George Takei recebeu o comando da Excelsior e depois tentou, sem sucesso, se manter na cadeira central da ponte com uma campanha por sua própria série de televisão.
Demorou quase dez anos, mas em 1991 enfim o Sulu de George Takei ganhou o comando de uma nave estelar. Além disso, recebeu também um primeiro nome. Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida foi muito bom para o capitão Hikaru Sulu da USS Excelsior NCC-2000, como o próprio ator fez questão de ressaltar em 1996, quando esteve em São Paulo participando de uma convenção de Star Trek organizada pelo antigo fã-clube Frota Estelar Brasil.
“Sem Sulu, a trama não aconteceria. Ele está lá, no começo, quando a lua klingon explode, e informa a Federação. A Enterprise pede ajuda a ele para saber quando e onde será a conferência de paz. E, claro, no final, ele chega com a Excelsior para salvar Kirk”, afirmou Takei naquela época, no palco principal do Palácio das Convenções do Anhembi.
A história de uma ponte para Sulu comandar começou uma década antes, quando Takei iria assinar o acordo para a sua participação em Jornada nas Estrelas II: A Ira de Khan (1982). O ator fez jogo duro, queria mais relevância para seu personagem, ou não participaria da película. Foi seduzido com a promessa de uma cena dando a entender que Sulu seria promovido a capitão da USS Excelsior (a nave ainda não apareceria em tela).
Na sequência em que ele pilota a cápsula que leva o almirante Kirk e o doutor McCoy à Enterprise, foi gravado um diálogo em que o próprio Kirk diz “no fim do mês você terá seu próprio comando, a USS Excelsior”. Essa cena completa entrou na romantização do filme, escrita por Vonda N. McIntyre, e foi efetivamente filmada, pois existem áudios de cópias de trabalho que provam isso.
Ela foi deletada na edição final de A Ira de Khan. O ator acusa William Shatner, que teria feito de tudo para estragar a cena. Bill já disse que essa acusação não procede e que George Takei teria viajado na maionese ao afirmar isso.
Para A Terra Desconhecida não houve celeuma, pois o produtor executivo Leonard Nimoy aceitou a exigência de George ao assinar o contrato, demandando mais destaque para o seu papel. A capitania de Sulu agora era parte importante da história e já seria estabelecida logo de cara na primeira cena, com a USS Excelsior retornando para casa ao final de uma missão catalogando anomalias gasosas no Quadrante Beta, e sendo pega na onda de choque da explosão da lua klingon Praxis, acontecimento que começa a movimentar a trama.
“Sulu capitão foi uma progressão lógica. Há décadas ele sentava naquele mesmo console, na Enterprise. E supostamente ele é um cara muito, muito brilhante. Graduado na Academia da Frota como primeiro da classe… e sentado naquele console da ponte de comando fazendo as mesmas coisas há anos. Mesmo subindo de posto na hierarquia da nave, isso não refletia o que ele merecia por suas grandes capacidades que sempre demonstrou. E isso aconteceu agora, quando ele enfim ganhou a capitania de sua própria nave”, desabafou o ator, em entrevista para promoção de Jornada nas Estrelas VI, quando da estreia nos cinemas.
Além da presença do capitão Sulu, uma figura querida da Série Clássica retornava à franquia para servir com ele. Era Grace Lee Whitney, que interpretou a ordenança Janice Rand em oito episódios do seriado dos anos 1960 (e que havia aparecido brevemente já em dois outros longas da cinessérie de Star Trek), fazendo a agora tenente-comandante Rand na ponte da USS Excelsior.
O filme, que celebrava os 25 anos de Jornada nas Estrelas e seria o último com a tripulação original completa, foi um sucesso de crítica e também nas bilheterias. As cenas com o capitão Sulu figuraram entre as preferidas do público.
