presente, com O’Brien sendo perseguido pelo explorador Mekong. O chefe consegue iludir seus perseguidores e, quando os ocupantes do outro explorador se transportam para o planeta Parada II, ele vai atrás.

Chegando a um complexo de cavernas, ele encontra Sisko e Kira conversando com o líder dos “rebeldes”, de nome Coutu. Este lhe diz que todas as explicações estão atrás de uma porta. Porém, quando Coutu vai abri-la, O’Brien levanta a sua arma e é mortalmente ferido pelo guarda-costas do líder alienígena.

A porta se abre e passam por ela Bashir, que vai socorrer o ferido e um outro idêntico chefe O’Brien. Coutu explica que o verdadeiro chefe de operações foi raptado pelo “governo de direito” e um replicante foi enviado para estação, replicante este idêntico ao chefe e que acreditava plenamente ser o verdadeiro Miles Edward O’Brien.

O propósito do replicante era assassinar alguém durante a conferência de paz. Ele tinha uma personalidade submersa que se revelaria quando fosse a hora apropriada. Sisko e o resto da tripulação fizeram o melhor que puderam para isolá-lo de todas as áreas essenciais e tentar aprender o máximo sobre o replicante enquanto os “rebeldes” tentavam encontrar o verdadeiro O’Brien, o que finalmente aconteceu quando tal replicante já estava rumando para Parada. Apesar de ouvir tudo isso, o replicante morre ainda pensando ser o verdadeiro O’Brien e suas últimas palavras são de amor a Keiko.

Comentários

Whispers” é um dos melhores episódios da série e é também o melhor esforço da estação (e provavelmente de toda a história de Jornada) para oferecer um “mistério trekker“. Fiquem atentos, pois prometo sussurrar bem baixinho o porquê.

Normalmente, os fãs não sentam para assistir a um episódio de Jornada (ou de drama televisivo em geral) ansiando por um “mistério da semana”. Digo isto por que, normalmente, em tais “mistérios da semana”, o episódio perde um bocado de tempo, estabelecendo o mistério, soltando pistas e reviravoltas e revelando a charada ao seu final. Na maioria das vezes, isso é feito às custas do desenvolvimento dos personagens, JUSTAMENTE a principal razão para assistir à Jornada.

Outro problema é que tais episódios normalmente envolvem um alto grau de paranoia, algo que eu tendo a achar mais engraçado do que interessante. O episódio em questão é um mistério e um festival de paranoia, mas transcende os estereótipos e as limitações do formato com uma extrema simplicidade e sinceridade, aliada a uma infinitamente perfeita execução.

(Apesar dos elogios, eu não gostaria de ver similares a este episódio uma vez por semana. Uma vez por temporada está bom pra mim, mas com qualidade.)

O ponto de partida para a qualidade do episódio é que sua premissa, “O O’Brien replicante”, é bastante simples e enxuta, com regras bem definidas, que não vão “sofrendo uma metamorfose” ao longo do episódio. Isso garante a credibilidade do roteiro. Outro grande acerto do episódio foi fazer o O’Brien (replicante) exatamente igual ao real, física e mentalmente, com exatamente a mesma caracterização, o que o faz, DE FATO, O’Brien no curso do episódio.

O episódio tem sucesso porque, a partir da sua premissa, os personagens respondem estritamente (sem exageros ou manipulações) dentro de suas caracterizações: O’Brien tentando descobrir o que ou quem são “eles” e o que “eles” querem e o restante do pessoal da estação tentando ganhar tempo e impedir que o replicante fizesse qualquer coisa de errado. Ao final, o episódio é extremamente tocante porque, em um certo sentido, Miles Edward O’Brien morreu naquelas cavernas de Parada II.

(A posição mais difícil foi a de Keiko, interagir com uma réplica exata do seu marido — que ela não tinha certeza se iria voltar a ver–, que, a qualquer momento, poderia “despertar” e quebrar o seu pescoço. Deve ter sido uma experiência terrível. Levando em conta os acontecimentos de “Armageddon Game” então, absolutamente insuportável. Eu gostaria de saber que explicação que ela deu para a Molly sobre o replicante)

A narrativa (com voiceover) de O’Brien (o replicante) serviu maravilhosamente ao episódio, não somente para manter a atenção do espectador, mas também para tornar virtualmente impossível à audiência descobrir realmente o que estava acontecendo.

