A corrida pela capitã de Voyager

Com a desistência de Geneviève Bujold já nas filmagens, os produtores tiveram de correr para achar a substituta: Kate Mulgrew.

Após o fiasco que foi a contratação de Geneviève Bujold para ser a protagonista de Voyager, os produtores Rick Berman, Michael Piller e Jeri Taylor tiveram de descascar um enorme abacaxi. Em que lugar encontrariam tão rapidamente uma nova atriz para interpretar a personagem sem cometer o mesmo erro da primeira vez?

No período inicial de audições para a escolha da nova capitã, até então chamada de Nicole Janeway, uma atriz em particular deixou boas impressões no trio de produtores. Seu nome era Kate Mulgrew, que tinha certa experiência com televisão e havia feito alguns trabalhos no cinema, sempre como coadjuvante. Como estava em Nova York na época em que a intérprete para Janeway estava sendo procurada, Kate enviou uma fita de vídeo com sua audição e, segundo Jeri Taylor, todos ficaram bem impressionados com sua interpretação, mas como estavam com os olhos voltados para a “atriz de primeiro time” Geneviève Bujold, Mulgrew não foi a escolhida, mesmo vindo depois para Los Angeles e refazendo a audição, desta vez ao vivo.

Com a desistência de Bujold, quatro atrizes foram chamadas às pressas para novas audições, entre elas Kate. Ao contrário de boatos que surgiram na época, nunca foi considerado dar a cadeira de capitão da USS Voyager para um homem ou promover Chakotay para o cargo. E Mulgrew saiu-se tão bem no teste que não houve dúvidas, ela seria a comandante da nave e protagonista da série, porém não se chamaria Nicole e sim Kathryn Janeway. No mesmo dia em que foi contratada, Mulgrew já estava tirando fotos para a revista TV Guide, com todo prazer, diga-se de passagem, algo que Geneviève faria apenas por obrigações contratuais. Enfim Berman, Piller e principalmente Jeri Taylor, a grande responsável pela malograda contratação de Bujold, puderam respirar aliviados. Haviam encontrado a atriz que personificaria a nova capitã exatamente como descrita na “bíblia” da série:

“Humana, Janeway não é de maneira alguma a primeira ou única capitã da Frota Estelar, mas é reconhecida por todos como uma das melhores. Ela personifica tudo o que um oficial exemplar da Frota pode ser: inteligente, perspicaz, preocupada com sua tripulação, com grande empatia junto aos outros, dura quando tem de ser e sem medo de tomar iniciativas. Tem o dom de sempre encontrar alternativas, mesmo quando os outros nunca as vêem.

“Filha de uma mãe matemática e de um pai astrofísico, Janeway sempre teve como destino uma carreira relacionada a ciência. Porém sua liderança natural sempre se manifestou rapidamente e ela foi subindo para postos que exigiam mais responsabilidades além de ser uma oficial de ciências. Graças a sua experiência anterior, é uma capitã com grande conhecimento de tecnologia e ciência, o que a faz uma comandante ainda mais completa.”

Para Kate Mulgrew sua última audição, que deu a ela o papel, não foi tão simples quanto pareceu. Kate conta que a experiência de ter mais de 20 pessoas (produtores-executivos, produtores, escritores, diretor e gente do estúdio) a encarando e sabendo que, se não fosse aprovada, sairia de lá em uma “lata de lixo”, segundo ela, e continuaria vivendo se lembrando da oportunidade que perdeu, não era nada animador. “A hora que passei lá foi horrenda, pois você não apenas admira e respeita as outras atrizes com quem está concorrendo, mas o valor da aposta é realmente alto. Quem ganhar leva simplesmente tudo e as outras três perdedoras terão de lidar com isso. Mas com Janeway eu senti que aquela era minha chance, aquele personagem foi feito para mim e mesmo que eu não fosse a escolhida teria a certeza de que os produtores teriam cometido um terrível engano, pois eu nasci para ser aquela capitã”, conta a atriz.

Foi graças ao ator John DeLancie, antigo amigo de Mulgrew, que ela teve o primeiro contato com Jornada nas Estrelas. Kate conta que DeLancie a fazia assistir a todos os episódios em que Q, seu onipotente personagem, aparecia. “Eu assistia aos episódios da Nova Geração e um de Deep Space Nine em que John participava, e ficava imaginando como eles conseguiam ter roteiros tão bons e atuações tão incríveis dos atores. O nível estava lá em cima. Agora que estou em Voyager posso dizer que todos se esmeram ao máximo para ter o melhor. O nível dos programas é alto, pois a cobrança tem o mesmo patamar, sem contar que a infra-estrutura é fantástica”, declara Kate, que teve a chance de trabalhar com John DeLancie em três episódios de Voyager.

Kate conta que encontrou-se uma vez com a ex-primeira-dama norte-americana Hillary Clinton, hoje senadora, e ela lhe disse que seu trabalho como primeira-dama era de extrema importância como um modelo a ser seguido, tanto que cada ato seu poderia servir de inspiração a muitas mulheres. Segundo Mulgrew seu papel como a capitã de Voyager segue quase a mesma linha, já que muitas garotas de 17, 18 anos de idade chegam a ela e contam que pretendem estudar em locais como o MIT (Massachusetts Institute of Technology), por exemplo, para alcançarem cargos importantes e mostrar a força das mulheres. Sobre a capitã, Kate diz que “ela é muito forte e está sempre em movimento. Os diretores quiseram me fixar na cadeira de capitã, mas eu disse ‘sem cadeira para mim’. Janeway nunca senta, ela se move muito, pois não consegue ficar parada, tem muita energia. Ela quer descer aos planetas com o grupo avançado, sempre quer estar em pé na frente da tela principal da ponte, sempre quer saber e se meter em tudo o que está acontecendo a seu redor.”

O fato é que esse “Kirk de saias” conseguiu várias coisas nos sete anos de Voyager, como arrumar um penteado bem melhor do que o das primeiras temporadas (e que rendeu alguns Emmys nesse quesito para a série) e trazer de volta para a Terra uma USS Voyager até melhorada tecnologicamente em relação à que partiu de Deep Space Nine rumo às Badlands no episódio-piloto. Mesmo que para isso tenha tido que voltar no tempo, bater de frente com Borgs, Hyrogens, Kazons, criaturas em CGI ou até uma Kes revoltada em um momento infeliz das últimas temporadas, e não ter tido a chance de desenvolver um relacionamento íntimo com alguém, embora seu primeiro-oficial estivesse sempre como o primeiro da lista.

Relembrando tudo o que Kathryn Janeway significou para Voyager, todos os fãs de Jornada nas Estrelas têm de levantar a mão ao céu e agradecer por Geneviève Bujold ser uma “estrela” e Kate Mulgrew ser uma profissional.

Artigo originalmente publicado no conteúdo clássico do Trek Brasilis em 4 de novembro de 2002.