TNG 6×15: Tapestry

Q acompanha Picard em uma jornada que fala muito sobre cada um de nós

Sinopse

Data estelar: desconhecida

Gravemente ferido em um ataque lenariano, a mente de Picard vai parar no que parece ser um limbo claro e vazio, enquanto Beverly luta para salvar sua vida. Lá, ele encontra Q, que informa o capitão de que ele está morto e de que essa é a vida após a morte – e que Q é Deus. Picard se recusa a acreditar, mas Q está determinado a provar o contrário. Ele mostra a Picard o que o matou: seu coração artificial, que falhou. O capitão imediatamente sente um arrependimento por seu passado impetuoso, em que entrou numa briga e perdeu seu coração natural. Ele admite que, dada a oportunidade de viver tudo de novo, ele faria as coisas de modo diferente.

Q aproveita a deixa para dar uma nova chance a Picard. O capitão subitamente volta a ser um jovem alferes em 2327 e Q dá a ele a oportunidade de reviver seu passado e evitar a briga que fez com que ele perdesse seu coração. Se ele for bem-sucedido, voltará ao presente com seu coração real intacto, e a história da galáxia permanecerá a mesma. Se não, ele morrerá naquele presente e passará a eternidade com Q.

Inicialmente, Picard foi esfaqueado quando adulterou uma mesa de jogo para ajudar seu amigo da Frota Estelar Corey a se vingar de um nausicaano que trapaceou no mesmo jogo um dia antes. Como ele quer evitar esse conflito, Picard tenta convencer Corey a não enfrentar o nausicaano. Corey joga do mesmo jeito, o nausicaano trapaceia e vence, e Corey naturalmente pede a Picard que o ajude a se vingar. Mas Jean-Luc se recusa, apoiado pela amiga Marta Batenides, provocando revolta em Corey.

Picard também muda seu comportamento com relação a Marta. Antes só amigos, agora ele passa a noite com ela. Pela manhã, ela teme que tenham arruinado sua amizade. Quando Picard, Marta e Corey se encontram naquela noite, a tensão entre os três está no máximo. Então as coisas pioram quando três nausicaanos aparecem e provocam o grupo, na esperança de iniciar uma briga. Picard vê os nausicaanos se preparando para sacar suas armas e rapidamente derruba Corey no chão para evitar que a briga ocorra. Mas, como Corey e Marta não entendem as ações de Picard, eles as percebem como traição e se afastam desgostosos, dizendo a Jean-Luc que não são mais amigos. Q parabeniza Picard por ter mudado seu destino, e o capitão é devolvido ao presente. Entretanto, ele retorna à Enterprise como um tenente júnior.

Segundo Q, tudo continua como deveria ser – as mudanças no presente de Picard refletem as mudanças que ele fez na juventude. Mas Picard é incapaz de trabalhar como um oficial de astrofísica de baixa patente. Desorientado pela falta de respeito que ele precisa enfrentar nas mãos de seus ex-subordinados, ele fala com Troi e Riker sobre suas chances de avanço, e fica chocado ao ouvir que, embora seja um oficial bom e confiável, ele não se destaca. Desesperado, Picard chama Q e implora para que possa restaurar tudo ao que era antes e morrer, em vez de viver como um homem sem importância. Q concorda e permite que a briga de 2327 ocorra. Entretanto, no momento em que Picard é esfaqueado no coração, ele acorda na enfermaria, cercado por Beverly, Worf e Riker. Apesar do trauma, Picard sente gratidão por Q, que deu a ele uma chance de entender por que ele é a pessoa que é hoje.

Comentários

“Tapestry” não é só um roteiro extremamente inspirado; é uma lição de vida. Ao mesmo tempo contando uma etérea história de ficção científica e um corriqueiro drama humano sobre arrependimento, mudança e lições aprendidas, o episódio transmite uma mensagem que é aplicável a todos nós, independentemente do que fazemos ou em que época vivemos. Picard pode estar no século 24, mas é tão humano quanto qualquer um na audiência, e sofre as mesmas angústias que qualquer um.

