DS9 3×04: Equilibrium

Segmento se apoia em Jadzia e segredo trill, mas não produz impacto na série

Sinopse

Data estelar: Desconhecida

Em um amigável encontro da tripulação da estação nos aposentos de Sisko para um jantar preparado pelo próprio comandante, Jadzia toca uma melodia no teclado de Jake, que ela não reconhece e nem sabe como conseguiu tocar. Algum tempo depois, ela continua “assombrada” por tal melodia e começa a exibir estranhos padrões de comportamento agressivos, primeiro no jogo de xadrez com Ben e depois com Kira. Sendo em seguida vítima de uma alucinação, envolvendo a tal música e uma figura mascarada, Jadzia percebe que há algo errado com ela e vai consultar Bashir.

O bom doutor descobre que Jadzia está em um processo (redução dos níveis de isoboramina) que pode até levar à rejeição do seu simbionte Dax. Algo tão sério que leva Sisko, Bashir e Dax a bordo da Defiant para o mundo natal trill, a fim de consultarem a doutora Renhol, da Comissão de Simbiose. O tratamento da doutora parece estar indo bem até que (a bordo da Defiant) Dax experimenta uma nova alucinação, em que ela é perseguida por membros da Comissão de Simbiose, usando uniformes de quase cem anos antes.

Nosso trio segue para as cavernas de Mak’ala, tentando desvendar o mistério, onde encontram Timor, um guardião (tipo de trill não unido que devota a vida para cuidar dos simbiontes em tais cavernas, onde ficam as piscinas naturais onde eles vivem). Timor diz que as alucinações são fruto de memórias de algum hospedeiro (não necessariamente de Jadzia).

Finalmente, o computador da Defiant identifica o compositor da tal música que vem atormentando Dax — é um trill de nome Joran Belar, que a compôs 86 anos antes. Ao ver a foto do músico, Jadzia tem uma nova visão, agora do assassinato de um doutor trill pela mesma figura mascarada que se revela como o próprio Joran. Jadzia entra em choque neural.

A doutora Renhol está alarmada com os baixos níveis de isoboramina de Dax e avisa que, se a situação não melhorar em 48 horas, ela irá retirar o simbionte (matando Jadzia no processo). Bashir e Sisko continuam sua busca por informações relativas a Belar e cada vez fica mais claro que alguém andou apagando deliberadamente informações sobre o trill (ainda que eles consigam descobrir que Joran morreu no mesmo dia em que Torias Dax morreu e que o simbionte Dax foi colocado em Curzon).

Finalmente, eles encontram o registro de um irmão, um bastante idoso Yolad Belar, e conseguem contatá-lo. Yolad revela que seu irmão (que também fazia parte do programa de candidatos a simbiose) matou um doutor da Comissão de Simbiose e morreu tentando escapar (85 anos antes). Diz também que seu irmão lhe disse ter conseguido a união com um simbionte, no que ele não acreditou muito na época, seis meses antes de morrer.

Confrontando Renhol com tal informação, Sisko e Bashir a forçam a admitir a verdade. Anos antes, eles (da Comissão de Simbiose) erroneamente implantaram o simbionte Dax num hospedeiro inadequado com tendências violentas. Tudo que se sabe sobre os trills diz que, se tal coisa acontece, tanto o hospedeiro quanto o simbionte deveriam morrer muito rapidamente (especialmente um hospedeiro instável como Joran).

Entretanto, Joran viveu seis meses como Joran Dax. O que quer dizer que uma proporção muito maior de candidatos potenciais para simbiose existe dentre a população trill (não apenas um para mil, mas 500 para mil). Tal segredo precisava ser preservado, pois ele poderia transformar os simbiontes em commodities no mercado comercial. Então, as memórias de Joran foram bloqueadas no simbionte, e Dax foi unido a Curzon. Agora o bloqueio estava se deteriorando e Jadzia estava experimentando todo esse problema por causa disso.

