TOS 1×20: Court Martial

Segmento com problemas de execução discute tema ‘homem versus máquina’

Sinopse

Data estelar: 2947.3

A USS Enterprise chega à base estelar 11 para reparos após enfrentar uma forte tempestade iônica, durante a qual o oficial de registros, o tenente comandante Ben Finney, morreu enquanto executava o que aparentava ser um procedimento padrão da nave. Kirk se apresenta ao comodoro Stone, responsável pela base estelar, e entrega seu relatório do incidente.

Entretanto, os diários de registro da nave mostram uma versão diferente daquela dada por Kirk. Stone começa a ter dúvidas sobre o depoimento de Kirk (suspeitando de perjúrio do capitão) no mesmo momento em que a filha de Ben Finney, Jamie, entra na sala do comodoro acusando Jim da morte do pai. As fitas de registro mostram que Kirk havia supostamente ordenado a ejeção de uma cápsula iônica na qual estava Finney fazendo leituras durante a tempestade, enquanto a Enterprise ainda estava em alerta amarelo, o que só deveria ser feito quando a nave já estivesse em alerta vermelho. O lançamento prematuro não teria dado ao tripulante a chance de deixar a cápsula e causado sua morte. Com o conflito entre as gravações do diário e o relatório de Kirk, Stone ordena a instauração de um inquérito.

Confinado à base estelar durante tal inquérito, Kirk, tendo McCoy como companhia, é hostilizado por alguns oficiais da Frota que o julgam culpado pela morte de Finney. Após uma leve discussão, Kirk deixa o bar onde estavam, enquanto McCoy cruza com uma antiga amiga do capitão, Areel Shaw.

Durante o inquérito ficamos sabendo que Finney havia sido instrutor de Kirk na academia, os dois acabaram se tornando grandes amigos (Jamie recebeu o nome em uma homenagem a Kirk) e que ambos foram designados para uma mesma nave, a USS Republic (NCC-1371). Durante uma rendição de serviço, o então alferes Kirk encontrou uma válvula que havia sido deixada aberta pelo então tenente Finney de forma negligente, o que poderia ter causado a destruição da Republic. Ele corrigiu o problema e relatou o incidente de forma oficial, o que custou a Finney uma punição e tirou-lhe a preferência para promoções.

O inquérito indica que Kirk é culpado de perjúrio e negligência culposa. O comodoro Stone propõe um acordo, em que Kirk alegaria esgotamento, o que faria com que ele perdesse o comando da nave. Kirk rejeita e, certo de sua inocência, não só concorda, mas exige que uma corte marcial seja instaurada.

Enquanto aguarda a chegada dos oficiais que formarão a corte marcial, e avisado por McCoy da presença de Areel Shaw (um antigo caso amoroso seu), Kirk volta ao bar, onde a encontra. Ambos conversam brevemente sobre o problema de Kirk, e como Areel é advogada da procuradoria geral da Frota Estelar, Kirk pede que ela o defenda no julgamento. Mas, alegando estar ocupada, ela indica Samuel T. Cogley para defendê-lo. Ao fim da conversa, Kirk pergunta como Areel está tão bem informada a respeito de seu caso, e ela então lhe confessa ser a promotora do processo.

Kirk segue a recomendação e aceita a ajuda de Samuel T. Cogley, um excêntrico advogado, fanático por livros antigos e não adepto do uso de computadores. A corte marcial inicia os trabalhos. Spock é a primeira testemunha, seguida da oficial de pessoal da Enterprise e depois McCoy. Apesar de todos tentarem inocentar Kirk, nenhum dos depoimentos – incluindo o dele próprio – apresenta prova significativa que o ajude a se livrar das acusações. Curiosamente, Cogley não interroga nenhuma das testemunhas, exceto Kirk.

Uma gravação visual do diário é apresentada, onde se vê claramente que Kirk lança a cápsula antes de emitir um alerta vermelho. Tal prova desconcerta a todos, inclusive o próprio Kirk e seu advogado – ambos começam a questionar se Kirk é mesmo inocente da acusação.

Durante um recesso, Spock informa que a revisão dos computadores da nave não apresenta nenhum sinal de problemas. Jamie, que esteve presente durante todo o julgamento, reaparece e demonstra estar aceitando melhor a morte do pai, pedindo desculpas por ter lhe acusado antes. Cogley estranha a atitude da menina, justo quando as provas apontam para a culpa de Kirk.