CAMPANHA EXCELSIOR
Desiludido com os rumos que estavam tomando as séries de Jornada para a televisão, sob a tutela de Rick Berman, o trekker Russ Haslage resolveu agir. Presidente da International Federation of Trekkers (IFT), um grupo norte-americano de fãs que contava com filiais (chamadas de “naves”) em diversos países do globo, inclusive no Brasil, resolveu que era hora de criar uma campanha de cartas e e-mails direcionados à Paramount pedindo por uma série “com mais cara de Gene Roddenberry”, e que fosse no século 23, período de tempo negligenciado por Berman, de acordo com ele.
E para que os executivos não saíssem da linha inventando qualquer coisa, a campanha já vinha com direcionamento: uma nova série apresentando as aventuras do capitão Hikaru Sulu, no comando da USS Excelsior. A nave estelar inclusive dava o nome à ação: era a Campanha Excelsior. Takei foi consultado e gostou do que ouviu, tornando-se o mais forte porta-voz do lobby para o seriado em que ele próprio seria o protagonista.
“O principal foco da campanha é a filosofia de Roddenberry. A razão pela qual escolhemos Excelsior e Sulu é porque eles estão de alguma forma desenvolvidos, dando-nos mais garantias de que será baseada na filosofia de Gene”, afirmou Haslage em 2000 numa entrevista exclusiva ao Trek Brasilis.
Durante alguns anos, a IFT organizou eventos para atrair a mídia e marcou presença em convenções de Jornada contando com ajuda de pesos-pesados como Bjo Trimble (organizadora da campanha de cartas de 1968 que levou a uma terceira temporada da série original), Susan Sackett (roteirista e assistente de longa data de Gene Roddenberry), Grace Lee Whitney (Janice Rand) e Nichelle Nichols (Uhura). No entanto, a Paramount nunca comprou a ideia, apesar de todos os esforços de Russ Haslage e companhia.
Takei disse que ficou perplexo com o estúdio deixar de lado o que poderia ter sido uma série extremamente popular. “A campanha começou com cartas, e depois com o envio de e-mails. Os fãs inundaram o estúdio com pedidos pela série ‘Excelsior’ e os executivos fingiram que não viram ou ouviram. Eles perderam uma grande oportunidade. Seria um enorme e monstruoso sucesso galáctico.”
FLASHBACK
Uma amostra do que poderia ter sido a série com as aventuras de Sulu aconteceu em 1996, ano em que Star Trek celebrava suas três décadas de existência. Como parte das festividades, os executivos da Paramount pediram para que Rick Berman, o chefão de Jornada naquela época, preparasse dois episódios especiais, um em Deep Space Nine e o outro em Voyager, que tivessem alguma ligação com a Série Clássica.
Brannon Braga, então produtor supervisor no seriado da capitão Janeway (Kate Mulgrew), tinha em mãos uma premissa para uma história em que o vulcano Tuvok (Tim Russ) estava com um problema mental relacionado a memórias passadas. “Quando pediram um episódio que se conectava com a série original, pensei em colocar Tuvok servindo numa nave antiga, a Excelsior comandada por Sulu, durante os eventos de Jornada nas Estrelas VI”, explicou Braga.
Mas antes que a produção de Voyager falasse com Takei, ele recebeu uma ligação de um fã, que era seu amigo. “Ele me disse que havia lido na internet que eu estaria em um futuro episódio de Voyager, mas eu não sabia nada a respeito. Liguei para meu agente, que me garantiu não haver esse convite”, revelou o ator, que na época estava no Canadá gravando sua participação numa série da Nickelodeon chamada Space Cases. “Pouco tempo depois meu agente me ligou e disse: sabe, a internet estava certa…”
Braga e a produtora executiva Jeri Taylor não iriam trazer apenas George Takei. Intitulado “Flashback”, o episódio se passaria a bordo da Excelsior no período de tempo mostrado em Jornada nas Estrelas VI. Grace Lee Whitney retornou para fazer Janice Rand, assim como os atores Jeremy Roberts (o oficial Valtane) e Boris Lee Krutonog (o piloto da nave, chamado Lojur), que haviam aparecido no longa de 1991. Como bônus, Michael Ansara foi chamado para reviver o klingon Kang, conhecido dos trekkers por “Day of the Dove”, da Série Clássica, e “Blood Oath”, de Deep Space Nine.