Sisko ameaça revelar toda a verdade à população trill se Jadzia for sacrificada. A doutora recua e diz que a única maneira de tratar a situação é deixar que as memórias de Joran sejam desbloqueadas e se integrem naturalmente às demais memórias do simbionte (o que é arriscado, pois a personalidade de Joran pode tomar o controle). Jadzia decide arriscar-se e entra em uma das piscinas dos simbiontes e faz contato com um deles. O procedimento desfaz o bloqueio e permite que as memórias de Joran sejam reintegradas. De volta à estação, Jadzia tem muito que ponderar sobre o que aconteceu e como lidar com essas novas memórias e volta àquela melodia do início, no teclado.

Comentários

Um aparentemente previsível episódio de “personagem à beira da morte por razões desconhecidas” acaba por trazer à tona um trágico segredo guardado a sete chaves pela sociedade trill, que desvenda um lado sombrio até então desconhecido de Jadzia Dax (bem mais sombrio que o seu lado klingon, devo dizer). O episódio funciona em seus termos, porque a resolução da história reside única e exclusivamente na personagem. Saibam mais detalhes, sem ter a necessidade de entrar na piscina dos simbiontes no processo, nas linhas abaixo.

A Comissão tinha um bom plano: bloquear as memórias de Dax (mas não o matar, independentemente das consequências) e apagar os registros (mas não matar Yolad). O plano caiu junto com o bloqueio das memórias de Dax (com a pista inicial da música) e da posterior boa investigação de Sisko (que insistiu no registro das academias de música). As alucinações foram interessantes e funcionam bem para audiência, também em uma segunda assistida.

O que não funciona muito bem é descobrirmos que metade da população é capaz de se unir e que foi justo o incidente com Joran que trouxe isso à tona, o que parece excessivo e não faz muito sentido, a não ser que os cientistas trills sejam muito idiotas (o que não parece ser o caso). A investigação também tomou muito tempo do episódio, que poderia ter sido mais bem utilizado para tratar das reações de Dax a tudo isso (acabamos ficando com uma infeliz cena em off).

René Echevarria (o mestre da caracterização) fez um bom dever de casa para escrever o seu primeiro roteiro para a série. Os personagens se beneficiam em diversos momentos, tais como o tradicional jogo de xadrez entre Dax e Sisko, Dax dizendo para Kira tirar as mãos dela (à beira de um confronto que poderia com certeza levar à destruição do Replimat — uma referência indireta a “Blood Oath“?), uma outrora impensável “cena séria com Dax acabando por passar a noite nos aposentos de Bashir, com ele” (lembram-se de Bashir como um “cachorro no cio” atrás da trill no começo da série?), uma cena entre Bashir e Sisko falando sobre Dax (lembrados de um “absurdo e improvável triângulo amoroso” entre os três em “A Man Alone“?) e outros elementos citados corretamente e desenvolvidos da história de Dax.

Apesar de a imagem final de Dax na piscina ser simbolicamente atraente, a última cena teria que indicar que Dax iria continuar com a sua vida e lidar com a descoberta da existência de Joran Dax, o que é feito com ela tocando a mesma melodia do início, agora em seus aposentos.

Talvez a maior crítica ao segmento não deva ser dirigida a ele, mas à própria série. Tal revelação poderia servir de combustível para inúmeras histórias à frente, se fosse tratada de verdade pela produção da série, trazendo uma reviravolta para a personagem. Reviravolta similar àquela pela qual passou Bashir, após o episódio “Dr. Bashir, I Presume” (da quinta temporada). Mas este, definitivamente, não foi o caso.

Outro ponto é que, da mesma forma que o (ver “The Wire“) “Garak sem implante” não parece ser tão diferente assim do “Garak com implante”, a “Jadzia com as memórias de Joran” não parece ser tão diferente assim da “Jadzia sem as memórias de Joran”. Mais uma para a conta da série como um todo.