É claro que pistas foram deixadas no sentido de que havia “alguma coisa errada” com O’Brien e não com os outros (como, quando durante o seu exame médico, O’Brien perguntar a Bashir se ele não está doente, justificando com isso as reações estranhas dos outros), mas entrar de fato nos detalhes dessa “alguma coisa errada” foi deixado como um trabalho difícil para os espectadores.

Vendo o episódio uma segunda vez (entre outros pontos), a “conversão” de Jake fica entendida como simplesmente Ben explicando o que estava acontecendo a ele, assim como o aparente lapso de memória de Bashir, que serviu para testar (de modo informal) a memória do replicante.

Acho que a cena do “cozido envenenado” é até bastante inocente. Ela fez a comida preferida do “marido” para agradá-lo (e testar novamente a memória do replicante) e não comeu algo de que não gostava. A agonia de Keiko com a situação e a crescente paranoia do replicante é que deram ares sinistros ao coitado do cozido.

A fuga de O’Brien (digo, do replicante) foi fantástica. De fato, ninguém conhece o funcionamento da estação como ele. Quando levantou os campos de força, ele impediu que ele fosse transportado ou posto para dormir com gás (os campos de força isolam as seções incluindo as paredes, o teto e o chão), os campos de força em toda parte impediram o funcionamento normal da estação e Sisko teve que baixá-los todos. A fuga do replicante (a se julgar pela fala da almirante Rollman) já era uma contingência considerada e Sisko já estava esperando o aviso do resgate do real O’Brien.

(Tão conveniente termos, quase ao mesmo tempo, a fuga do replicante e a liberação do verdadeiro O’Brien, não é mesmo? Aí me dizem: “Pô, eles tinham que acabar o episódio, né?”, ao que respondo: “Eu sei, eu sei”.)

A direção de Les Landau é primorosa, apostando nos pequenos detalhes e nas pequenas diferenças para causar apreensão em O’Brien (replicante) e na audiência no processo. A cena em que O’Brien chega à conclusão de que Keiko está tentando envenená-lo é incrivelmente bem dirigida (e atuada), uma das mais incríveis cenas de toda a série. A música de Dennis McCarthy também foi bem boa, especialmente na fuga do replicante.

Colm Meaney, que tem que LITERALMENTE carregar o episódio nas costas e aparecer em todas as cenas (para manter o mistério do episódio), foi fenomenal, emprestando ao O’Brien replicante características de antecipação, improvisação e, finalmente, de heroísmo. É por isso que ele é um dos melhores atores da história de Jornada. O resto do elenco regular ofereceu a excelente performance que podemos esperar dele.

Chao esteve ótima, bastante realista frente à situação. Os demais convidados fizeram o pedido e nada mais.

Em sua busca pela verdade, o replicante varreu virtualmente todos os clichês sci-fi da história para explicar: “O que diabos está errado com eles?” Ele fez tudo que deveria fazer e mais um pouco, mas foi meio engraçado.

Um toque de nostalgia: mais alguém se lembrou do episódio “Conspiracy“, da primeira temporada da Nova Geração, após O’Brien falar com a almirante Rollman pelo subespaço?

Bons toques de continuidade com relação ao episódio “Rivals” no diálogo entre Quark e o replicante O’Brien e também entre Bashir e o chefe, dando a entender que os acontecimentos de “Armageddon Game” levaram a relação dos dois a outro nível (era o replicante, não o real, mas vocês entenderam, não é?).

Em um dos diários que O’Brien ouviu, é falado, de passagem, algo sobre um certo tratado entre a Federação e Cardassia. Tal tratado será explorado no episódio duplo “The Maquis“, mais tarde nesta temporada.

A “cena da tosse do replicante O’Brien” foi antológica!