Arrepender-se de coisas que se fez no passado é algo que todos os humanos compartilham. “Tapestry” nos ensina, de forma muito mais contundente e inteligente do que o faz o filme Jornada nas Estrelas V: A Última Fronteira (que chega a tocar no tema, mas tropeça no enredo perdido demais para se concentrar no que realmente importa), que nossos erros do passado constroem nossos acertos do futuro.

Picard se esqueceu de que a pessoa consciente e responsável que ele é no presente só veio a existir porque ele foi audaz e inconsequente no passado – foram os erros que o ensinaram a ser audacioso, mas cuidadoso. Quando ele tenta converter seu passado em sua concepção de ideal do presente, vê-se em uma vida absolutamente medíocre, não passando de um tenente júnior especializado em astrofísica. Como ele mesmo coloca, ao puxar um fio solto de sua vida, toda a tapeçaria se desmanchou diante de seus olhos.

É uma mensagem e tanto, e uma que não agride o telespectador com discursos grandiloquentes que martelam a mensagem até cansar – como às vezes acontece em Star Trek. O trabalho é contundente, mas não óbvio. Ninguém realmente espera o que está por vir – todos são enganados, junto com Picard, acreditando que o melhor seria realmente evitar o esfaqueamento que levaria o então alferes a usar um coração artificial. A conclusão da mudança naquele evento é, por consequência, tão arrebatadora para Picard quanto para o resto da audiência.

O uso de Q nesse episódio é provavelmente o melhor em toda a série. O personagem sempre mostra o seu melhor quando se torna um vilão ambíguo que na verdade quer transmitir uma lição à humanidade ou a seu “amigo” Jean-Luc. Foi assim em “Q Who” (da segunda temporada) e é agora em “Tapestry”. Essa faceta de Q certamente o faz muito mais interessante do que a caracterização de “malvadão onipotente” que marcou “Encounter at Farpoint”, “Hide and Q” e “True Q”, por exemplo.

Esse episódio inspirou muitos fãs ao longo dos anos a defender uma versão de Star Trek ambientada na Academia da Frota Estelar. O que talvez seja uma conclusão precipitada. O episódio só funcionou porque tínhamos um Picard velho tendo que atuar no lugar de seu contraparte novo. Fossem todos realmente os alferes daquela época, o enredo não passaria de um Barrados no Baile espacial, com aventuras e desventuras de jovens que brigam com nausicaanos e paqueram mil garotas. Em resumo, seria intragável.

Somente a adição de um componente extra (a maturidade de Picard) foi capaz de colocar as coisas fora dos eixos e tornar o episódio dramaticamente interessante (além, é claro, de tudo se passar em um ambiente post-mortem e de todas as consequências para o futuro do capitão).

Patrick Stewart tem uma atuação excepcional como Picard, e John de Lancie também é mágico como Q. Os dois juntos têm uma química que é difícil de quebrar. E, numa situação dessas, tudo funciona maravilhosamente. Não há o que criticar. O episódio é todo só dos dois, mas é tudo de que realmente precisamos.

A execução é perfeita, bem como os valores de produção. Além da qualidade extraordinária da maquiagem dos nausicaanos (que depois seriam “amaciados” em Enterprise), a cena do esfaqueamento de Picard é espetacular. Quando da primeira vez vemos que o capitão gargalha ao ser esfaqueado, ficamos de sobreaviso quanto ao possível desfecho da situação. E ele vem, quando Picard tem uma segunda chance e restabelece sua briga com os nausicaanos, restaurando o futuro que ele conhece. O conceito e a execução lembram muito o clássico do cinema A Última Tentação de Cristo, só adicionando à qualidade do episódio.