A caracterização de Timor é brilhante e abre toda sorte de especulação sobre a relação entre os guardiões e os simbiontes (e é interessante que seja lançada uma espécie de aura mística sobre tal relação, que dá um caráter “maior que a vida” aos simbiontes, condição que tem o seu payoff no final do episódio). Telepatia obviamente faz parte da equação aqui.

Renhol não foi de forma nenhuma a típica “vilã da semana” e Yolad trouxe a necessária e bem-vinda faceta mais humana de Joran. Tudo parece indicar que Joran só enlouqueceu devido ao erro da comissão em uni-lo ao simbionte Dax em primeiro lugar, e pode-se especular que matou o tal doutor após ele descobrir que eles iriam remover o simbionte, matando-o no processo (o que eles acabaram fazendo de qualquer jeito). Joran emerge de uma forma bem-comportada ao final do episódio (o predador que espreita?), o que não aconteceria nas suas duas posteriores “participações” na série.

A direção de Cliff Bole foi bastante segura e suave a maior parte do tempo. Algumas bobeadas do diretor: o final do teaser, que foi perdendo força até simplesmente se apagar; a ligação entre as cenas sucessivas de Dax & Sisko e Dax & Kira, que pareceu simples demais; e um corte mal feito na cena em que Dax volta às cavernas para contatar os outros simbiontes e libertar as memórias de Joran. Seus pontos altos foram todas as transições (de atmosfera e mesmo de “realidades”) desde o teaser, em que o ambiente festivo fica subitamente carregado com a angústia de Dax, passando pelo “vai e volta” das alucinações até a bela imagem de Jadzia “reencontrando” Belar no final.

A música (de Jay Chattaway) foi efetiva durante todo o episódio e a produção fez um bom trabalho com o sóbrio orçamento para as cenas das alucinações. Entretanto, a clara economia para produzir o episódio prejudicou flagrantemente a primeira visita ao planeta Trill, resumindo a sua superfície a uma pintura de um único prédio, e as cavernas Mak’ala a algo completamente simplório (só faltando um imenso cartaz ao fundo escrito: “Este é o ‘Planet Hell‘ arrumado para parecer a caverna dos simbiontes — favor não reparar muito!”). As tomadas da Defiant foram ok, mas isso não quer dizer muito.

Brooks foi extremamente jovial e carismático no começo e contido e forte no restante do episódio. Sentado na cadeira de comando da Defiant, conversando com Bashir, se observa uma presença excelente. El Fadil fez o que pôde, mas o material dado não foi nada de especial. Farrell teve que segurar a (normalmente) difícil barra para um ator de sofrer grandes mudanças de temperamento, ter alucinações e mesmo o inevitável colapso nervoso. A atriz se portou de forma adequada, particularmente ao final da primeira alucinação a bordo da Defiant, em que ela olha em volta tentando recuperar o seu senso de orientação (fazer o câmera circular em volta da atriz casou perfeitamente com a cena também). Os demais regulares honraram o pagamento da semana (e Meaney nem apareceu).

Jeff Magnus McBride enquanto ator foi um ótimo mágico. As cenas em que ele parece como Joran “ao natural” mostraram pouca expressão, mas o seu “número mascarado” foi muito interessante, dando um ar diferenciado ao episódio (o devaneio original de Piller frutificou nesse sentido). Banes mostrou que a sua personagem realmente acreditava no que estava fazendo e fugiu bravamente do perfil de “antagonista clichê” (e a sua diferente pronúncia para “Jadzia” foi muito bem-vinda, sem dúvida). Cascone e Vermon foram perfeitos em seus papéis.

O teaser do episódio ganha fácil na categoria do mais “fofinho” de todos os tempos. A química existente entre todos é flagrante e Brooks se mostra infinitamente à vontade como anfitrião. Auberjonois batendo o suflê é absurdamente hilário (mais do que tem qualquer direito de ser) e a “coisa das beterrabas” é uma das marcas registradas da série.