Enquanto isso, Spock joga xadrez com o computador da Enterprise, sob protestos de McCoy. Spock explica que conseguiu vencer o computador por quatro vezes seguidas, o que deveria ser impossível, uma vez que foi o próprio vulcano quem programou a máquina para o jogo – sendo assim, Spock não deveria ser capaz de vencê-lo, o que indica alguma falha nos bancos de dados do computador.

A sessão é reiniciada, mas Spock e McCoy aparecem e informam a Cogley suas recentes descobertas. O advogado exige que seja permitida a apresentação das novas evidências. Após um discurso exaltado, e sob protestos da promotoria, ele é atendido.

Todos os participantes da corte são levados a bordo da Enterprise, onde a sessão é reiniciada. Spock explica então os detalhes de como venceu o computador, como isso deveria ser impossível e como tal descoberta indicava que a programação havia sido alterada, algo só realizável pelo próprio Spock, pelo capitão Kirk ou pelo supostamente falecido Finney. Cogley, a partir daí, presumiu que Finney estava vivo e escondido a bordo da Enterprise, por isso não foi achado pela busca ordenada por Kirk na ocasião.

Um plano é montado para provar esta teoria. Todo o pessoal da nave é transportado para a base estelar, e os integrantes da corte marcial são levados para a ponte. Uma vez lá, McCoy usa uma engenhoca que elimina o som dos batimentos cardíacos dos presentes. Isto feito, uma batida ainda pode ser captada pelos sensores da nave, presumindo-se então que seja de Finney.

Kirk vai até a seção da engenharia e encontra o tenente comandante vivo. Ele ainda culpa Kirk por ter sua carreira estagnada e confessa ter planejado uma farsa para incriminar o capitão pela sua morte e, sem saber que sua filha havia sido trazida a bordo por Cogley, Finney confessa também ter sabotado a Enterprise. Ele fica desesperado quando Kirk revela a presença de Jamie, e então uma luta se inicia entre eles, enquanto a órbita da Enterprise começa a decair, sem que seus motores possam ser religados. Kirk vence a luta e desfaz os danos causados, permitindo que a tripulação da ponte possa estabilizar a órbita da nave.

As acusações contra Kirk são retiradas e a corte marcial, encerrada. Pouco antes da partida da Enterprise, Areel Shaw informa a Kirk que Samuel T. Cogley assumiu a defesa de Ben Finney. Ela se despede com um beijo em plena ponte da Enterprise.

Comentários

Concebido como um drama de tribunal, “Court Martial” teve como forte impulsionador a necessidade da produção de economizar uns preciosos trocados, algo sempre necessário em uma produção que vivia no fio da navalha do orçamento. Apesar de alguns deslizes, o segmento funciona bem e traz bons momentos à saga.

O roteiro original colocaria o computador da nave, e não Finney, como o agente que visava a destruição de Kirk, o que foi alterado por motivos de custo do episódio. Mas essa essência foi mantida na versão final. Samuel T. Cogley personifica a busca pela manutenção do espírito humano, o que representa a principal tradição da Serie Clássica em seu humanismo.

Por outro lado, o computador da Enterprise representa o progresso que muitas vezes suprime o próprio homem, colocando o seu próprio criador em segundo plano, em busca de uma perfeição inatingível nessa pretensa evolução. A atuação de Elisha Cook Jr. é uma das mais cheias de energia de um ator convidado na série e contribui de forma fundamental para que o segmento ganhe peso. O ator, com longa carreira no cinema, fez um grande trabalho aqui e simbolizou com competência a essência desse discurso humanista de Star Trek.

Spock e McCoy têm ótimas participações, embora curtas, mas cirúrgicas (oh Boy!). Suas interações funcionam com doce sintonia, e ambos têm seus bons momentos aqui, com McCoy desfilando seu velho charme sulista encantador em grande estilo, num belo momento de DeForest Kelley.

Mas certamente um momento importante não só para o episódio, mas a definição da dinâmica do Grande Trio, é a defesa que Spock faz de seu capitão. De forma simples, segura e verdadeira, é possível perceber a admiração e respeito nas palavras do vulcano ao fazer sua alegação em favor de seu oficial comandante, em mais uma excelente atuação de Nimoy.