“Tapestry” é para ser visto e revisto – certamente disputa o prêmio de melhor episódio de A Nova Geração. É um drama humano com o qual qualquer um pode se identificar, em um contexto totalmente além da capacidade dos programas que não envolvem ficção científica. Para parafrasear outro grande episódio da série, “Tapestry” agrega “o melhor dos dois mundos”. Espetáculo.

Avaliação

Citações

“Welcome to the afterlife, Jean-Luc. You’re dead!”
(Bem-vindo à vida após a morte, Jean-Luc. Você está morto!)
Q

“No. I am not dead. Because I refuse to believe that the afterlife is run by you. The universe is not so badly designed.”
(Não, eu não estou morto. Porque me recuso a acreditar que a vida após a morte seja controlada por você. O universo não é tão mal projetado.)
Jean-Luc Picard

Trivia

  • A concepção original deste episódio tinha um escopo muito maior. Intitulado “A Q Carol”, envolvia Q levando Picard por vários “erros” na vida do capitão, ao estilo de Ebenezer Scrooge em Um Conto de Natal (A Christmas Carol), de Charles Dickens. Além do esfaqueamento, Picard iria reviver um evento da infância na França e um evento na USS Stargazer, possivelmente retratando a morte de Jack Crusher. Entretanto, Michael Piller não estava inteiramente satisfeito com a premissa. Ronald D. Moore explicou: “Ele achou que era sem sentido. Aqui estão algumas cenas da sua vida basicamente. Não tinha a ressonância certa e então voltamos e tentamos focar em um incidente para torná-lo mais significativo.”
  • Moore optou pelo incidente do esfaqueamento porque ele sempre o intrigou. “Era uma historinha interessante sobre ele. Aquela história, para mim, falava muito sobre o personagem de Picard – que ele era um cara diferente naquela época. Então ele mudou. Por que ele mudou? Qual seria a diferença no jovem mulherengo, beberrão e briguento Jean-Luc Picard e o cara que conhecemos hoje?”
  • Nem todos os elementos da história vieram dessa trama inspirada em Dickens. A coisa da “experiência de quase morte” surgiu e ninguém na equipe de roteiristas lembrava de onde. Somente depois que o episódio foi ao ar que os produtores receberam uma carta de James Mooring, que havia sugerido a ideia originalmente. Jeri Taylor lembrou o caso: “Eu falei com ele, Ron falou com ele, e nós o pagamos. Ele ficou muito feliz. Tudo que ele queria era reconhecimento disso, e nós pedimos profundas desculpas. Espero que tenha restaurado a fé dele na nossa integridade, porque nunca faríamos algo assim intencionalmente.”
  • A cena da “manhã seguinte” entre Marta e Picard era originalmente bem mais longa, mas acabou fortemente editada. O corte agradou J.C. Brandy, atriz que viveu Marta, porque achava o diálogo redundante e que jogava contra sua personagem.
  • Moore disse que, em determinado ponto do desenvolvimento, o capitão da Enterprise no futuro alternativo de Picard teria sido Edward Jellico, de “Chain of Command”.
  • A Instalação de Recreação Bonestell da Base Estelar Earhart foi batizada em homenagem ao artista Chesley Bonestell.
  • A retratação da “vida após a morte” criou alguns problemas técnicos, porque John de Lancie vestia um traje branco, com um fundo branco, e o diretor de fotografia Jonathan West temia que Q aparecesse apenas como uma cabeça flutuante. Os atores estavam cientes das dificuldades, o que teria induzido John de Lancie a uma atuação mais contida – o que acabou jogando a favor do tom do episódio.
  • O cenário de fundo da janela dos aposentos de Marta era uma pintura feita originalmente para o filme Fuga no Século 23 (Logan’s Run), de 1976.
  • LeVar Burton (Geordi La Forge) não aparece em tela, mas tem uma fala pelo comunicador. Originalmente, o roteiro continha uma cena entre La Forge e o “tenente Picard” na engenharia, em que Jean-Luc era tratado algo como Reginald Barclay.