Faltaram Quark e O’Brien no teaser, o bartender ferengi ganhou uma (micro) cena residual mais à frente e o chefe não apareceu mesmo no episódio.

Algumas pitadas finais:

Aprendemos sobre a habilidade culinária de Sisko — vem de berço. Seu pai é um respeitado chef em Nova Orleans, dono de um restaurante chamado (obviamente) de “Sisko’s”.

Na primeira alucinação de Dax a bordo da Defiant, ficamos sem saber quem é o segundo tripulante que ela agride. Teria sido ele Sisko?

A doutora Renhol certamente não estava só especulando sobre os simbiontes se tornarem prêmios a serem comprados, roubados, comercializados etc. se o segredo viesse à tona. Basta que nos lembremos de Verad de “Invasive Procedures”, da temporada passada.

O fato de ser necessário outro simbionte para liberar as memórias de Dax parece indicar que um segundo simbionte foi necessário para fazer o bloqueio. Como os simbiontes se reproduzem? Como se desenvolvem? Eles formam algum tipo de comunidade? Um simbionte “virgem” é um simples receptáculo de memórias ou já traz alguma coisa para a primeira união? Se trouxer, traz o quê? (Entre tantas outras perguntas que não foram respondidas durante a série.)

“Equilibrium” é mais uma das “pequenas histórias de personagens de DS9“. Especificamente uma daquelas que sugere novos caminhos a serem trilhados, muito mais um setup para possíveis futuras histórias do que uma história em si. Um rico filão envolvendo a interessante dinâmica entre guardiões, simbiontes e os demais trills, bem como Jadzia tendo que lidar com fato de ter agora as memórias de um psicopata. Ainda que se lamente que tal filão nunca tenha sido aproveitado completamente ao longo da série até o seu final, fica a felicidade de que ele ao menos tenha sido apresentado aqui, um bom esforço dos envolvidos.

Avaliação

Citações

“If you want to know who you are, it’s important to know who you’ve been”
(Se você quer saber quem você é, é importante saber quem você foi.)
Jadzia Dax

“Can I ask what you’re doing?”
“Yes.”
(Posso perguntar o que está fazendo?)
(Sim.)
Bashir e Timor

Trivia

  • O roteiro do episódio (primeiro de René Echevarria para série) teve como ponto de partida um show de mágica assistido pelo então produtor-executivo Michael Piller. O show tinha a participação do mágico Jeff Magnus McBride, que acabaria aparecendo no episódio tanto como o próprio Joran Belar, como a sua “versão mascarada das alucinações de Jadzia Dax”. O personagem Joran Belar seria mais tarde interpretado por Avery Brooks em “Facets” (também da terceira temporada) e por Leigh J. McCloskey em “Field of Fire” (da sétima temporada).
  • Como a música era muito importante para o episódio, Jay Chattaway foi procurado com antecedência para compor um tema que Dax pudesse cantarolar no curso do episódio. Outro desafio para a produção foi em uma transição em que Jadzia deixa o Promenade e mergulha em uma de suas alucinações. Tal transição tinha que ser suave e ainda indicar claramente que tal mudança de cenário acabara de acontecer.

Ficha Técnica

História de Christopher Teague
Roteiro de René Echevarria
Dirigido por Cliff Bole

Exibido em 17 de outubro de 1994

Título em português: “Equilíbrio”

Elenco

Avery Brooks como Benjamin Lafayette Sisko
René Auberjonois como Odo
Nana Visitor como Kira Nerys
Colm Meaney como Miles Edward O’Brien
Siddig El Fadil como Julian Subatoi Bashir
Armin Shimerman como Quark
Terry Farrell como Jadzia Dax
Cirroc Lofton como Jake Sisko

Elenco convidado

Lisa Banes como dr. Renhol
Jeff Magnus McBride como Joran Belar
Nicholas Cascone como Timor
Harvey Vernon como Yolad Belar

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Edição de Muryllo Von Grol
Revisão de Nívea Doria

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