Mas algumas coisas soam de forma estranha nessa trama, a começar pelo fato da necessidade de mandar um tripulante para uma cápsula que precisará ser ejetada em caso de emergência, justamente quando a nave se dirige para uma tempestade, algo que não faz lá muito sentido.

E, embora filosoficamente instigante, o roteiro é muito autoindulgente. Em dado momento, passamos a ver um episódio que está discutindo o tema homem x máquina, mas as evidências contra Kirk não são acusações feitas pelo computador. As imagens são meras gravações dos eventos e apenas evidências, mas o computador em momento algum age conscientemente contra Kirk, ou com malícia, o que de certa forma enfraquece a premissa proposta.

Outro fato desconfortável é que, em dado momento, o comodoro Stone sugere um ocultamento da verdade em prol da reputação da cadeia de comando, o que parece uma sugestão grave vinda de um representante do alto comando da Frota Estelar. De toda forma, o embate entre Kirk e Stone define o caráter do capitão, que não desiste de brigar para provar sua inocência, mas o roteiro patinou perigosamente nesse momento infeliz.

Falando em tribunal, algo estranho é que se espera de um julgamento a busca dos fatos e da justiça. Porém, a peça montada para acusar Kirk pela Frota Estelar mais parece um tribunal de Inquisição, onde o capitão é levado a julgamento sumário sem sequer uma investigação decente. E, apesar da boa atuação de Joan Marshall (Areel Shaw), o fato de ter se envolvido anteriormente com Kirk deveria ser motivo de impedimento para que ela tivesse qualquer participação nesse julgamento. Além disso, a acusação se baseou numa breve coleta de dados realizada pelos próprios tripulantes da Enterprise, com apresentação da prova surpresa durante o julgamento, sem o conhecimento prévio da defesa, e tentou fazer uma tendenciosa conexão com um evento de anos antes, com base em mera especulação. Tudo isso sem necessidade, pois uma breve análise dos logs já teria dado (como deu) as provas necessárias para a acusação.

Junte-se a isso a presença da filha de Finney base estelar onde a Enterprise acaba de chegar para manutenção, o que já é algo convenientemente estranho. A presença dela em um inquérito militar é inexplicável. Claro que tudo isso foi feito em função do drama, e Star Trek não é uma série de advogados, mas não se pode deixar de dizer que o julgamento de Kirk foi uma verdadeira aberração jurídica.

Ainda no quesito julgamento, embora o discurso de Cogley seja inspirado, ele não faz nenhum sentido diante das acusações e provas até então apresentadas. Ele ouve de Spock sua descoberta da possível falha do computador, mas, ao invés de reportar isso, faz um discurso inflamado sem apresentar essa evidência à corte, que até aquele momento não tinha nenhuma informação relevante para alterar o curso dos eventos. Felizmente, ele tinha a simpatia não declarada de Stone – caso contrário, a vaca teria ido para o brejo.

Mas os detalhes estranhos não param por aí. Kirk, que deveria estar afastado do comando até o final do julgamento, abusa de sua autoridade como capitão ao colocar a nave em perigo. A simples remoção da nave da órbita do planeta já seria suficiente para causar menos problemas. Porém, mais uma vez o bom senso deu lugar ao drama.

Dois elementos sutis devem ser louvados aqui. Primeiro, Star Trek mais uma vez coloca um negro em posição de destaque, no caso o comodoro Stone. Segundo, o fato de Areel Shaw (Joan Marshall), mesmo tendo um passado de envolvimento com Kirk, não deixa em momento algum que os encantos do capitão da Enterprise afetem sua conduta profissional. Ainda que os dois tenham tido falas pouco felizes em alguns momentos, é significativo perceber esse tipo de abordagem já na Serie Clássica, numa época de lutas pelos direitos civis e a afirmação da igualdade das mulheres em nossa sociedade.

Levando em conta todos os prós e contras, “Court Martial”, apesar do roteiro um pouco confuso em alguns momentos, até que consegue trazer uma boa hora de entretenimento e mostra um pouco da burocracia da Federação e da Frota Estelar, com boas participações do elenco fixo e um bom time de convidados. Vale o investimento de tempo, mas não deve ser levado muito a sério.