O excesso de falas na cena final (escritas obviamente para explicar o acontecido para a audiência) pegou um pouco mal, eu preferiria algo com mais imagens, símbolos e pausas.

Whispers” é um maravilhoso episódio, que deixa uma sensação parecida com a de muitos episódios de The Twilight Zone ao seu final. Não exatamente uma má companhia.

Avaliação

Citações

“I believe you’ve poked into every orifice in my body, and created a few new one”
(Acho que você já fuçou em cada orifício do meu corpo, e até criou uns novos.)
O’Brien

“How’s the sex life?”
“I don’t have a sense of humor..”
(Como vai a vida sexual?)
(Eu não tenho senso de humor.)
Bashir e O’Brien

Trivia

  • Este episódio exemplifica uma (quase que) tradição anual de Deep Space Nine: episódios em que o chefe O’Brien come o pão que o diabo amassou. Esses episódios são usualmente chamados de “Let’s Torture O’Brien” (“Vamos torturar o O’Brien”) ou “O’Brien Must Suffer” (“O’Brien tem que sofrer”). A tradição realmente se iniciou no episódio passado, “Armageddon Game”, e começa a se tornar particular à série aqui, em “Whispers“. Outro exemplo, nesta mesma segunda temporada, é o episódio “Tribunal“, em que O’Brien é preso e torturado pelos cardassianos. Outros exemplos ao longo da série: “Visionary“, da terceira temporada, em que O’Brien morre e é substituído por uma versão alternativa sua de um futuro quase que imediato; “Hard Time“, da quarta temporada, em que O’Brien é condenado a vivenciar (em sua mente) décadas de encarceramento em uma prisão alienígena; “The Assignment“, da quinta temporada, em que um pagh-wraith possui o corpo de Keiko; “Empok Nor”, da quinta temporada, em que O’Brien (preso na abandonada estação Empok Nor, gêmea de Terok Nor, a nossa DS9) tem que parar um enlouquecido e assassino Garak; “Honor Among Thieves“, da sexta temporada, em que O’Brien se infiltra no sindicato órion; e “Time’s Orphan“, da sexta temporada, em que sua filha Molly sofre um acidente temporal e se torna uma jovem adulta.
  • O produtor-executivo Ira Steven Behr ficou muito satisfeito com o resultado final do episódio: “Existe algo sobre o modo como foi filmado e sobre o ponto de vista que torna este um episódio realmente especial e, obviamente, Colm Meaney é um dos nossos melhores atores.”
  • Em uma cena cortada do roteiro, O’Brien cantava “The Minstrel Boy“, aquela mesma que ele cantou em dueto com o capitão Maxwell em “The Wounded“, episódio clássico da quarta temporada da Nova Geração.
  • Embora a história e o roteiro deste episódio sejam creditados a Paul Robert Coyle, uma antiga nota de imprensa da Paramount apontava o roteiro como um trabalho conjunto de Coyle e Michael Piller.
  • Devido à necessidade de se manter o mistério, O’Brien teria que estar em cada cena. Isto acabou levando o roteiro original de Coyle a ficar meio curto (49 páginas, quando o tamanho normal é de 60 páginas). Por isso, foi introduzida a narrativa em flashback, com o episódio já se iniciando com O’Brien fugindo no explorador.

Ficha Técnica

Escrito por Paul Robert Coyle
Dirigido por Les Landau

Exibido em 07 de fevereiro de 1994

Título em português: “Sussurros”. 

Elenco

Avery Brooks como Benjamin Lafayette Sisko
René Auberjonois como Odo
Nana Visitor como Kira Nerys
Colm Meaney como Miles Edward O’Brien
Siddig El Fadil como Julian Subatoi Bashir
Armin Shimerman como Quark
Terry Farrell como Jadzia Dax
Cirroc Lofton como Jake Sisko

Elenco convidado

Rosalind Chao como Keiko O’Brien
Todd Waring como DeCurtis
Susan Bay como almirante Rollman
Philip LeStrange como Coutu
Hana Hatae como Molly O’Brien
Majel Barrett como a voz do computador

Balde do Odo

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Edição de Muryllo Von Grol
Revisão de Nívea Doria

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