No roteiro havia uma cena em que Uhura conversaria com Sulu pela tela principal diretamente da Enterprise, mas a atriz Nichelle Nichols achou melhor não participar do episódio comemorativo, pois seu papel era pequeno demais e ela não se sentiria à vontade.
A ponte original da Excelsior, usada cinco anos antes, não estava mais disponível. Foi necessário construir outra, mas não totalmente completa. Telas de monitores foram emprestadas pelas produções dos dois seriados de Jornada em andamento naquela época, e os mesmos vídeos exibidos por eles no filme foram encontrados no depósito da Paramount. O casal Michael e Denise Okuda ficou responsável por inspecionar o cenário para se certificar de que fosse idêntico ao do filme de cinema.
David Livingston, diretor de “Flashback”, procurou posicionar as câmeras para fazer tomadas como as de A Terra Desconhecida, enquanto os atores recitavam os mesmos diálogos. Em determinado momento, a trama passa por uma reviravolta, e Sulu acaba interagindo com Janeway. “Eu já conhecia alguns deles, mas da série meu contato maior sempre foi com Garrett Wang [que fazia o alferes Harry Kim]. Foi maravilhoso trabalhar com Kate e Tim, eles são muito, muito profissionais”, celebrou Takei em entrevista para a revista Cinefantastique durante as filmagens de sua participação, que duraram três dias.
Cerca de duas semanas antes da vinda de George Takei ao Brasil para participar da convenção em São Paulo, “Flashback” foi ao ar pela UPN nos Estados Unidos em 11 de setembro de 1996, e se mostrou irregular. Além da trama esquisita, os trekkers mais atentos notaram algumas discrepâncias com os eventos mostrados em Jornada nas Estrelas VI.

Ator esteve no Brasil em 1996 (aqui no programa de Jô Soares no SBT) para participar de uma convenção em São Paulo. (Foto: Frota Estelar Brasil)
No filme, se passam dois meses desde a explosão em Praxis e a prisão de Kirk e McCoy, acusados pelo assassinato do chanceler klingon, enquanto no episódio Tuvok fala em dois dias. O personagem de Jeremy Roberts, Valtane, é mostrado vivo e bem ao final de A Terra Desconhecida, mas morre no meio da missão no segmento da televisão. Porém, como tudo se passa na mente de Tuvok, muitos racionalizaram que as inconsistências poderiam ser fruto das memórias fragmentadas do vulcano após 80 anos, período entre a explosão de Praxis (2293) e a terceira temporada de Voyager (2373).
Já Deep Space Nine se saiu melhor nas comemorações dos 30 anos de Star Trek, com o aclamado “Trials and Tribble-ations”, uma revisita cheia de efeitos visuais de ponta a “The Trouble with Tribbles” da série original, deixando o problemático “Flashback” um pouco ofuscado.
UM ADEUS DE HERÓI
Dentro do cânone de Jornada, Sulu como capitão não foi mais visto desde então. O personagem ainda apareceria em Lower Decks (como uma alucinação) e em Very Short Treks (como um holograma). Houve negociações para que Takei estivesse na cena inicial de Generations, longa de 1994 que trouxe a tripulação de A Nova Geração para os cinemas, mas nenhum acordo foi firmado. Um novo personagem, usado apenas neste filme, foi criado como sendo sua filha. Era a alferes Demora Sulu, interpretada por Jacqueline Kim.
Embora não tenha emplacado a série própria na televisão, o capitão Sulu ganhou uma trilogia de audiolivros entre 1994 e 1995, esteve em algumas revistas em quadrinhos e foi protagonista em dois romances da Pocket Books, The Captain’s Daughter (1995) e Forged in Fire (2007).
George Takei não tem muito o que reclamar. Encerrou sua participação na cronologia de Jornada nas Estrelas salvando a Enterprise e sendo decisivo na busca pela paz com os klingons. Quem mais tem isso no currículo?
Texto publicado originalmente no volume 26 da Coleção Trek Brasilis, de fevereiro de 2022. Se você se interessa por conteúdos como este, conheça e assine a Coleção Trek Brasilis em tbshop.org!
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