Avaliação

Citações

“If I let go a hammer on a planet having a positive gravity, I need not see it fall to know that it has, in fact, fallen.”
(Se eu deixar cair um martelo num planeta de gravidade positiva, não preciso vê-lo cair para saber que, de fato, caiu.)
Spock

“All of my old friends look like doctors. All of his look like you.”
(Todos os meus velhos amigos parecem médicos. Todos os dele parecem você.)
McCoy

“I speak of rights! A machine has none; a man must. If you do not grant him that right, you have brought us down to the level of the machine; indeed, you have elevated that machine above us!”
(Eu falo de direitos! Uma máquina não os têm; um homem, sim. Se os senhores não garantirem a ele esse direito, o senhores nos rebaixaram ao nível da máquina; de fato, os senhores colocaram a máquina acima de nós!)
Samuel T. Cogley

Trivia

  • Existe um famoso “blooper” da cena final do episódio, em que Shatner agarra Joan Marshall em um beijo e não a larga até arrancar risos de toda a equipe e elenco. Foi o ponto culminante de uma cena difícil de ser filmada, segundo Leonard Nimoy. “Joan Marshall, que interpretou a advogada de acusação, era uma atriz charmosa e tinha um maravilhoso senso de humor.”
  • Curiosamente, o embate “Homem versus Máquina” deste episódio teve vários dos seus elementos ecoados no infinitamente superior episódio “The Measure of a Man”, da segunda temporada de A Nova Geração, que apresentou um ponto de vista muito diferente para tal questão. Naquele episódio, o androide Data foi reconhecido como um ser senciente, com todos os direitos de tal condição.
  • O gabinete do comodoro é o mesmo de The Menagerie” e foi completado com a mesma imagem de prédios do lado de fora da janela.
  • O bar da base estelar é formado por várias paredes da nave de Balok, do episódio The Corbomite Maneuver. O registro visual do diário adulterado é mostrado em uma tela principal arredondada nos cantos, como a vista em The Cage e “Where No Man Has Gone Before.
  • Este foi um dos últimos episódios a mencionar o termo “vulcaniano” (do original “Vulcanian”), posteriormente caindo em desuso pelos roteiristas da série e substituído por “vulcano” (do original “Vulcan”), utilizado até os dias de hoje. “Em seu depoimento, Spock se refere como meio vulcaniano, e preciso admitir que fico desconfortável com isso agora. Spock é um vulcano e logo é meio vulcano. Somos americanos, não americanianos”, disse Leonard Nimoy.
  • Percy Rodriguez (13/06/1918 – 6/08/2007) era um ator canadense de ascendência afro-portuguesa que interpretou o comodoro Stone. Ele foi o primeiro ator negro a interpretar um oficial de alta patente em Star Trek.
  • Elisha Cook Jr. (26/12/1903 – 18/05/1995) tem um currículo extremamente rico e uma sólida carreira no cinema, onde participou de grandes filmes de grandes diretores, como: “The Maltese Falcon” (1941), de John Huston; “The Big Sleep” (1946), de Howard Hawks; “The Killing” (1956), de Stanley Kubrick; “Rosemary’s Baby” (1968), de Roman Polanski; “Shane” (1953), de George Stevens; “Sergeant York” (1941), de Howard Hawks e “Ball of Fire” (1941), também de Howard Hawks.
  • Richard Webb (09/09/1915 – 10/06/1993) também participou de filmes importantes, como: “Sullivan’s Travels” (1941), de Preston Sturges; “Out of the Past” (1947), de Jacques Tourneur e “A Star Is Born” (1954), de George Cukor.

Ficha Técnica

História de Don M. Mankiewicz
Roteiro de Don M. Mankiewicz e Stephen W. Karabatsos
Dirigido por Marc Daniels

Exibido em 02 de fevereiro de 1967

Títulos em português: “Corte Marcial,” (AIC-SP), “Corte Marcial,” (VTI-Rio)

Elenco

William Shatner como James Tiberius Kirk
Leonard Nimoy como Spock
DeForest Kelley como Leonard H. McCoy
Nichelle Nichols como Uhura

Elenco convidado

Richard Webb como Ben Finney
Percy Rodriguez como comodoro Stone
Elisha Cook Jr. como Samuel T. Cogley
Joan Marshall como Areel Shaw
Alice Rawlings como Jamie Finney

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Edição de Carlos Santos
Revisão de Susana Alexandria

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