A música de À Procura de Spock

James Horner volta para terminar seu trabalho iniciado no filme anterior e traz com ele muito Alexander Courage e lembranças de um famoso compositor russo.

Continuação direta de Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan, À Procura de Spock seguiu com o compositor James Horner por trás da execução de sua trilha sonora. E buscando manter a integridade harmônica com o novo filme que retomava a história do ponto em que ela parou no anterior, Horner compôs algo bem parecido com a trilha que criou para A Ira de Khan, mas ainda assim conseguiu introduzir boas novidades.

O músico, que começou trabalhando nos chamados filmes B de Roger Corman, foi contratado na época para o segundo filme de Star Trek nas telonas por ser um jovem promissor e barato, exatamente como o então diretor Nicholas Meyer. Algum tempo depois, quando À Procura de Spock começou a ser produzido, em 1983, o novo diretor Leonard Nimoy sabia que poderia contar com Horner, trazido a bordo novamente pelo produtor executivo Harve Bennett.

Morto num acidente aéreo aos 61 anos em 2015, James Horner já tinha uma certa experiência em sua segunda participação em Jornada nas Estrelas, mesmo ainda com apenas 30 anos de idade. Depois de A Ira de Khan trabalhou em 12 longas-metragens, sendo 48 Horas (1982), Krull (1983) e Projeto Brainstorm (1983) os mais conhecidos.

Para Jornada nas Estrelas III, começou seu trabalho com uma ode melancólica que tocaria ao fundo da recapitulação do episódio anterior, com o sacrifício de Spock, para depois emendar o tema principal semelhante ao de Jornada nas Estrelas II, porém com uma pegada fúnebre em seu início. Em seguida, uma das novidades foi a introdução de músicas que tocam no misticismo vulcano, algo recorrente no longa-metragem. Mas tudo isso empalideceria ao chegar no tema klingon de Horner.

Com a presença de muitos metais, a melodia é uma espécie de releitura mais selvagem da música que Jerry Goldsmith criou para essa belicosa raça alienígena em O Filme, de 1979. A apresentação da novíssima ave-de-rapina klingon, e de seu cruel comandante Kruge, interpretado por Christopher Lloyd, não poderia ser mais impactante. Ouve-se a trompa fazendo uma espécie de uivo, algo que James Horner já havia usado em suas músicas para o filme de terror Lobos (Wolfen, de 1981, dirigido por Michael Wadleigh), e depois retornaria a fazê-lo, com algumas variações, em Aliens (1986) e outras oportunidades.

Em todo o álbum há trechos do tema clássico de Jornada escrito por Alexander Courage nos anos 1960, principalmente em sequências que envolvem naves da Frota Estelar. É assim nas aparições da Enterprise e com a presença da USS Grissom, comandada pelo inseguro capitão J.T. Esteban (interpretado por Phillip Richard Allen). Mas é naquela que pode ser eleita como uma das melhores faixas musicais de todos os filmes de Star Trek em que a lembrança de Courage fica bem destacada. E ele vem bem acompanhado.

Stealing the Enterprise é o nome da música que toca enquanto Kirk e sua tripulação roubam a Enterprise de dentro da doca espacial e conseguem se livrar da moderníssima Excelsior, seguindo para o proibido planeta Gênesis. Em trechos dela, Horner invocou notas do balé Romeu e Julieta, de autoria de um dos mais celebrados compositores russos do século 20, Sergei Prokofiev. 

Sequência do roubo da Enterprise traz uma obra bem inspirada por parte do compositor.

Além disso, está de volta nesta faixa o instrumento chamado de blaster beam, tão usado por Goldsmith em O Filme para cenas em que a grandiosidade de V’ger precisaria ficar evidente. Mais uma vez, Craig Huxley, que foi ator mirim na Série Clássica nos episódios “Operation: Annihilate!” e “And the Children Shall Lead” operou a peça, que inclusive foi criada por ele.

Em Stealing the Enterprise, James Horner trouxe uma variedade de situações musicais para uma longa sequência que começa com o soco que Sulu (George Takei) dá num segurança da Frota Estelar, quando McCoy (DeForest Kelley) é resgatado de uma espécie de cela em que estava sendo mantido, após supostamente perder sua sanidade mental. Por quase nove minutos, praticamente tempo infinito para os compositores de trilhas sonoras, o telespectador (ou o ouvinte do álbum) é brindado com uma série de temas perfeitamente costurados entre si por Horner. 

A longa sequência termina com a Enterprise em dobra máxima rumo a Gênesis, com a promessa de Kirk (William Shatner) de indicar seus oficiais para serem promovidos pelo bom trabalho, seja para qual frota eles forem parar depois de tanta desobediência por parte do almirante. Os acordes de Prokofiev para Romeu e Julieta voltam a ser ouvidos quando a destruída Enterprise queima na atmosfera do planeta.

Finalizando o filme, a sequência com a sacerdotisa vulcana realizando a cerimônia do fal-tor-pan, ou a “refundição” de mentes entre o revivido Spock (Nimoy) e McCoy, que carregava seu katra, conta com um autoplágio de James Horner, que usa trechos de uma música composta por ele para o clímax de Projeto Brainstorm, antes de os créditos subirem ao som do mesmo tema de A Ira de Khan. 

O álbum com a trilha sonora foi lançado nas lojas em LP e fitas cassete pela Capitol Records em 1984, e em CD em 1990 pela GNP Crescendo Records. O disco trazia cerca de 37 minutos com nove faixas, sendo uma delas um bônus. Tratava-se de uma música estilo discoteca chamada “The Search for Spock”, do Group 87. Feita especialmente para o álbum, não tocou no filme de cinema.

Anos depois, em 2010, a Film Score Monthly, em parceria com a Retrograde Records, colocou no mercado um CD duplo com a trilha sonora estendida de Jornada nas Estrelas III: À Procura de Spock. Desta vez o álbum contava com 116 minutos de músicas. 

O primeiro CD vinha com 16 faixas (69 minutos), e entre as inéditas um (interminável) medley de blues chamado “That Old Black Magic/Tangerine/I Remember You” de 10 minutos de duração, com a totalidade das músicas compostas para tocarem ao fundo da cena de McCoy num bar tentando alugar uma nave para ir ao planeta Gênesis. Já o segundo disco apresentava o mesmo álbum lançado em 1984, remasterizado. Além disso, o conjunto trazia um livreto de 22 páginas apresentando comentários a respeito de todas as faixas.

James Horner trabalhou em dois filmes de Jornada nas Estrelas.

Texto publicado originalmente no volume 19 da Coleção Trek Brasilis, de julho de 2021.