  • Picard conta a Wesley Crusher a história do esfaqueamento em “Samaritan Snare”, da segunda temporada, que então já incluía o lance da risada. “Tapestry” dá uma nova camada à história, em que a risada ganha significado: Jean-Luc agora sabe que sua vida irá transcorrer como deveria.
  • Esta é a primeira aparição dos nausicaanos em tela.
  • Este episódio foi ao ar uma semana depois de “Q-Less”, de Deep Space Nine, em que Q diz que talvez devesse fazer uma visita a Picard.
  • Em uma das cenas na Instalação de Recreação Bonestell, vemos um selay e um antican no mesmo ambiente. As duas espécies foram apresentadas como inimigas mortais em “Lonely Among Us”, da primeira temporada. No roteiro para a cena, Moore alertou a produção para o cuidado de não usar ferengis, já que eles ainda não haviam sido descobertos pela Federação naquela época, mas nada disse sobre selays ou anticans…
  • O pai de Picard, Maurice, aparece brevemente como um idoso aqui. O personagem e sua relação com Jean-Luc seriam desenvolvidos de forma mais profunda na segunda temporada de Picard.
  • Picard jovem é visto com cabelo ao ser esfaqueado, mas em uma foto vista em Jornada nas Estrelas: Nêmesis que supostamente mostra o cadete Picard ele aparece careca.
  • John de Lancie adorou o episódio, e muitos críticos o colocaram entre os melhores de A Nova Geração. Mas quem não gostou muito foi Michael Piller. “Eu não era muito fã desse episódio. Achei que tinha uma premissa maravilhosa, amei a proposta de Picard morrendo e tendo a experiência da luz branca e estendendo a mão e é Q. É o seu pior pesadelo virando realidade. (…) Senti que era um daqueles episódios de tipo natalino em que a direção e a atuação são meio monótonas. Algumas das cenas pareceram muito falantes para mim. Ele não teve o poder e o impacto em mim que parece ter tido em outras pessoas. Fico feliz de que tenha sido uma experiência significativa para muita gente e os tenha feito pensar em sua própria vida porque é isso que Star Trek tenta fazer. Deve-se aceitar a si mesmo em vez de desejar ter feito outra coisa.”
  • Ronald D. Moore ficou bem satisfeito com o resultado e elogiou Piller na função de showrunner. “Eu amei ‘Tapestry’ e enquanto Michael e eu tivemos vários debates sobre ele, ele era o produtor executivo e poderia simplesmente ter me forçado a fazer diferente. Para o crédito dele, Michael me deixou fazer o episódio do jeito que eu queria. Ainda acho que é uma das melhores coisas que escrevi e um dos melhores episódios de A Nova Geração.”
  • Nem todos os fãs curtiram o episódio quando ele foi ao ar. Muitos escreveram cartas furiosas dizendo que o segmento glorificava a violência, e que isso era contrário a Star Trek.
  • Este é um dos cinco episódios de A Nova Geração que não tem uma data estelar. Os demais são “Symbiosis”, “First Contact”, “Liaisons” e “Sub Rosa”.

Ficha Técnica

Escrito por Ronald D. Moore
Dirigido por Les Landau

Exibido em 15 de fevereiro de 1993

Título em português: “Trama”

Elenco

Patrick Stewart como Jean-Luc Picard
Jonathan Frakes como William Thomas Riker
Brent Spiner como Data
LeVar Burton como Geordi La Forge
Michael Dorn como Worf
Marina Sirtis como Deanna Troi
Gates McFadden como Beverly Crusher

Elenco convidado

Ned Vaughn como Cortan “Corey” Zweller
J.C. Brandy como Marta Batanides
Clint Carmichael como nausicaano
Rae Norman como Penny Muroc
John de Lancie como Q
Clive Church como Maurice Picard
Marcus Nash como jovem Picard
Majel Barrett como voz do computador

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Edição de Maria Lucia Rácz
Revisão de Susana Alexandria

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